João Augusto Gama – Empresário e ex-prefeito de Aracaju
A Netflix está com um documentário na sua grade de programação sobre o líder uruguaio Pepe Mujica, assinado pelo diretor sérvio Emir Kusturica. Trata-se de um trabalho lúcido que acompanha toda a trajetória do líder socialista, sem cair na pieguice ou no sentimentalismo.
Suas origens, sua carreira política até a presidência do pequeno país vizinho, passando pelos “anos de chumbo” que aconteceram na América do Sul e sua prisão durante doze longos anos em diversos cárceres do Uruguai. A prisão e a morte eram vistas como consequência da sua atividade política. Havia um grande risco que Pepe Mujica e seus companheiros sabiam que corriam.
O pano de fundo do documentário é o clássico filme de Costa-Gravas “Estado de Sítio”. A violência provocada no país com o estado de sítio é impressionante. Não há nenhuma garantia. O filme retrata a história do policial americano Dan Mitrione que foi contratado pela CIA, nos meados dos anos 1960, para ensinar às forças da repressão do Uruguai e do Brasil novas técnicas de tortura com os chamados presos políticos.É o início da barbarie funcional, estatal, sistematizada nos quarteis brasileiros. Os famosos “esquadrões da morte” são seus filhos ilegítimos. É o mesmo “Estado de Sítio” que o capitão pretende implantar no Brasil, única forma de garantir a impunidade de sua prole.
Continuava vendo o documentário, chateado com o procedimento médico que faria hoje na vista, quando atendi a um telefonema de André, meu filho, que mora na Paraíba. Durante trinta minutos conversamos sobre diversos assuntos. Negócios, perda de amigos e conhecidos vítimas do Covid, mudança de casa. Conversa entre um velho pai saudoso e um filho distante.
Voltei ao documentário. A presença de Pepe, um octogenário, é impressionante. Um homem do seu tempo. Preocupado com a pobreza do mundo. Com o descaso com o meio ambiente. Sugerindo a interferência no meio ambiente para salvá-la e ajudar na luta da humanidade por água. Por saneamento básico. E, acima de tudo, pela paz.
O último dia do seu mandato, quando ele entrega a presidência a Tabaré Vázquez, é uma festa. Festa bonita. Uma festa da democracia. A sua volta para casa, no seu fusca azul, é de arrepiar. Pessoas de todas classes sociais aplaudindo, parando o fusca. Até argentinos estavam na despedida de Pepe. Era a retribuição do povo ao seu trabalho, sua pobreza, seu estilo de vida.
Emir Kusturica, com entrevistador de Pepe, fumando um longo charuto(provavelmente um puro cubano) lhe pergunta:
Você tem algum arrependimento na sua vida?
Pepe rapidamente responde:
Tenho. Não ter filhos.
Uma vida bonita, decente como a de Pepe Mujica e Lucía Topolansky ficou incompleta sem filhos. É pena constatar isto no ocaso da vida, mas de todas as maneiras uma vida grandiosa.