Transtornos e prazeres na mudança do campus da UFS de Aracaju para São Cristóvão

Eugênio Nascimento – Jornalista e ex-aluno da UFS

Ocorrida em 1º de agosto de 1980, a inauguração da Campus da Universidade Federal de Sergipe (UFS), no bairro Rosa Elze, em São Cristóvão, foi a solução encontrada para reunir todos os cursos da instituição de ensino superior em um mesmo local, exceto um ou outro da área de saúde. Era uma saída contra a dispersão, mas virou um problemão para os estudantes. No ato inaugural, o então reitor Aloísio de Campos revelou que havia pressa em transferir os cursos. E foi feita a sua vontade.

Os cursos da área de humanas, que não dependiam muito de uso de laboratórios, foram no primeiro “pacotão”. Eram (e ainda são) os cursos dos alunos mais pobres, que dependiam de ônibus para chegar à escola e de alimentação barata no campus para assistirem aulas de manhã e parte da tarde, em muitos casos. Esses eram justamente dois dos maiores problemas.

O sistema de transporte público era por demais precário e os alunos e alguns e professores usavam uma linha de ônibus Aracaju-Rosa Elze. Com a ativação do novo campus foi criada uma outra linha, que, na fase inicial de operação, não atravessava a ponte sobre o Rio Poxim, que separa a capital de todos os sergipanos de São Cristóvão, quarta mais antiga cidade do Brasil e também chamada de Cidade Mãe de Sergipe.

Eram visíveis as erosões na cabeceira da ponte e todos desciam dos ônibus no lado de Aracaju e terminavam o percurso a pé até o campus. Algum tempo depois, a travessia passou a ser feita por uma ponte de madeira e assim ficou até ser resolvido o problema das cabeceiras. Vale destacar que, do viaduto da antiga Avenida Contorno (depois Tancredo Neves) até a UFS, existiam centenas de buracos e cada um maior que o outro.

As insistentes reclamações e os protestos dos alunos fizeram com que, já no final de 1980, os ônibus chegassem ao ponto final do campus, onde hoje os estudantes que têm aulas nas Didáticas I, II, III e IV, embarcam e desembarcam. Foram tapados os buracos. Frequentemente, os alunos transferidos para o campus, que foi denominado depois de “Cidade Universitária Professor José Aloísio de Campos”, faziam atos de protestos na reitoria da UFS, nas ruas de Aracaju e nos portões das garagens de algumas empresas de transporte coletivo.

A exemplo de Marcos Wandir, ex-alunos desse período contam que, para se fazerem presentes às aulas que começavam às 7h, saíam de casa às 5 horas. Todos reclamavam e se irritavam muito quando alguns professores, aqueles mais  “caxias”, faziam a chamada no momento em que entravam na sala de aula. Era falta na certa. Os mais compreensivos faziam a chamada no final da aula.

A estudante do Colégio de Aplicação (CA), hoje Codap) Josemayre Teles, lembra que usava ônibus e “ele demorava muito a chegar no campus, onde o CA estava funcionando. Segundo ela, “no campus faltava energia elétrica com muita frequência e parecia um deserto ao entardecer. Com medo, os alunos andavam em grupos para ir à biblioteca, por exemplo”.

Ainda nos dias de hoje, há questionamentos sobre a qualidade do serviço de transporte para o campus do Rosa Elze, mas não existe situação tão grave quanto aquela vivida por aqueles que estudavam nos primeiros anos da década de 1980 na Cidade Universitária Aloísio de Campos. Nesse período dos anos 80 a que me refiro, alguns ônibus tiveram seus vidros quebrados e os pneus esvaziados em protestos coletivos ou isolados.

Para amenizar a situação, a UFS e a Superintendência Municipal de Transportes e Trânsito de Aracaju (SMTT) criaram um projeto de “Carona Amiga”, com placas em algumas áreas da capital sugerindo às pessoas que tinham carro e iam para o novo campus da UFS que dessem carona aos então estudantes. Aliviou, mas não resolveu o problema.

O segundo mais grave problema enfrentado pelos estudantes foi o Restaurante Universitário (Resun) sem funcionar, fechado mesmo. A grande maioria da estudantada comia lanches na hora do almoço, quando não levavam marmitas. Os lanches eram oleosos pastéis e coxinhas vendidos entre os prédios das Didática I e II, sanduíches mistos quentes e hambúrgueres, além de cachorro quente em um outro ponto, na cobertura que sai do estacionamento em direção ao Resun.

Quem tinha um dinheirinho a mais podia ter acesso a almoços populares em bares e botecos no Bairro Rosa Elze, que também era muito frequentado por professores. Um dos botecos que mais recebiam alunos e professores era o de Aloísio Nogueira, que ganhou apelidos como ”Didática IV”, “Departamento de Ciência Etílicas” e “Universidade do Rosa Elze”.

Nesse boteco, que ficava no cruzamento da avenida Governador João Alves Filho com a Rua Barão de Mauá, tinha bebidas alcoólicas com folhas de cidreira, capim-santo, erva doce, angico, milone, entre outras, além da tradicional cerveja, que às vezes não era comprada por causa de dificuldade financeira do dono do bar, mas os frequentadores bancavam a compra e lá bebiam. Eram servidos pratos como galinha cozida (ensopada), bife de fígado, guisado de moela e fígado de galinha, carne frita (guisado), bisteca de porco…

O “Didática IV” era bem frequentado e tinha movimento intenso nas sextas-feiras. Na época áurea do boteco, apareceram por lá os ex-reitores  Gilson Cajueiro de Holanda, que inaugurou o Restaurante Universitário em 11 de agosto de 1981,  Clodoaldo de Alencar Filho, Eduardo Garcia e Luiz Hermínio. Não eram assíduos e não foram no mesmo dia, mas marcaram presença.

O então presidente do Diretório Central dos Estudantes, João Francisco dos Santos, o “Chico Buchinho”, garantiu que lembra bem desse período (1980 a 1981). Explicou que o nome Didática IV foi porque na UFS só existiam 03 didáticas. Ele disse ainda que o Resun foi inaugurado no dia 11 de agosto, dia do estudante e dia da Abertura do Encontro Nacional dos Estudiantes de Geografia, realizado no nosso Campus. Alunos e professores estavam em férias. A UFS tinha contratado uma empresa para administrar o Resun. “Pela nossa pressão dispensou a empresa e assumiu a administração direta do restaurante”, comentou.

Como era o reitor do período inicial da UFS em São Cristóvão, Gilson Cajueiro foi muito “visitado” por estudantes em protestos. Os alunos tinham uma certa antipatia em relação ao reitor e faziam mangações com o jeito afrancesado que ele se referia ao Resun. Chamava de restaurant, que foi aberto para atender inicialmente 500 estudantes, professores e servidores e funcionou em 1999 servindo 5,5 mil refeições.

Além dos ex-reitores, também eram vistos por lá os professores Ponciano Bezerra, Luiz Alberto, Ana Valença, Antônio Edilson, Neilza Barreto, José Costa, Claudete Sampaio, Ilka Bichara, José Paulino, Francisco Dantas, Rosemiro Magno, Ruy Belém, Socorro Rufino, Izaura Sobral, Luiz Alberto, Lenalda Santos, João Costa, Isaura (de Letras), dezenas de alunos, entre eles Chico Buchinho, Antonieta, Cláudio Miguel (com ou sem seu violão), Suely Amâncio, Jaburu, Joel e Martha, a assessora de Comunicação da UFS Lânia Duarte, Ana Bastida (assessora da Ascom e depois do Gabinete do Reitor), João Luiz, Gilson Prejuízo e Vieira (ambos da Ascom) entre muitos outros membros da chamada comunidade universitária da UFS.

O velho “Didática IV” foi vendido e derrubado e em seu lugar funciona hoje o “Sabor da China”, de Marcos Góes, especializado em pratos típicos chineses. Um outro Marcos, o filho do Aloísio mencionado, tem uma lanchonete e restaurante Manage na avenida João Alves, ao lado do Campus da UFS. A área hoje tem dezenas de pequenos restaurantes. O boteco do finado Aloísio continua na lembrança de muita gente que estudou na UFS e que buscava lá a comida e, em alguns casos, uma boa pinguinha.

Pois é, “nois sofria, mas nois gozava”, como se dizia naquela época.

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