Eugênio Nascimento
Não é de hoje que o fantasma da privatização ronda as universidades públicas federais brasileiras. Assinado em 1965, no governo do general-presidente Castelo Branco, o acordo MEC-USAID veio fortalecer a ideia de que o processo de venda das instituições de ensino estaria próximo.
Na sua fase inicial, o acordo previa a realização de estudos e avaliações sobre a qualidade dos cursos de graduação no Brasil para depois definir o que seria necessário para começar o que a direita chamava de “modernização” e os segmentos de esquerda das universidades entendiam como “americanização” do ensino superior. A americanização geraria posteriormente, em algumas avaliações, a privatização.
A Diretoria do Ensino Superior do MEC criou uma equipe mista, composta de cinco membros de todo o país. Caberia a esses 10 personagens da Equipe de Planejamento do Ensino Superior (EPES), depois Equipe de Assessoria ao Planejamento do Ensino Superior (EAPES), fazer estudos e avaliações sobre a qualidade do ensino superior brasileiro para viabilizar as ações a serem adotadas.
A partir daí, o discurso contra a privatização das universidades públicas federais nunca mais saiu da pauta do dia a dia do meio universitário. E há bons motivos para isso. Os próprios governantes, ao longo desse período, sempre deram sinais de que vender essas escolas superiores poderia ser um bom negócio, além, é claro, de dar fim aos focos de resistência contra o regime militar.
No final dos anos de 1970 e durante toda a década de 1980, quando os cursos começam a ser instalados no Campus de São Cristóvão (Rosa Elze), o discurso contra a privatização esteve muito presente na Universidade Federal de Sergipe (UFS), entre professores, alunos e servidores. A rejeição era generalizada e unia docentes, discentes e corpo técnico da UFS.
Eu consultei quatro ex-dirigentes do DCE da UFS sobre o assunto em questão. Segundo o ex-estudante de Biologia, Alvaro Vilella (gestão de 1982/83), os acordos MEC-USAID foram feitos de forma obscura, e tinham como objetivo reformar o ensino brasileiro de acordo com os parâmetros dos Estados Unidos. Os técnicos estadunidenses fizeram uma reforma na educação pública que envolveu todos os níveis do ensino nacional. Uma das questões basilares da reforma era privatizar as escolas públicas.
Vilella lembra que mexeram também no próprio conteúdo das matérias, por exemplo, História teve sua carga horária reduzida, tirou dos currículos matérias como Filosofia, Latim, Educação Política, implantaram a famigerada EMC (Educação Moral e Cívica), o ensino de Inglês passou a ser obrigatório desde a 1ª série do 1º grau, enfim, meteram a mão em tudo.
Ele destaca que, quando o acordo MEC/USAID chegou ao conhecimento da comunidade universitária, começou a sofrer oposição, principalmente do movimento estudantil. Álvaro afirma que para evitar essa pressão contrária, os militares no poder procuraram dificultar a relação, que crescia entre os estudantes e as populações das cidades. Teria sido por isso também que criaram muitos campi universitários, que ele classifica como tendo sido uma tentativa de isolar o movimento estudantil
Com a mesma intenção de dificultar a organização dos estudantes, acabou com os DCEs e como os CAs, centros acadêmicos por curso e no seu lugar estabeleceram os Diretórios Acadêmicos por Centros. a exemplo da UFS, que tinha os DACCBS, todos os cursos de Ciências Biológicas e Saúde, entre outros.
A volta dos CAs, a exemplo do CA livre de Engenharia Civil, entre outros, foi fruto da luta e muito comemorada pelo movimento estudantil.
Segundo Clímaco César, também ex-presidente do Diretório dos Estudantes (DCE/UFS – 1978/79), havia uma bandeira de luta nacional do Movimento Estudantil contra a privatização e o acordo MEC/USAID e essa luta foi assumida em todo o país, inclusive em Sergipe . Ele afirma que “a gente entendia que a ditadura militar estava fincando raízes com o imperialismo americano na medida em que teve uma participação ativa dos Estados Unidos no golpe militar de 1964″.
Milson Barreto (1979/80) entende que a escolha do local para a instalação do campus foi técnica e que não deve ter sido motivada pelo acordo MEC/USAID. “A gente tinha poucas informações e seguia o pessoal próximo de nossa corrente no Movimento Estudantil. “Havia uma repulsa ao acordo, mas pouco se sabia sobre o assunto”, destacou quando consultado.
Também ex-presidente do DCE, João Francisco dos Santos (1980/81), mais conhecido no meio universitário como Chico Buchinho, explica que “éramos contra o acordo MEC/USAID porque era um acordo de cooperação na área de Educação que fragilizava o Brasil, tanto no ensino superior quanto no ensino básico e médio. No ensino superior era prevista uma Reforma Universitária que, entre outras coisas, criava os campi universitários longe das cidades, extinguia as entidades de base dos estudantes (Centros e Diretórios Académicos de curso) e preservava apenas as entidades centrais”.
Essa retirada dos estudantes do espaço urbano de Aracaju (os cursos ocupavam vários prédios diferentes) fez surgir a suspeita em segmentos da esquerda de que haveria um processo de desmobilização. Mas aconteceu justamente o contrário. A junção dos cursos em um mesmo espaço fortaleceu o Movimento Estudantil da UFS e os estudantes continuaram a se fazer presentes nas ruas de Aracaju com mais frequência.
Segmentos estudantis da classe média defendiam o campus da UFS no bairro Coroa do Meio. Mas essa possibilidade foi descartada sob o argumento lógico de que o salitre destruiria equipamentos, principalmente de laboratórios de pesquisas. Esse bairro fica à beira mar e beira rios Poxim e Sergipe, o que garante elevada umidade relativa do ar.
Na consulta que lhe fora feita, João Francisco lembra que a estudantada temia a privatização e manifestava também reações à falta de condições de funcionamento do novo campus e ainda que o ME da UFS propôs e foi aceita a criação da Vivência Universitária, onde funcionariam as Entidades Estudantis e uma Cantina de Lanches administrada pelo DCE. Essa cantina foi arrendada e o DCE ficava com a verba do empreendimento.
Ele destaca que o RESUN (Restaurante Universitário) ia ser terceirizado. Chegou-se a ser feito um contrato com uma empresa privada. Mas os estudantes reagiram e conseguiram que a UFS administrasse diretamente o RESUN.
A prova de fogo de que a união dos estudantes estava sendo fortalecida com a presença dos cursos no campus foi o fato de, depois de um mês de aulas, acontecer uma greve geral reivindicando: abertura do RESUN com administração direta; cobertura das passarelas (muitas estavam sem o toldo de cima, só com as pilastras de ferro); e ampliação das linhas de ônibus para o campus.
Todas as reivindicações foram atendidas pelos dirigentes da UFS. Apenas o RESUN demorou um pouco mais porque a UFS teria que treinar o pessoal para assumir os serviços culinários. O contrato mencionado com a empresa foi anulado. Fez-se uma aparente paz.
Mas nos dias de hoje, quando o Brasil tem 69 universidades federais com 1,3 milhão de estudantes, o discurso sobre privatização volta forte e o próprio governo dá amplitude ao clima de terror com cortes nos orçamentos das universidades.