Antônio Carlos Sobral Sousa – Professor Titular da UFS e Membro das Academias Sergipanas de Medicina, de Letras e de Educação
Nas últimas décadas, antes da pandemia, vinha sendo registrado, em muitos países, uma progressiva melhora no cuidado do paciente, conforme pode ser demonstrado pela redução de infecções hospitalares e outras complicações nosocomiais. Embora sempre exista espaço para melhoria, vários indicadores, todavia, atestavam que estavam no caminho certo. Com a chegada da imprevisível Covid-19, verificou-se uma queda dos indicadores de segurança dos cuidados com a saúde. A emergência de saúde pública, interrompeu as atividades cotidianas dos hospitais, promovendo, também alterações estruturais radicais, em várias unidades de saúde, que serviram de estressores para os integrantes de toda cadeia assistencial, colocando em risco, tanto os pacientes, como os funcionários. Dessa maneira, passou a ser um grande desafio para os administradores de unidades de saúde, o de gerenciar, simultaneamente, as atividades prioritárias de cuidar da inusitada grande demanda de portadores de Covid-19, bem como dos portadores de outras patologias que necessitam, também de cuidados médicos, sem se descuidar da segurança, como, por exemplo das práticas robustas de controle das infecções hospitalares. Este tópico foi abordado no prestigiado periódico, New England Journal of Medicine (Doi:10.1056/NEJMp2118285).
A rápida e significativa degradação da segurança do paciente, evidenciada pela pandemia, sugere que o nosso sistema de saúde carece de uma cultura e uma infraestrutura, suficientemente resiliente. Assim, o colapso do sistema de saúde imposto pela pandemia, observado em várias localidades, deve servir de oportunidade e obrigação da construção de uma sociedade mais resiliente na prestação de cuidados da saúde, visando não somente as atividades de rotina, mas, também, mantendo altos níveis de segurança em tempos de crise. Segundo os autores, nos Estados Unidos (EUA) verificou-se deterioração, substancial, de várias métricas de segurança do paciente, desde o início da pandemia, apesar de décadas de atenção às complicações de procedimentos médicos. As infecções na corrente sanguínea, decorrentes da utilização de cateter central nos hospitais americanos, por exemplo, haviam reduzido em aproximadamente 31%, nos cinco anos anteriores à pandemia, porém, esta tendência promissora foi quase totalmente revertida, no segundo trimestre de 2020, comparativamente ao segundo trimestre de 2019, em função de um incremento de aproximadamente 28%, das referidas infecções. Verificou-se, também, aumento das infecções do trato urinário associadas à cateterizarão vesical, das complicações relacionadas ao uso da ventilação mecânica e de resistência bacteriana. A segurança também piorou para aqueles que receberam cuidados pós-agudos, sendo registrado incrementos de 17,4% na taxa de queda com lesões significativas e de 41,8% na frequência de úlceras de pressão. Os surtos das variantes Delta e Ômicron do SARS-CoV-2, no final de 2021 e início de 2022, soaram como um mau presságio para um almejado retorno aos níveis pré-pandêmicos para qualquer dos indicadores.
Existem várias possíveis explicações para o incremento desses eventos adversos. Os sistemas de saúde foram surpreendidos com influxos repetidos de uma vastidão de doentes muito graves, causando, por conseguinte, um desafio para manter suprimentos e pessoal em condições adequadas para atender a esta inusitada demanda. Os profissionais de saúde, sobretudo os que participaram diretamente do enfrentamento ao famigerado vírus, responderam com um esforço extraordinário e elogiável dedicação, adaptando-se com velocidade sem precedentes, às situações, mediante desenvolvimento e modificações de protocolos de condutas, com base em dados que evoluíram, praticamente, a cada semana. Vale lembrar, que essa extenuante luta se travou, em certos momentos, com escassez de equipamentos de proteção individual, trazendo risco para si e para os seus entes queridos. Durante os momentos mais difíceis da pandemia, os sintomas de ansiedade afloravam, sobretudo porque entendia-se que o combate não se restringia apenas ao novo coronavírus, era preciso gastar tempo e energia, combatendo, também, a infodemia de Fake News e de ações ante ciência, patrocinada por negacionistas que insistentemente bombardeavam a internet e as mídias sociais em defesa de seus ideais políticos, em detrimento da saúde da população, tornando o ambiente ainda mais tóxico para a saúde mental.
Finalizo, citando a reconhecida escritora ucraniana, naturalizada brasileira, Clarice Lispector: “Quem caminha sozinho pode até chega r mais rápido, mas aqueleque vai acompanhado, com certeza vai mais longe”.