Há luz no fim do túnel para a igualdade racial em Sergipe

Carlos Trindade – Economista, mestrando em sociologia pela ufs, ativista, ex gestor da Secretaria Especial de
Politicas de Promoção da Igualdade – SEPPIR/PR

Passada a peleja eleitoral em todo o território nacional, é chegada a hora dos novos mandatários iniciarem suas articulações visando adaptar a gestão publica ao atendimento das promessas de campanha que foram referendadas pela maioria da população. Às oposições e àqueles que votaram noutras candidaturas, resta cobrar a sua consecução e monitorar diuturnamente as ações governamentais qualificando assim o processo democrático no país e nas unidades federativas.


Em Sergipe, as mudanças não deverão ser incipientes visto as mudanças que virão no âmbito nacional. Uma coisa é ter a frente do governo federal um gestor medíocre como o Bolsonaro que se recusou a governar durante 4 anos e só pensava naquilo: abater a jovem democracia brasileira com os mais disparatados argumentos tipo, evitar a implantação do comunismo no país. Outra bem diferente é o futuro governo estadual contar com o suporte politico da frente democrática que elegeu Lula da Silva para um terceiro mandato e intenciona reativar um conjunto de politicas públicas nas mais diversas áreas da gestão governamental beneficiando o povo brasileiro como um todo, independente da destinação do seu voto nas últimas eleições.


No caso específico da promoção da igualdade racial, as diferenças também são gritantes. Chamo a atenção de que avanços gradativos nesta área no período da redemocratização do país, iniciaram no governo Sarney com a criação da Fundação Cultural Palmares, passou por algumas medidas de ação afirmativa no governo FHC e desembocou na aprovação da Lei de Cotas e do Estatuto da Igualdade Racial nos governos petistas. Ou seja, caracterizaram o aprofundamento do processo democrático no Brasil.


Bolsonaro tentou a todo custo implodir os avanços obtidos pela população negra em anos anteriores ao tentar recuperar uma máxima do mito da democracia racial de que seriamos todos iguais perante a lei e não se justificaria a implantação de politicas de ação afirmativa no país. Esta visão retrógrada foi superada há bastante tempo pela realidade social brasileira, caracterizada pelo racismo, machismo, exclusão econômica e pela desigualdade e falta de oportunidades para quem não pertence ao patriarcado branco, masculino, heterossexual e das classes privilegiadas nestas terras brasilis.


O ápice da iniciativa governamental em relação a questão racial foi a criação de uma Secretaria Especial, mais tarde transformada em Ministério durante os primeiros governos Lula da Silva. A Secretaria Especial de Politicas de Igualdade Racial – SEPPIR/PR era uma demanda histórica dos movimentos sociais negros que entendia este espaço como necessário para carrear as reivindicações da população negra dentro do aparato estatal brasileiro. Apesar de inovadora e necessária, esta iniciativa não foi suficiente para transformar a medida numa politica de Estado tendo suas importantes conquistas sofrido graves ameaças após o golpe contra o Governo Dilma.


O retorno de Lula da Silva ao governo federal representa uma nova oportunidade de consolidar esta politica enquanto vacina salutar para a democracia, o fortalecimento do Estado e da nossa identidade nacional. A própria forma como o presidente eleito vem construindo a transição, já denota mudanças sobre como ele pensa a resolução da questão racial brasileira. Entende, por exemplo, que não basta criar um Ministério específico para esta área. A temática racial, assim como a de gênero, juventude, direitos humanos e tantas outras, devem transversalizar a agência governamental e ser priorizada em todas as áreas para surtir o efeito necessário de reversão das desigualdades. Por isto, vem colocando nas diversas áreas temáticas do grupo de transição quadros técnicos negros(as) qualificados para discutir e contribuir com a nova conformação deste terceiro mandato.


Este novo desenho politico impacta de imediato em dois aspectos presentes na gestão publica tradicional: a) transforma-se num importante instrumento de superação do racismo institucional que trata a pauta racial ou de mulheres como questão específica e, b) torna efetiva a interação entre as politicas afirmativas e àquelas de natureza universal cuja complementação é o passo zero para superação das desigualdades sociais.

Em suma, há uma grande expectativa por parte do ativismo étnico-racial em Sergipe de que o modelo Bolsonaro/Belivaldo – onde a igualdade racial foi destratada e desestruturada no âmbito nacional e se manteve no âmbito estadual, graças aos esforços e compromisso pessoal dos técnicos responsáveis por esta área – seja superado por outro modelo Lula/Fábio caracterizado pelo fortalecimento desta politica, pela transversalidade nas ações governamentais, pelo protagonismo institucional e por uma maior estreitamento e interação entre as instâncias federais e estaduais de promoção da igualdade racial.


No seu plano de governo apresentado a sociedade sergipana, Fábio incluiu medidas que seriam avançadas em relação a uma vitória do Bolsonaro, mas que são tímidas num contexto onde o Lula da Silva foi o vitorioso. O plano não avança, por exemplo, sobre o lugar institucional a partir de onde as politicas por ele sugeridas deveriam ser operadas e sabemos que o modelo a ser implantado tem condições ou não de pelejar contra o racismo institucional. Se Fábio replica na gestão estadual o desenho que será implantado no governo federal, as chances de transformar a realidade da população negra em Sergipe, crescerão exponencialmente. O contrário também é verdadeiro e representará um não compromisso ou obediência ao seu plano de governo.


Não custa lembrar que, nestes últimos anos, Sergipe foi palco de casos emblemáticos de racismo e violência contra a população negra, tais como o assassinato de Genivaldo pela PRF, o impedimento da nomeação do Professor Doutor Ilzver no Depto de Direito da UFS, o assassinato de vários jovens negros desarmados pela polícia militar, o aluno de uma escola particular se fantasiando de nazista e o retorno da fome e da miséria as ruas das nossas cidades. Há muito para se fazer e as cobranças serão enormes porque os problemas que aflige nosso povo são urgentes.


Como ativista desta causa ha mais de 30 anos, tendo inclusive participado da construção da politica federal durante o governo Lula em 2003, vislumbro a necessidade de barrar qualquer retrocesso nesta nova conjuntura que se inicia em janeiro de 2023. Não basta que o novo governo estadual não seja racista. Ele precisa ter uma postura antirracista, propositiva e mobilizadora dos agentes públicos, do mercado e da sociedade para fazer de Sergipe um Estado melhor para o bem viver.

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