Afonso Nascimento
Professor de Direito da UFS e membro da Comissão Estadual da Verdade
A participação dos padres na política dá-se de dois modos: através da política partidária e através da política no sentido amplo. Sobre a sua atuação na política partidária não há muito o que dizer, a não ser que requer a sua filiação a uma agremiação partidária, mas no segundo modo de participação política é importante destacar que as suas atividades políticas são uma pré-condição para a entrada na política partidária. Com efeito, os padres são intelectuais e, portanto, formadores de opinião pública, tendo à sua disposição plateias que podem seguir a sua liderança moral e política até por longos períodos.
Além dessa atuação dentro de igrejas, os padres podem fundar, dirigir e influenciar grupos com intervenção social. Por causa disso, não é incomum observar padres que funcionam muitas vezes como cabos eleitorais de políticos, recomendando o voto de seus paroquianos nesse ou naquele candidato a mandato eletivo – embora muitos façam recomendações gerais e outros digam que estão interessados apenas em salvar almas. Alguns não se contêm e se lançam, eles mesmos, candidatos a mandatos eletivos.
Muitos religiosos católicos fizeram política partidária em Sergipe. O caso de maior destaque foi aquele do monsenhor Olímpio Campos, político que ocupou a cadeira de governador e outros mandatos mais, durante a primeira república. O seu irmão Daniel Campos também foi governador. Olímpio Campos deixou a política partidária porque foi assassinado por gente ligada ao deputado federal Fausto Cardoso. Este, por sua vez, também foi morto por parentes de Olímpio Campos. Tempos depois o palácio do governo estadual recebeu o nome do primeiro e a praça em frente ao mesmo palácio ganhou o nome do segundo.
Além de Olímpio Campos muitos nomes podem ser mencionados. Na mesma primeira república o monsenhor Alberto Bragança foi eleito deputado estadual e, nos anos 1950, foi um dos fundadores da Faculdade de Direito da UFS. Citemos mais outros nomes, de memória: padre Almeida, um religioso de Estância e presidente do PDT em Sergipe; o padre Arnóbio; o padre Edson; o padre Enoque; o padre Inaldo; o padre Gérard, etc.
A participação de padres na política não partidária é muito mais rica. Gostaríamos de ressaltar inicialmente o padre Alípio Freitas, um português naturalizado brasileiro que é considerado um dos fundadores da Ligas Camponesas no Brasil, e que andou por Sergipe e que foi preso e torturado pelo regime militar. O outro nome que queremos mencionar é o de Dom José Brandão de Castro, um mineiro que na juventude foi integralista e que nos 80 tomou o partido de índios e de trabalhadores sergipanos envolvidos em questões de terra, na região do Baixo São Francisco. Não deixaremos de padre repugnante que, quando das prisões de 1964, se oferecia para receber as confissões dos “subversivos” recolhidos ao 28 BC.
Os dois nomes mais importantes representativos desse tipo de política foram, sem dúvida, aqueles de Dom José Vicente Távora e de Dom Jose Luciano Cabral Duarte. O primeiro era cearense e irmão do militar do Exército Juarez Távora. Antes de vir trabalhar em Sergipe, já era conhecido no Rio de Janeiro como “o bispo dos operários”. Não era comunista, mas tinha feito a sua “opção preferencial pelos pobres”. Ao ser nomeado arcebispo de Sergipe, pode-se imaginar que os grupos dominantes locais não devem ter gostado de uma tal escolha. A seu respeito, o padre Isaías Nascimento escreveu um pequeno livro.
Dom Luciano Duarte nasceu em Capela. Enquanto atuou na vida religiosa, foi o campeão do anticomunismo e do conservadorismo. Sua participação sempre foi ao lado das classes proprietárias e, quando do advento do regime militar, não escondeu sua simpatia para com os homens de coturno. Foi um incondicional colaborador, diferentemente de seu superior hierárquico, Dom Távora, que fazia resistência aos militares. Escolheu o lado dos vencedores. Dom Luciano Duarte não era qualquer um. Era preparado intelectualmente e possuía um diploma de doutor em Teologia obtido na França. Giselda Moraes deixou um livro sobre Dom Luciano.
Os dois não se toleravam, a despeito do tratamento respeitoso de um para com o outro que pode ser encontrado em documentos oficiais. Enquanto Dom Távora e seus seguidores eram importunados (interrogatórios, ameaças de prisão, etc.) pelos militares do Exército, Dom Luciano tinha trânsito livre entre os homens de uniforme verde-oliva e tinha uma forte atuação entre estudantes e professores antes e a partir da criação da Universidade Federal de Sergipe. Chegou a rezar uma missa em pleno 28 BC. A atuação política de Dom Távora foi mais relevante no período que antecedeu o regime militar, pois engajado estava na mobilização pelas reformas de base em Sergipe e no Brasil.
Dom Távora e Dom Luciano tiveram um papel importante em relação ao regime: um na resistência e o outro na colaboração. Os dois não devem ser “demonizados” ou “santificados” por seus simpatizantes de um lado ou de outro da história. O cearense entrou para a história sergipana no grupo dos perdedores políticos, mas vencedores morais, ao passo que o sergipano fica entre os vencedores políticos e perdedores morais. Cada um a seu modo construiu sua biografia com muitas realizações pessoais e sociais.
Dom Távora morreu em prisão domiciliar na segunda metade dos anos 60. Dom Luciano está vivo, com idade bem avançada e adoentado. Se vivo o primeiro e com saúde o segundo, ambos seriam convidados a depor junto à Comissão Estadual da Verdade. Teriam muito o que dizer sobre suas participações políticas durante o regime militar. A propósito, durante as oitivas da referida comissão, Dom Luciano foi citado por mais de um depoente como dedo-duro. Foi uma pena que ele não estivesse lá para defender-se dessa grave acusação. As gravações das oitivas da Comissão Estadual da Verdade podem ser encontradas na sede da comissão.