José Lima Santana
Padre, advogado e professor da UFS
Muitas vezes, o que é profundamente lamentável, as atividades econômicas entram em rota de colisão com as atividades culturais, quando, ao contrário, deveriam convergir para o mesmo objetivo: o progresso e o desenvolvimento. E, obviamente, servindo, ambas, à afirmação da cidadania e da dignidade da pessoa humana, num processo dinâmico e dialético, aureolado pela solidariedade. Todavia, o que é ainda mais lamentável, dizer essas coisas a certas pessoas soa como sacrilégio, quando se sabe que sacrilégio mesmo é a falta de compreensão de certas pessoas. Pois bem.
Na minha cidade de origem, berço amado, Nossa Senhora das Dores, antes nominada como Enforcados, Tapera dos Enforcados e Nossa Senhora das Dores dos Enforcados, tem-se criado, ultimamente, uma polêmica em torno do dia 11 de junho, data verdadeira e precisa da sua emancipação política, quando, nesse dia, em 1859, foi criado o Município de Nossa Senhora das Dores, com a elevação da povoação à categoria de Vila, como era costume fazer-se desde Portugal. Lembrando que, pelas normas legais do Reino, e, depois, do Império, o Município recém-criado tinha por sede uma Vila ou uma Cidade. Quando era Vila, com o tempo, esta era elevada à categoria de Cidade. Mas, o Município não nascia nessa elevação, mas, sim, lá atrás. Em termos políticos-administrativos, a elevação da Vila à condição de Cidade, não mudava nada. Continuavam as mesmas condições: a Câmara Municipal legislando, a Intendência (Prefeitura Municipal) administrando e por aí afora. Nada mudava. Apenas o aglomerado urbano principal do Município, ou seja, a Vila, virava Cidade. Isso deve ser entendido, por todos os setores da vida política, econômica, social, cultural etc. das nossas comunidades.
Eu já escrevi um artigo sobre essa situação, envolvendo a criação dos Municípios, e já proferi algumas palestras sobre o tema. A polêmica, hoje, em Dores, segundo me consta (se eu estiver errado, peço desculpas), parece decorrer do desejo de alguns setores produtivos, notadamente do comércio local, ou de parte dele, para tentar eliminar o feriado municipal do dia 11 de junho, data magna do Município, ou seja, como dito acima, data da emancipação de Nossa Senhora das Dores, que se separou administrativamente de Capela, dali saindo a povoação central e parte do território, e de Divina Pastora, de onde saiu a outra parte do território. Qual a razão do descontentamento desses setores? É que o dia 11 de junho antecede o dia 12, dia dos namorados, e, portanto, setores do comércio acham que esse feriado, caindo, assim, nesse dia, prejudica as vendas. Puxa vida! Que mentalidade tacanha, com todo o respeito. Se é isso, é muita bobagem, com as minhas desculpas, novamente. Vejamos: algum namorado ou namorada deixará de presentear o ente querido só porque o dia 11 de junho é feriado? Não comprará no dia 10, 9, 8… Ou vai sair de Dores para comprar em Siriri, Cumbe, Capela, três cidades vizinhas com as quais mantemos relações comerciais e sociais da maior qualificação? Enfim, o próprio dia 12 de junho não é feriado. As compras não são feitas nesse dia? Somente se compra no dia 11? Desculpas peço pela terceira vez, mas, isso é patético. Mais ainda, é ridículo!
Por favor, anotem as cidades sergipanas onde, neste ano, o dia 11 de junho foi feriado, conforme calendário do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe: Japaratuba (Emancipação Política); Laranjeiras (Padroeiro); Monte Alegre (Padroeiro); Nossa Senhora das Dores (Emancipação Política); Riachuelo (Batalha Naval de Riachuelo). Todas as outras cidades irão, doravante, mudar o seu feriado porque antecede o dia dos namorados? E em Simão Dias (Emancipação Política) é 12/06, dia dos namorados. Vai mudar? Decerto que não. Todas essas cidades devem saber respeitar e preservar a sua história e a sua memória. Em Dores, estupidamente, alguns querem mudar. Absurdo!
Muito bem. Quero, agora, voltar-me para outro assunto, que, todavia, é correlato. Primeiro, quero enfatizar as pesquisas, o trabalho e as publicações do chamado “Grupo Memórias”, com o qual eu tenho colaborado, com muita satisfação, e que deu origem à Academia Dorense de Letras, da qual faço parte, nessa profusão de Agremiações Literárias que, nos últimos anos, se espalharam pelas cidades sergipanas com grande êxito. Felizmente. Foi a partir desse Grupo que acabou sendo modelado o dia 11 de junho como o da emancipação municipal, corretamente, e não o dia 23 de outubro, data em que, em 1920, foi elevada a Vila à categoria de Cidade, sem ensejar a emancipação, feita em 1859. Ficou o dia 23 de outubro, também feriado, como o dia da Dorensinidade.
O “Grupo Memórias”, a própria Academia Dorense de Letras e outros segmentos culturais que vão se assentando na cidade, como o GEEL (Grupo Enforcadense de Escritores e Leitores), e tantos outros que possam vir, são instituições que têm honrado a comunidade dorense. Contudo, o que também é lamentável, há pessoas na cidade que desdenham dessas instituições culturais, que têm prestado serviços relevantes à história, à memória e à cultura da nossa terra. Somente as mentes medíocres não reconhecem isso. E elas estão, inclusive, em setores da própria administração pública municipal, de ontem e de hoje. É triste constatar isso. Eu fiz parte, como secretário municipal ou como advogado contratado, de cinco gestões municipais, em Dores. Sei de secretários e secretárias que desdenharam das instituições culturais. Cabeças ocas, almas pequenas. Ora, todo mundo em Dores sabe que eu não meço palavras para dizer o que é preciso dizer. E não é por ser padre, advogado, professor, escritor, nada disso. É tão somente por ser cidadão dorense, nascido, criado e residente em Dores (embora com atividades na capital, desde 1987).
Eu almejo que as pessoas assentem suas consciências para o que pode e deve elevar as condições gerais da nossa cidade e da nossa gente. Cada segmento, claro, defende seus interesses. Ocorre que alguns desses interesses nem sempre são coletivos. E o que deve mesmo importar é que os interesses possam alcançar o bem comum. Como bem disse o jurista Miguel Reale, “o bem comum não é a soma do bem de um com o bem de outro, mas, sim, a conjugação harmônica do bem de cada um com o bem de todos”. Por fim, espero que as autoridades municipais da minha terra, no Legislativo e no Executivo, possam estar imbuídas do que representa o dia 11 de junho para nós. Provavelmente, publicarei outros artigos sobre esse tema, a depender, claro, do desenrolar dos fatos. Aguardem.