Centenário do Arquivo Público de Sergipe

Beatriz Góis Dantas – Antropóloga e professora emérita da UFS

Este ano o Arquivo Público Estadual de Sergipe, uma das mais importantes instituições voltadas para a guarda e a preservação do nosso patrimônio documental, completa cem anos de criação. Foi em 1923 que Maurício Graccho Cardoso, pela Lei n. 853 de 15 de outubro, o instituiu como órgão específico dedicado à preservação da documentação pública do Estado. Esse marco de tempo enseja retornos ao passado e conduz à evocação e construção de memórias.

Sergipe tem com o seu passado uma história de descaso pela sua documentação e uma tendência a criar e deixar morrer instituições que cuidam da vida intelectual e da memória, para depois recriá-las. Assim foi com a Biblioteca Pública, criada mais de uma vez, e também com o Arquivo, que durante muito tempo funcionou apenas como uma seção daquela. Criado em 1923, regulamentado pelo Decreto n. 961, de 16 de outubro de 1926, o Arquivo foi recriado pelo interventor Augusto Maynard Gomes por meio do Decreto-Lei n. 617, de 3 de abril de 1945, e logo depois regulamentado pelo Decreto n. 283, de outubro do mesmo ano.

Nesse momento, a implantação do Arquivo contou com um personagem que, ao lado de Epifânio da Fonseca Dória, zelador-mor da nossa memória, teve papel fundamental na vida da instituição, merecendo ser conhecido pelos sergipanos.

Trata-se do laranjeirense Francisco Alberto Bragança de Azevedo, um dos integrantes da família Bragança que desde o século XIX tem marcado a sociedade sergipana com sua presença em vários campos do conhecimento e de atuação, com destaque especial na área da medicina, mas também na educação, na Igreja Católica e em setores da administração pública.

Médicos que ajudaram no combate às frequentes epidemias que no século passado assolaram Sergipe trazem o sobrenome Bragança. Francisco e/ou Antônio atuaram em Estância e nas cidades alagoanas de Pão de Açúcar e Penedo, mas sobretudo em Laranjeiras. Nesta cidade a professora Possidônia Bragança, da Escola Santana, é referência na educação feminina no século XIX. Seu filho Dr. Antônio Tavares de Bragança marcou presença na Escola de Química e seu neto Alberto Bragança de Azevedo, aliando a sua condição de sacerdote à de jurista, foi professor fundador da Faculdade de Direito, ambas incorporadas à Universidade Federal de Sergipe quando de sua criação em 1967.

Essas presenças atravessaram o tempo e se alargaram para atividades na administração pública, de modo que, na primeira metade do século XX, vamos encontrar na direção do Arquivo Público de Sergipe o laranjeirense Francisco Alberto Bragança de Azevedo, que traz o mesmo nome do avô materno (na família os nomes se repetem com muita frequência), acrescido do sobrenome da família do pai.

O filho de Virgilina Tereza Bragança de Azevedo e Epímaco Augusto de Azevedo viveu em Laranjeiras nas primeiras décadas do século XX. Farmacêutico “perito na arte de preparar remédios” e dono de “um estabelecimento modelar”, sua botica era ponto de encontro dos laranjeirenses que aí aviavam as receitas passadas pelo seu tio médico, o Dr. Antônio Militão de Bragança (Azevedo, 1971, p. 89).

Por duas vezes ocupou a prefeitura do município. Na primeira (1934-35), nomeado por Augusto Maynard Gomes, construiu praça, parque e um monumento em honra a herói da Guerra do Paraguai (Oliveira, 1942). A segunda gestão (1941-42) foi marcada por obras que punham em destaque atividades educativas e culturais de cunho patrimonial de culto à memória da cidade. Adquiriu o sobrado onde hoje está instalado o Museu Afro-brasileiro e o transformou na Casa de Laranjeiras. Inaugurada em 1942, o espaço era um centro de múltiplos usos. Abrigava escola noturna e diurna, a Agência Municipal de Estatística, a Diretoria Municipal de Geografia, uma Exposição Permanente de Produtos do Município, uma biblioteca e um museu, espaços cujas denominações homenageavam figuras destacadas da terra. O gesto do prefeito ao criar uma casa de memória, associada a outros equipamentos culturais, encontrava respaldo nas ações de revigoramento das municipalidades e nas políticas públicas federais de preservação do patrimônio que, na década de 40, concederam a quatro edificações locais o reconhecimento como Patrimônio Nacional (Dantas, 2009).

A este laranjeirense sintonizado com as políticas de preservação de patrimônios culturais foi entregue a direção do Arquivo Público, ao ser recriado por Maynard Gomes em abril de 1945.

Referindo-se ao fato, Epifânio Dória, com a autoridade de devotado guardião da memória de Sergipe, num comentário sobre o Arquivo fez a seguinte afirmação, publicada no Diário de Sergipe de 24 de julho de 1947: “Uma coisa vale dizer, como gesto de justiça: o seu atual diretor o Dr. Francisco Bragança, está dando mostras de um grande desejo de corresponder à confiança que lhe foi depositada, e com ele os seus auxiliares. Os estudiosos já estão pondo-se em contato com o documentário ao qual não tinham acesso” (Dória, 2009, p. 85).

O Arquivo era então subordinado à Secretaria de Justiça e Interior, e estava sediado na parte térrea da Assembleia Legislativa. Entre 1945 e 1959, Francisco Bragança, com seus auxiliares, dedicou-se a recolher papéis nas várias repartições públicas, organizá-los, classificá-los, tornando-os acessíveis aos interessados, preservando-os para as gerações futuras. Mas também muitos objetos faziam parte dessa memória, pois o Arquivo além de biblioteca tinha mapoteca e um museu em formação. Ele juntava papéis e objetos, e os guardava com zelo, ao tempo em que estruturava e dava vida à instituição, como indicam alguns dos seus relatórios conservados no próprio Arquivo Público. Além de recolher documentos nas repartições sergipanas, tentou reaver processos cíveis e criminais relativos a Sergipe julgados pela Corte da Bahia durante o período imperial, que se encontravam naquele estado, e manteve intercâmbio com vários arquivos e outras instituições culturais (Jesus, 1988). Enfim, Francisco Alberto Bragança de Azevedo plasmou a instituição arquivística, se notabilizou pela sua longevidade na direção da casa e sobretudo pelo trabalho realizado com seriedade e determinação.

Infelizmente, este não teve a continuidade desejada. Com a sua morte em 1960, houve uma sequência de administrações curtas e descuidadas, de modo que no início da década de 70, a Gazeta de Sergipe abria a seguinte manchete: “Arquivo Público reduzido à expressão de monturo de documentos históricos” (21.08.1970). Era tempo de nova reorganização do Arquivo, que nos últimos 50 anos ganhou visibilidade e se firmou enquanto instituição oficial responsável pelo recolhimento e custódia da documentação sergipana. Nele se reflete a relação de Sergipe com seu passado. Nele se abriga um significativo acervo, um rico patrimônio que, no presente, merece ser preservado e ampliado para que as gerações vindouras conheçam a nossa história e elaborem seus projetos para o futuro.

Ao comemorarmos o centenário do Arquivo, conhecido também pela sigla de APES, estendamos o reconhecimento a Francisco Alberto Bragança de Azevedo, o diretor que dedicou tantos anos de sua vida a dar-lhe corpo, forma e estrutura através da implantação de práticas que plasmaram a instituição como local de memória sergipana.

Cuidemos bem do Arquivo Público Estadual de Sergipe e celebremos com dignidade o seu centenário.

Referências

AZEVEDO, Camerino Bragança de. Doutor Bragança: esse varão laranjeirense. Rio de Janeiro: Pongeti, 1971.

DANTAS, Beatriz Góis. “Laranjeiras, entre o passado e o presente”. In: NOGUEIRA, Adriana Dantas; SILVA, Eder Donizeti da (org). O Despertar da Colina Azulada: a Universidade Federal de Sergipe em Laranjeiras. Vol. II. São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe, 2009.

DÓRIA, Epifânio. Efemérides Sergipanas. v. 1. (org. Ana Maria Fonseca Medina). Aracaju: J. Andrade, 2009.

JESUS, Zenilde de (coord.). O Arquivo Público Estadual de Sergipe – APES. Dimensões da arquivologia sergipana ontem e hoje. Aracaju: Secretaria do Estado da Cultura/ Fundesc/ Apes (mimeo), 1988.

OLIVEIRA, Filadelfo Jônatas de. Registro de fatos históricos de Laranjeiras. 1. ed. Casa Ávila. 1942.

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