Afonso Nascimento – Professor Aposentado do DDI
Os estudantes de Direito da UFS fizeram, durante o regime militar quatro presidentes do DCE, ou seja, João Augusto Gama, Zé Luiz Gomes, Marcelo Déda e Giselda Cardoso. O mandato de Gama foi o mais curto. Por isso, se alguém disser que Gama não teve tempo de “esquentar” a cadeira de presidente do DCE não estará faltando com a verdade. Estudante de Direito, ele foi empossado no segundo semestre de 1968, o ano da fundação da UFS. Juntamente com colegas universitários, ele participou do Congresso da UNE em Ibiúna, no interior de São Paulo, foi preso e depois liberado e o DCE, do qual foi o primeiro presidente, foi fechado pelo regime militar.
Levou algum tempo até que o DCE da UFS fosse reaberto em 1976, quando Antônio Vieira (“Toinho”) foi eleito por um grupo de lideranças estudantis. Na sequência, em 1978, o segundo estudante de Direito a presidir o DCE foi José Luiz Gomes, que antes, em 1976, tinha sido presidente do Centro Acadêmico Sílvio Romero, da Faculdade de Direito. O DCE foi fechado novamente. O próximo estudante de Direito a tornar-se presidente foi Marcelo Déda que, em 1982, afastou-se da instituição para candidatar-se a deputado estadual, mas não foi bem-sucedido. Embora não possuindo cargos formais de representação estudantil, Déda continuou fazendo política dentro e fora da UFS. No seu lugar à frente do DCE, assumiu Giselda Cardoso, que deixou a sua condição de vice-presidente.
Giselda Cardoso nasceu em Riachuelo, cidade cercada de canaviais por todos os lados e onde seu pai trabalhava como professor de História no Ginásio Alberto Sampaio e sua mãe, dona de casa. Em 1977, ela se mudou para Aracaju com o objetivo de cursar a escola secundária no Ateneu. Lá começou a fazer política estudantil e conheceu Marcelo Déda, seu colega de turma e de militância estudantil. Fizeram o mesmo exame vestibular juntos para o curso de Direito, em 1980, sendo ambos aprovados. Não houve descontinuidade na militância estudantil com o ingresso dos dois na UFS. Continuaram tendo o mesmo engajamento político.
Mulher de esquerda, Giselda Cardoso nunca pertenceu a nenhuma organização clandestina nos dois períodos de sua militância e nem recebeu qualquer convite nesse sentido. Afrodescendente, ela não é alta e tem uma aparência franzina, mas isso só fica mesmo na aparência! Quando abre a boca, nota-se que é uma mulher de fibra, inteligente, de raciocínio rápido e que diz o que pensa. Estou tentando fazer um perfil da Giselda que já conheci bem mais tarde, já funcionária do Tribunal de Justiça. Imagine você como seria a jovem Giselda no seu tempo de estudante universitária e um pouco depois de formada quando foi trabalhar como advogada de sindicatos rurais nos perigosos sertões da Bahia e Sergipe! Nesse tempo fez trabalho profissional e engajado.
Conversando com ela sobre o seu passado de militância estudantil, chamou a minha atenção o fato de Giselda e Déda serem, os dois, estudantes de Direito nos postos mais importantes da mesma direção do DCE. Geralmente, nesse tipo de eleição, escolhe-se alguém de um centro para titular e outra pessoa de outro para vice. De acordo com ela, o grupo político (“Atuação”) era hegemônico no momento em que decidiram lançar a sua chapa, de forma que a chapa de oposição (“Viração” do PCdoB) foi vencida com uma certa folga. Esse quadro mudará com a sua saída, quando o grupo do PCdoB tomará o controle do DCE por algum tempo.
Como ainda era tempo de regime militar (1981-1982), as bandeiras gerais de luta ainda eram o “Abaixo a ditadura”, “contra a privatização das universidades federais”, “pela defesa do ensino público e gratuito”, “reforma agrária”, etc. Em termos de realizações de sua administração do DCE, Giselda declarou que manteve em funcionamento os programas culturais como “Clube da Sexta”, “1, 2, Feijão com Arroz”. Apesar das dificuldades, a sua gestão conseguiu trazer para a UFS o antropólogo Luiz Mott para uma palestra na UFS. Eram tempos de boa agitação cultural. Fizeram ainda concurso de poesia e levaram muita música e teatro para a UFS com artistas como Irmão, Tarancón, Cataluzes, Joésia, Imbuaça – além de exibirem muitos filmes de arte. Ainda sob sua gestão, o Jornal do DCE continuou a ser publicado.
No tempo em que esteve à frente do DCE, Giselda disse que o financiamento da instituição vinha da venda de carteirinhas de estudante e do aluguel das cantinas então existentes na UFS. Durante a sua administração do DCE, os estudantes da UFS invadiram a sala de reunião onde se realizava um encontro do Clube de Reitores das Universidades Brasileiras (CRUB), causando uma grande confusão. Felizmente, os “bombeiros” entraram em ação e apagaram o fogo estudantil.
O contexto da administração do DCE por Giselda era aquele de abertura política no país, quando o general João Batista Figueiredo era presidente e o general Rubem Ludwig respondia pela pasta da educação. Com efeito, o AI-5 já tinha sido revogado, a Lei da Anistia fora aprovada permitindo a soltura dos presos políticos no Brasil e a volta dos exilados brasileiros no exterior, novos partidos estavam sendo organizados, dentre os quais o Partido dos Trabalhadores (PT). Giselda informou que naquele tempo, tinha duas militâncias políticas, ou seja, uma estudantil e outra partidária. Foi uma das fundadoras e militantes desse partido, participando de campanhas de filiação na capital e no interior, só o abandonando em 1986, por causa de uma desavença política com Marcelo Déda.
Na sua gestão dois episódios merecem ser lembrados. O primeiro foi ato de formatura de sua turma, ocorrido no Ginásio Constâncio Vieira e que teve como orador Anselmo Oliveira. O problema surgiu porque, para essa cerimônia, convidaram um futuro governador de Sergipe para compor a mesa, um político de família tradicional. Aí os formandos começaram a vaiar o convidado, de modo que a cerimônia teve de ser interrompida definitivamente pelo reitor de então. O nome da sua turma de formandos era “Dom Hélder Câmara”, o que já indicava um certo posicionamento político que não combinava com a presença do convidado. Sem mais comentários.
O outro episódio teve lugar no Hotel Palace de Aracaju, onde se hospedou o ministro da Educação. De acordo com o jornalista Adiberto Souza, as lideranças estudantis pediram uma audiência com o ministro Rubem Ludwig, que aceitou o pedido. Como estava com a sua agenda cheia, acertou que o encontro ocorreria durante o seu café da manhã. Para lá rumaram Giselda e outros membros do seu DCE. Durante a curta conversa, o ministro se mostrou insensível às demandas dos estudantis, levando um estudante chamado Diógenes Barreto a perguntar se ele estava ali como general ou como ministro. Bom aí a simples troca de algumas palavras acabou e todos os estudantes se levantaram e se retiraram do recinto. Aquele estudante, que também era um militante de Direito, é atualmente desembargador do Tribunal de Justiça de Sergipe e, há algumas décadas, esposo de Giselda Cardoso.