Banco do Nordeste do Brasil: 70 anos de contribuição para o desenvolvimento regional
CAPÍTULO I
Nordeste 1952-2022: acerto com o passado e desafios para o presente e para o futuro
Por Ricardo Oliveira Lacerda de Melo e Cid Olival Feitosa
Introdução
Quando o Banco do Nordeste do Brasil (BNB) foi criado pelo presidente Getúlio Vargas, em 1952, obviamente o Brasil e a Região Nordeste eram muito diferentes do que são atualmente, setenta anos depois. Mas diferentes em quais sentidos?
Em primeiro lugar, o Nordeste de então nem mesmo correspondia oficialmente ao território regional de hoje; os estados de Sergipe e Bahia integravam a Região Leste, como os estados de Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro e o antigo Distrito Federal, enquanto o Estado de São Paulo fazia parte da Região Sul. A Região Nordeste, portanto, estendia-se do Maranhão a Alagoas, sendo delimitada ao sul pelo rio São Francisco, ainda que muitos dos programas de fomento econômico para a Região contemplassem os estados da Bahia e de Sergipe e alguns deles tivessem como alvo o Polígono das Secas, que abrangia também parcela dos territórios desses dois estados.
Na divisão regional da época, a Região Nordeste contava, em 1950, com 12.494.477 habitantes, correspondentes a 24,1% dos 51.944.397 brasileiros. Na divisão regional atual, a população nordestina, em 1950, alcançava 17.973.413 habitantes, equivalentes a 34,6% da população brasileira. Em termos de ordem de grandeza da população e da ordem dos problemas a serem enfrentados, vale a pena guardar a ideia de que cerca de um em cada quatro brasileiros era integrante da Região Nordeste na divisão regional da época, ou cerca de um a cada três brasileiros na regionalização atualmente vigente. Ainda que a divisão territorial dos anos 1950 seja relevante para a compreensão dos embates em torno das políticas públicas, a partir desse ponto do capítulo, por comodidade de acompanhar as bases estatísticas ou para dimensionar os problemas na extensão territorial e populacional atual, passaremos a apresentar os números com base na divisão regional que se apresenta hoje, a não ser quando outra dimensão territorial for expressamente informada.
Em segundo lugar, as distribuições espaciais da população e das atividades econômicas também eram muito distintas das que vigoram atualmente. O Brasil e o Nordeste no início dos anos cinquenta do século XX eram muito mais rurais do que são atualmente. Dos 17.990.000 residentes no Nordeste contados no censo de 1950, considerando a regionalização atual, residiam nas áreas urbanas 4.744.808 deles, enquanto 13.228.605 eram integrantes da população rural, correspondendo, respectivamente,
a 26,4% e 73,6% do total regional. Na comparação com 2010, há uma inversão quase exata dessas proporções, com 73,1% da população residindo em áreas urbanas e 26,9% de população rural. Nos dois registros censitários, 1950 e 2010, a participação da população rural do Nordeste se
manteve em cerca de dez pontos percentuais acima da média brasileira, mais precisamente 9,9%, em 1950, e 11,3%, em 2010. No meio rural, o censo demográfico de 1950 constatou que 83,6% da população nordestina de cinco anos ou mais não sabiam ler nem escrever.
Ao longo desses 70 anos, emergiu na Região uma rede de cidades médias e formaram-se as áreas metropolitanas no entorno das capitais. Não menos significativa foi a ocupação dos vazios territoriais do sul do Maranhão e do Piauí e do oeste da Bahia, a partir da expansão da pecuária e da moderna agricultura de grãos, e a instalação de perímetros irrigados de elevada produtividade agrícola no Semiárido.
Em terceiro lugar, os circuitos de acumulação de capital no território brasileiro eram relativamente mais segregados espacialmente, destacando-se dois sistemas regionais: o polo econômico e industrial que se fortalecia no Centro-Sul e o Complexo Econômico Nordestino, ainda marcadamente de base agrícola. Nos anos 1950, a Região Nordeste ficava para trás política e economicamente, porquanto se via engolfada pela centralização do poder patrocinada pela Revolução de 1930 e pela nova dimensão que assumira a expansão da acumulação de capital no País, com a ampliação da base empresarial e a instalação de novos setores de atividades, especialmente aqueles dominados por grupos empresariais estrangeiros em mercados oligopolistas.
Uma das reconfigurações econômicas que mais impactou as lideranças nordestinas na época foi a conquista do mercado regional de bens de consumo pelas empresas nacionais ou por filiais estrangeiras
sediadas na região hegemônica, o que foi especialmente acentuado no período do segundo pós-guerra.
Em quarto lugar, o Brasil e o Nordeste dos anos 1950 enfrentavam desafios e acalentavam projetos e sonhos bem distintos dos atuais; no caso do Nordeste, os sonhos e desafios marcados pela busca de diminuição da miséria rural e de definição de políticas públicas visando a estreitar o hiato de desenvolvimento em relação à região que se industrializava rapidamente no Centro-Sul do País, que almejava, por sua vez, alcançar os padrões de riqueza das nações já industrializadas.
Atualmente, com mais de 70,0% da população residindo nas áreas urbanas, com predomínio das ocupações terciárias, contando com uma rede de cidades mais complexa, economia integrada aos circuitos nacionais de geração de renda e de acumulação e uma estrutura econômica e social mais diversificada territorialmente, são outros os desafios e sonhos que o Nordeste enfrenta. Permanece o desafio de reduzir o grau de informalidade no mercado de trabalho, ainda muito elevado, e a defasagem persistente de renda per capita em relação às regiões mais ricas.
São também desafios de grande significado para a Região reduzir a fração da população em situação de pobreza e retirar da miséria o contingente que nela se encontra, presentes no meio rural e nas periferias dos principais centros urbanos.
É sempre importante registrar a dimensão populacional da Região que, em certo sentido, sintetiza o tamanho dos seus problemas, desafios e potencialidades: em 2021, o Nordeste contava 57,9 milhões de habitantes, contingente superior a toda a população brasileira de 1950, e, também, superior à população de qualquer outra nação sul-americana.
Os desafios e os problemas, os novos e os que se arrastaram ao longo do tempo, terão que ser enfrentados em um cenário internacional que se apresenta mais complexo e, em certo sentido, menos favorável do que aquele dos anos do pós-guerra: um mundo hiperglobalizado1 marcado pelo predomínio das novas tecnologias de informação e comunicação e que desde a crise financeira de 2008 apresenta sinais de esgotamento de sua institucionalidade. O que a história do pós-guerra nos ensina é a importância de construir um ambiente institucional favorável ao desenvolvimento econômico e social e que, com esse intuito, é imprescindível a retomada do planejamento no País, em suas várias dimensões e esferas.
Para o Nordeste, tem sido especialmente danoso o processo, que já se estende por mais de trinta anos, de desmonte das estruturas de planejamento do País e sua contraparte, a integração marcadamente passiva e destituída de objetivos claros nos circuitos econômicos globais, que, entre outros impactos, provocou a profunda desindustrialização da economia brasileira, com importantes desdobramentos sobre as dinâmicas regionais.
A publicação integral pode ser acessada no link a seguir: https://www.bnb.gov.br/s482-dspace/bitstream/123456789/1255/3/2022_LIV_VAJR.pdf