A Peste Acabou! Será?

Antônio Carlos Sobral Sousa – Professor Titular da UFS e Membro das Academias Sergipanas de Medicina, de Letras e de Educação

Há três séculos, o rei Luís XV da França e Navarra, também conhecido como Luís, o Bem-Amado, decretou o fim da epidemia de peste que havia devastado o sul da França. De 1720 a 1722, mais da metade da população de Marselha sucumbiu. O principal objetivo do referido decreto, que convidava as pessoas a fazer fogueiras em frente de suas casas em “alegria pública” à cessação da praga, era autorizar a retomada das atividades por parte dos comerciantes. O simbolismo ritualizado, servia de pano de fundo para a principal razão da intempestiva deliberação, o imperativo econômico.


A humanidade tem sofrido com eventos de magnitudes avassaladoras que já dizimaram milhões de vidas humanas. Um exemplo foi a pandemia conhecida como Praga de Justiniano”, que matou 17% da população mundial entre 541 e 544. Justiniano I foi um Imperador Bizantino, isto porque Constantinopla (antiga Bizâncio, cidade grega; atualmente Istambul, na Turquia) fora o local escolhido pelo imperador Constantino, em 330, após a decadência de Roma, para se tornar a capital do Império Romano do Oriente, também chamado Império Bizantino. A praga ou “Peste de Justiniano”, foi, na verdade, uma pandemia causada pela peste bubônica, que assolou o mundo mediterrâneo, sobretudo a capital do império Bizantino, ceifando a vida de aproximadamente 300 mil pessoas, equivalente a mais da metade da população da cidade. A doença, que provavelmente se originou no Norte da África, foi protagonizada pela bactéria Yersinia pestis e transmitida por pulgas, que vieram junto com ratos em navios mercantes, com carregamento de grãos do Egito. Foi, destarte, uma das maiores pandemias da história, com impactos similares aos da “Grande Peste de Marselha” (1720), causada pelo mesmo agente infeccioso, que ocorreria mais tarde.


Seguindo os passos do rei Luís, vários presidentes, a exemplo do americano, também já decretaram, em suas nações, o fim da emergência associada à pandemia da Covid-19. Vale ressaltar, ainda, que tem mandatário que nunca acreditou na existência da citada peste. Pode uma pandemia acabar por decreto? Ou melhor, uma praga, realmente desaparece? Estas indagações, foram recentemente abordadas em um interessante artigo, publicado no conceituado periódico médico, New England Journal of Medicine (DOI: 10.1056/NEJMp2306631).

Segundo os autores, as pandemias (termo derivado do grego pan, que significa “todos” e demos, que significa “pessoas”), são eventos que se desenrolam no cenário global e, o seu início como o seu fim são determinados tanto por fatores epidemiológicos, como, também, por critérios sociais, políticos, econômicos e éticos. Vários desafios estão associados à eliminação dos vírus pandêmicos, tais como: disparidades no acesso à saúde (muito evidente no Brasil), resistência ao uso de vacinas, mobilidade humana, disrupturas ecológicas que podem alterar o comportamento da vida selvagem, dentre outros. Frequentemente, as sociedades escolhem as estratégias menos dispendiosas do ponto de vista econômico e político. Portanto, as pandemias só terminam quando as sociedades adotam uma visão pragmática dos custos sociopolíticos e econômicos das medidas de saúde pública. Ou seja, quando for normalizada a morbimortalidade associada. Isto contribui para a “endemicização” das doenças – um processo que envolve tolerar um certo número de infecções, com surtos ocasionais em nível comunitário, sem, contudo, saturar os serviços de emergência. No curso da história, várias pandemias passaram por esse processo, a saber: a cólera, em 1851; a influenza H1N1, também conhecida como “Gripe Espanhola”, em 1918 e mais recentemente, a HIV/AIDS. A Malária e a Tuberculose continuam atormentando, sobretudo aqueles habitantes de países de renda intermediária e baixa.


Portanto, fica claro que não é a epidemiologia e nem as declarações políticas que determinam o fim de uma pandemia, mas a normalização da mortalidade e da morbidade por meio de rotinização e endemicização de uma determinada praga – o que no texto da pandemia da Covid-19 tem sido chamado de “viver com o vírus.” Vale ressaltar, ainda, que o SARS-Cov-2 continua fazendo vítimas sobretudo nos grupos de idosos, de imunodeprimidos e de não vacinados. Finalizo, citando frase atribuída ao reconhecido escritor russo, Leo Tolstoy: “Se você sente dor, você está vivo. Se você sente a dor das outras pessoas, você é um ser humano”.


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