Fraternidade e Educação em Sergipe – breve histórico

Pe. Isaías Nascimento – Da Diocese de Propriá

Por volta do ano de 1900, a população sergipana era de quase 311 mil habitantes e o índice de analfabetos chegava a mais de 83%, distribuídos entre os 10 municípios e 24 vilas existentes. Somente 5.146 alunos estudavam em escolas públicas. Poucas cidades tinham o ensino do segundo grau.

Em abril de 1910 foi criada a Diocese de Aracaju, envolvendo todo o Estado, tendo como primeiro bispo, Dom José Thomas Gomes da Silva, que priorizou a educação do clero criando o Seminário Sagrado Coração de Jesus (1913) e a organização do jornal Diocesano “A Cruzada”. Sabe-se que do seminário de Aracaju surgiu boa base intelectual de Sergipe e vários bispos comprometidos com as causas pastorais da época. Neste mesmo ano o governo estadual começou a construir grupos escolares nos municípios e vilas.

No dia 24 de setembro de 1916 foi fundada a “Liga Sergipense contra o Analfabetismo”, que tinha como missão ensinar a população sergipana a ler, escrever e amar o Brasil. Foi um movimento de criação de escolas de alfabetização em todo o estado, cobrando dos governos a efetivação da educação para o povo. De 1917 até 1939, foram criadas 38 escolas de alfabetização, mantidas por doações e subvenções públicas obtidas com o esforço pessoal dos sócios, em média 1 por município, na época[1].

Infelizmente, as escolas católicas que foram surgindo serviram prioritariamente aos endinheirados, sobrando algumas migalhas aos filhos dos pobres, quando conseguiam uma bolsa de estudos. Dona Bebé do Oratório fez a diferença.

Em 1911 chegaram a Aracaju os Salesianos e fundaram o Colégio Salesiano Nossa Senhora Auxiliadora para o público masculino de famílias de média e alta renda.

Em 1914, a leiga salesiana Genésia Fontes, conhecida como Dona Bebé, foi uma exceção, fundou o Oratório Festivo São João Bosco debaixo de um pé de oitizeiro, na Aracaju, oferecendo às meninas pobres o ensino básico, com teatro, música, bordados e até assistiam filmes no cinema; além de acolher no mesmo espaço as meninas órfãs[2].

Em Propriá, o Cônego Antônio Cabral, conseguiu a vinda das religiosas da Congregação das Irmãs Franciscanas Hospitaleiras da Imaculada Conceição. Elas fundaram o Colégio Nossa Senhora das Graças, conhecido como colégio das freiras, para o público feminino, que iniciou suas atividades no dia 15 de janeiro de 1915, com 54 alunas da elite econômica de Propriá e região.

Em dezembro de 1924 as Irmãs Sacramentinas inauguraram em Aracaju o Colégio Nossa Senhora de Lourdes para o público feminino.

Na cidade de Capela, as Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição da Mãe de Deus fundaram no dia 02 de março de 1929, o Colégio Imaculada Conceição, também para educar as filhas das famílias da alta sociedade[3].

O segundo bispo diocesano Dom Fernando Gomes autorizou o padre José Curvelo Soares a fundar o Ginásio Diocesano de Propriá no dia 16 de junho de 1950, para o público masculino, funcionando provisoriamente no mesmo prédio da Grupo Escolar João Fernandes de Britto. Ele conseguiu do governo do Estado bolsas de estudo para os 50 alunos que tiveram sua aula inaugural em março de 1951. Em 1953, o mesmo padre fundou a Escola Técnica de Comércio de Propriá, correspondente ao atual ensino médio. Em 1954, Dom Fernando fundou em Aracaju a Faculdade de Filosofia de Sergipe para os seminaristas e para leigos.

          Em abril de 1960 foi criada a Diocese de Propriá. Naquele tempo havia em Sergipe 63% de analfabetos. O Estado oferecia 377 escolas de nível primário em áreas urbanas e 709 e áreas rurais[4]. O primeiro bispo Dom José Brandão de Castro encontrou em funcionamento o Ginásio Diocesano, a Escola Técnica e o Colégio das Freiras. Posteriormente foram aparecendo os ginásios e escolas primárias católicas como em Nossa Senhora da Glória e em Neópolis. Sim, ele transformou o jornal A Defesa em um jornal diocesano e já em meados dos anos 70 criou o Boletim das Comunidades, de cunho mais popular.

A partir de 1961, Dom José Brandão se somou aos bispos brasileiros na implantação do MEB(Movimento de Educação de Base), financiado totalmente pelo governo federal, que foi o primeiro projeto de educação popular à distância, via Escolas Radiofônicas, sob a pedagogia do educador Paulo Freire. A nossa Rádio Cultura foi construída com essa finalidade, a de contribuir com a educação e desenvolvimento socioeconômico do povo sergipano.

Os educadores recebiam um rádio que era sintonizado só na Rádio Cultura, que transmita as aulas. Os grupos de alfabetizandos se reuniam ao redor do referido rádio para ouvirem as aulas com a assessoria do/a educador/a presente em vários espaços: nos quintais debaixo de uma árvore em casas de famílias, nas sedes dos sindicatos, nas capelas… Aos sábados à noite a emissora transmitia um programa especial com apresentações musicais, teatro, poesia, leitura de cartas, partilha de saúde popular através de remédios caseiros, etc. O nordeste inteiro entrava em sintonia.

A educação popular através do MEB contribuiu para que o pobre e analfabeto deixasse de ser objeto do assistencialismo e passasse a ser protagonista, sujeito ativo na sociedade e na Igreja, como cidadão e evangelizador, criando comunidades como lugar de encontro e convivência fraterna, fortalecendo suas entidades populares: sindicatos rurais, Cooperativas, Associações de comunidade e de bairros, construindo pautas de direitos sociais, principalmente o enfrentamento ao latifúndio, através da luta pela Reforma Agrária. Eles vivenciavam uma Igreja em saída, como nos lembra e estimula o Papa Francisco.

Aqui lembramos os vários assentamentos que temos como fruto deste mutirão solidário pela justiça e pela paz: a luta pela reintegração dos índios Xokó da Ilha de São Pedro; a luta pelos direitos dos posseiros do Betume, de Santana dos Frades e de Mundeo da Onça; a luta pela reforma agrária do Morro dos Chaves, Pedras Grandes, Ilha do Ouro e Monte Santo, etc.

Aqui lembramos também vários educadores e educadoras que foram importantes na formação do movimento popular na Diocese de Propriá: Monsenhor Moreno, com seu programa pelo alto-falante todas as manhãs em Neópolis e seus poemas e reflexões no jornal A DEFESA; idem o Padre Lauro em relação ao mesmo jornal; Os Irmãos Maristas: Salatiel, Fábio e outros; os missionários redentoristas Pe. León Gregório, o Pe. Geraldo e o Pe. Etienne com ações de combate à fome infantil oferecendo alimentação escolar nos Jardins de Infância; ecologia: distribuição de plantas; distribuição de filtros de barro; construção de casas populares em mutirão: fabricação popular de blocos; O Ginásio Nossa Senhora da Glória; As Irmãs de Namur de Japaratuba: Irmã Cecília (Jardim de Infância); As Irmãs de Santo Euzébio Malhada dos Bois: reforço escolar para crianças e adolescente carentes; As Irmãs de Jesus Crucificado: reforço escolar e valorização da cultura popular; As Missionárias de Jesus no Meio dos Pobres em Graco Cardoso: reforço escolar e alimentação; Os leigos Jean Noel e Nanur, Moacir Albuquerque, Dona Faraíldes e Dona Josefa, os cearenses Maria Amélia e Raimundo Eleite; Os poetas populares – missionários: Epaminondas, Jorge Pereira Lima, Seu Gilson de Aquidabã, Dona Margarida de Neópolis; Irmã Hermínia… e outras. Enfim, eles assumiram as alegrias e as esperanças do povo de Deus.

Enfim, a educação como sinônimo de amor ativo em defesa da vida libertou vários cativos, devolveu a vista a muitos cegos, curou muitos doentes, promovendo a lei do jubileu (Lucas 4 16…) em nossa região do sertão e baixo São Francisco, que são a nossa Diocese de Propriá!  


[1] DANTAS, Ibarê. His´toria de Sergipe. República (1889 – 2000), p. 57, citando Maria Tetis Nunes, p. 264) https://infonet.com.br/blogs/liga-sergipense-contra-o-analfabetismo/ (consultado no dia 26/02/22, às 9h15)

[2] Dona Bebé do Oratório, p. 55 citando REGIS, p.28.

[3] https://colegioimaculadaconceicao.com.br/quem-somos/ (consultado no dia 26/02/22, às 13h06)

[4] Dados de 1958 – Serviço de Estatística de Educação e Cultura.

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