Alexandre de Jesus dos Prazeres*
Bacharel em Teologia, Mestre em Ciências da Religião e Doutor em Sociologia
O escritor e filósofo Umberto Eco, em discurso, por ocasião do recebimento do título de doutor honoris causa em Comunicação e Cultura da Universidade de Turim, discorreu acerca de como as redes sociais deram voz a uma “legião de imbecis”. Falas tolas, preconceituosas ou grosseiras que ficariam restritas a esquinas, ou a mesas de bares, com o advento das redes sociais, são publicadas como se tivessem o mesmo valor de um discurso de um Prêmio Nobel. Umberto Eco acrescenta: “o drama da Internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade.” Em sua abordagem se referia ao modo como a internet eliminou os filtros acerca do que possui mérito ou não para chegar ao conhecimento do grande público.
Todos nós, em algum momento, nos deparamos com pessoas assim, “idiotas da aldeia, do bairro, do povoado, ou da família”. Escutamos as suas tolices, deixando-as entrar por um ouvido e sair pelo outro por não as considerar dignas de atenção ou réplica.
Então, imaginemos que, por força das circunstâncias, uma figura como esta fosse projetada a uma posição de importância como a presidência de um país. Sempre a escutamos vociferar palavreado chulo, de conteúdo machista e homofóbico, sempre apresentando a violência como solução para grande parte dos problemas do país, fazendo a apologia a tortura e exaltando torturadores como heróis, mas não dávamos importância, pois se tratava de uma figura patética, amante de polêmicas, criador de problemas por onde passou. O eleitor tem bom senso, jamais votará em alguém com este perfil, pensávamos.
Circunstâncias como pânico moral propagado por líderes religiosos católicos e evangélicos, insegurança produzida por escândalo de corrupção de magnitude cujas atuações da policia, do Ministério Público, e do Judiciário, com certa conivência da imprensa, foram instrumentalizadas para fins políticos, o surgimento de um cenário político de polarizações, utilização de redes sociais para propagação de fake news, disseminando teorias conspiratórias, o medo de supostas ameaças ao futuro do país sob o lema “a nossa bandeira jamais será vermelha”.
Enfim, o idiota da aldeia foi eleito presidente. Pensamos, ele é limitado, mas irá se cercar de uma boa assessoria e tomar decisões respaldadas tecnicamente. Mas um engano, o idiota continuou sendo o que sempre foi, alguém que come sardinha e arrota caviar, que tem orgasmos como o som da própria voz. Provoca uma crise todas as vezes que faz declarações a imprensa ou utiliza as redes sociais, recusando-se a escutar as poucas vozes sensatas em seu próprio governo, dando atenção apenas as pessoas que fazem ecoar em seus ouvidos as imbecilidades rotineiras que permeiam o seu universo mental.
No segundo ano de seu mandato, o mundo é surpreendido por uma pandemia sem precedentes históricos. E o idiota continua sendo o idiota, ao invés de ouvir as orientações de virologistas, de epidemiologistas, da Organização Mundial de Saúde e de importantes representantes do campo científico no mundo, opta por assumir uma postura negacionista. Ao invés de criar um gabinete de crise com a representação das melhores mentes do país para lidar com o problema, cria um “gabinete das sombras” e se cerca de quem reforça os seus equívocos. Decide se posicionar contra medidas sanitárias, incentivar o uso de medicamentos sem eficácia comprovada, minimizar a gravidade da doença, menosprezar as ofertas de vacina, retardando a sua aquisição. E as coisas se complicam, mais de meio de milhão de mortos como consequência da pandemia e de ações do governo que a agravaram, retardo na retomada das atividades econômicas, resultando em fechamento de empresas e desemprego. E o idiota continua sendo o idiota, nada muda em seu universo mental.
*Docente permanente do Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião (PPGCR/UFS)