Natal com fome

Eugênio Nascimento

Nos anos de 1960, 70, 80 e parte dos 90, a fome era intensa no Brasil, particularmente no Nordeste, onde as sucessivas secas jogavam os sertanejos na miséria e os forçavam a atuarem em subempregos e/ou na mendicância para sobreviverem.

Lamentavelmente, Sergipe não está fora desse contexto e os piores quadros sempre foram observados no semiárido, atingindo, mais visivelmente, os municípios de Poço Redondo, Monte Alegre, Canindé do São Francisco e Porto da Folha, entre outros.
O convívio dos sergipanos com a fome é antigo. Mas a fome e a miséria sempre estiveram relacionadas com maior frequência com o sertão, onde ela sempre foi mais intensa. A seca atrapalhava a produção de alimentos e os salários pagos a quem trabalhava no campo (fazendas e sítios), onde se podia produzir alguma coisa, eram demasiadamente baixos.


No período natalino, que é justamente quando chega o verão (21 de dezembro teve início, a estação mais quente do ano), muitos sergipanos partiam com ou sem famílias à procura de empregos em outros estados e quem ficava por aqui pegava o pau de arara e vinha para Aracaju, a capital do Estado, para pedir esmolas no centro e bairros outros da cidade.


A praça Nossa Senhora de Lourdes, no Siqueira Campos (Zona Oeste da capital) era o principal ponto de chegada em Aracaju e de partida para as longas caminhadas e paradas de casa em casa da cidade. Os caminhões lotados de sertanejos paravam na rua Santa Catarina, próximo ao Bompreço. Deste logradouro público, os pedintes iniciavam a peregrinação até as áreas centrais – mercados, ruas José do Prado Franco, João Pessoa, Geru, Santa Rosa e Itabaianinha.


As igrejas faziam campanhas de doações de alimentos e roupas. Voluntários e segmentos populares e políticos também ajudavam. Eram ações desordenadas.


Em 1993, é fundada pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, a Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida, a maior rede de solidariedade do Brasil. A iniciativa formou uma grande rede de mobilização de alcance nacional para ajudar 32 milhões de brasileiros que, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), estavam abaixo da linha da pobreza.

A Ação tinha maior projeção no Rio de Janeiro, onde se concentrava a maioria dos intelectuais e artistas que estimulavam a propositura de Betinho. Mas propagou-se por todo o Brasil na condição de comitês de combate à fome e à miséria.
No mesmo ano, a iniciativa chegou a Sergipe, onde foi instalado oficialmenre um comitê em ato que contou com a presença do bispo dom Mauro Morelli, no auditório do Banese, na avenida Augusto Maynard, e prestigiado por dezenas de pessoas. Dom Morelli tornou-se um grande expoente e propagador das ações contra a fome no Brasil. Ele foi responsável por projeto como o Fome Zero e tornou-se braço forte ao lado de Betinho. Quando veio a Aracaju, o comitê estadual já estava em funcionamento.


Em Sergipe, atuaram como coordenadores do Comitê a professora da Universidade Federal de Sergipe (UFS), Neilza Barreto, o representante do Sindicato dos Trabalhadores em Processamento de Dados (SINDPD), Milson Barreto, o representante dos trabalhadores da Companha de Saneamento de Sergipe (Deso), Antônio Carlos Góis, e o representante do Sindicato dos Bancários, Augusto Santos. A igreja esteve presente. Mas dezenas de outras entidades e pessoas interessadas entraram na luta e participaram das reuniões do comitê, realizadas na sede do Sindicato dos Bancários e na seccional Ordem dos Advogados (OAB/SE), em Aracaju, foram à procura de doações e ajudaram na posterior distribuição nos municípios. A coordenação destacou a participação do ex-presidente da Ordem, Clóvis Barbosa de Melo. No apoio operacional se destacaram ainda Marta (Tita) Barreto e Nadja Piauitinga.


A doação de produtos alimentícios foi forte entre os bancários, comerciários, servidores públicos municipais, estaduais e federais. Dezenas deles se engajaram nas campanhas e na participação em shows com artistas locais que o comitê promoveu.
Nos dias de hoje, quando é elevado o desemprego, há uma pandemia de covid-19, a inflação dá sinais de alta (e pode atingir dois dígitos), a fome e a miséria voltam a bater na porta de milhões de brasileiros, entre os quais os sergipanos. Agora é necessário que a sociedade volte a se organizar para esse novo enfrentamento.


A igreja, alguns sindicatos e a Central Única das Favelas (CUFA de Sergipe) dão sinais de vida, mas precisam de reforço. Portanto, é hora de uma nova Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida. Essa luta é de todos.

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