Professor Dr. Silvio Santana Dolabella – Farmacêutico (UFMG), Doutor em Parasitologia (UFMG) e Professor do Departamento de Morfologia e do Programa de Pós-graduação em Biologia Parasitária da Universidade Federal de Sergoe
Yvanna Louise Di Christine O. dos Santos – Farmacêutica (UFS), Mestre e Doutoranda em Ciências Farmacêuticas pela Universidade Federal de Sergipe.
Por que continuar estudando parasitologia no século XXI?
Entre os dias 16 e 19 de abril de 2023 foi realizado pela primeira vez em Aracaju o Congresso da Sociedade Brasileira de Parasitologia que, já em sua 28ª edição, teve como tema “Desafios para o controle ou eliminação de doenças parasitárias no século 21”. O congresso, realizado desde 1976, reuniu parasitologistas renomados de todo o Brasil (e do exterior) e jovens pesquisadores que discutiram ciência, inovação, pesquisa, educação em saúde e o mais importante: a razão de ainda falarmos sobre parasitologia em 2023. Foram quatro dias de muita interação e estímulo ao pensamento científico, com mais de 70 palestrantes e quase 600 participantes de todos os estados do país.
Mas afinal, o que é “parasitologia”? Parasitologia é a ciência que estuda os parasitos e suas relações com o hospedeiro. Lembrando a todos que o parasitismo é uma relação desarmônica, unilateral, onde o parasito obrigatoriamente traz prejuízos para seu hospedeiro. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), aproximadamente 14% da população mundial apresenta algum tipo de doença parasitária.
O Brasil é um país de dimensões continentais cuja variedade de biomas e climas favorece o desenvolvimento de fauna e flora diversos, que abrigam consigo uma ampla variedade de parasitos. Embora nas últimas décadas tenha se observado uma redução significativa nos óbitos decorrentes de doenças parasitárias, o Brasil apresenta regiões endêmicas para dezenas de parasitoses que incluem helmintíases e protozooses intestinais e sanguíneas, além de ectoparasitos e vetores de difícil controle, um reflexo direto das condições socioeconômicas a que boa parte da população está exposta.
A OMS classifica algumas doenças tropicais como negligenciadas devido aos baixos investimentos em diagnóstico, controle e tratamento das mesmas. Dentre as mais de 20 doenças incluídas nesta classificação, o Brasil é endêmico para 16 delas, dentre as quais nove são infecções parasitárias e/ou transmitidas por vetores, incluindo dengue, leishmanioses, malária, teníase/cisticercose, filariose, equinococose, oncocercose, esquistossomose e geohelmintíases (que incluem ascaridíase, tricuríase, ancilostomíase e estrongiloidíase).
Entre 2004 e 2020 foram financiados apenas 1.158 estudos no Brasil tendo como temática as Doenças Tropicais Negligenciadas (DTNs), sendo a dengue e as leishmanioses as que receberam maiores investimentos. Apesar do que pode parecer, esses investimentos geram mais frutos intelectuais do que práticos, com poucos métodos diagnósticos com boa sensibilidade e especificidade sendo desenvolvidos para uso em campo, poucos medicamentos sendo pesquisados e produzidos para uso em massa e ainda poucos métodos de controle vetorial e da transmissão destas doenças sendo postos em prática pelos governos, apesar de sabermos exatamente o que precisa ser feito.
No XXVIII Congresso da Sociedade Brasileira de Parasitologia foi amplamente discutido o impacto da pandemia da COVID-19 no estudo das DTNs e muitos trabalhos demonstraram que demos um passo atrás no que diz respeito ao controle destas doenças. Isso inclui ainda o retrocesso intelectual do público em geral quanto ao controle eficaz de doenças transmissíveis, como a disseminação de fake news sobre cuidados básicos há muito consolidados, como por exemplo o uso de vacinas (fonte incessante de pesquisa nos laboratórios de parasitologia que buscam uma forma eficaz de controlar algumas destas doenças).
Esse empecilho não ocorreu só no Brasil. Muitos países sequer forneceram dados sobre o acompanhamento das DTNs, como dados de prevalência e incidência, tratamento ofertado e número de pessoas em condições de risco. Não à toa, as metas de controle e eliminação das DTNs preconizadas pela OMS para 2020 foram adiadas para 2030 e, até que se prove o contrário, não serão passíveis de serem alcançadas no tempo proposto, uma vez que grande parte dos países alvo destas campanhas não possuem recursos para executar tais planejamentos, sejam eles logísticos, estruturais, financeiros ou humanos.
Então por que continuar estudando parasitologia? Estudar parasitologia é importante porque ajuda a compreender como as doenças infecciosas podem afetar a saúde humana e animal, e como as infecções parasitárias podem ser prevenidas e controladas. A parasitologia é uma área negligenciada não só pela indústria farmacêutica e pelos governos mundiais, também o é por pesquisadores, profissionais, estudantes e pelo público geral. Mas este trabalho de formiguinha que ocorre longe dos holofotes gera saúde e bem-estar para milhões de indivíduos que, apesar de não passarem de números para os governos, se traduzem em rostos para os profissionais que estão em campo. Talvez as metas da OMS não se concretizem em um período de 10 anos, mas continuaremos inspirando jovens pesquisadores a manterem este trabalho até que cada doença negligenciada deixe de ser uma presença cotidiana e passe a ser apenas uma lembrança nos países onde hoje elas ceifam vidas e bem-estar diariamente.
COLUNA CIÊNCIA E SAÚDE – PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA
SAÚDE – COLUNA 201
Editor: Prof. Dr. Ricardo Queiroz Gurgel
Coordenadora PPGCS: Prof. Dra. Tatiana Rodrigues de Moura