Antônio Carlos Sobral Sousa – Professor Titular da UFS e Membro das Academias Sergipanas de Medicina, de Letras e de Educação
Nos últimos dias, várias sociedades médicas, entre as quais, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT), a Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), emitiram notas técnicas favoráveis à vacinação contra Covid-19, em crianças de 6 meses a 5 anos de idade, conforme preconizado pelo Programa Nacional de Imunização (PNI) do Ministério da Saúde (MS). Estas ações visam fazer frente às ações contínuas de negacionistas que usam, intempestivamente, as redes sociais em defesa de seus ideais políticos. Neste sentido, o Juiz de Direito e confrade da Academia Sergipana de Letras, José Anselmo de Oliveira assim se manifestou: “A guerra ideológica que tomou conta do país e atingiu as ciências, especialmente a Medicina com foco na pandemia da Covid-19, é algo que transcende a ignorância. O pior é que autarquias que deveriam se comportar de maneira científica e adequada para a segurança da população brasileira, virou trincheira de terraplanistas antivacinas e de profissionais que se alinharam politicamente em detrimento da ciência”.
Vale lembrar que o SARS-Cov-2 foi responsável por 5.310 casos de síndrome respiratória aguda grave (SRAG) e 135 mortes entre crianças menores de 5 anos no Brasil em 2023, de acordo com o último boletim epidemiológico do MS. Além disso, desde o início da pandemia, houve 2.103 casos de Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica (SIM-P), considerada uma manifestação tardia da referida virose, com 142 mortes. Por outro lado, o PNI é o mais abrangente calendário de vacinas gratuitas entre os países que têm mais de 100 milhões de habitantes. A incorporação de qualquer imunizante ao Calendário Nacional de Vacinação é respaldada por critérios de avaliação técnicos, baseados nas melhores evidências científicas disponíveis, que consideram aspectos de segurança e eficácia do imunobiológico, além da situação epidemiológica e o comportamento da doença no tempo.
Muitas vezes é difícil para uma pessoa agir quando o risco individual de um resultado é relativamente baixo, mesmo quando as consequências das complicações são elevadas e os efeitos na população são substanciais. Em situações como as do uso dos cintos de segurança, contudo, a discussão gerada resultou na aceitação de seu uso de forma praticamente unânime. A utilização da vacinação foi igualmente aceita de maneira quase uniforme, pela população que vinha seguindo os ditames do PNI. A atual inversão na aceitação das vacinas já resultou em centenas de milhares de mortes devido à Covid-19 e na possibilidade do ressurgimento de doenças infecciosas outrora erradicadas. Eu e minha geração tivemos sarampo; minhas filhas não tiveram sarampo e minha neta está devidamente vacinada, entretanto, outras crianças correm o risco de contrair a temível virose por “desinformação” de muitos pais que, aderindo ao negacionismo, passaram a não aderir ao bem-sucedido programa de imunização proposto pelo MS. A propósito, a agência do Reino Unido de segurança em saúde (UKHSA) está em alerta, em decorrência do preocupante crescimento do número de ocorrências de sarampo, na Inglaterra, provavelmente porque a taxa de vacinação com a tríplice viral (sarampo, caxumba e rubéola) está bem abaixo do recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Em um Ponto de Vista recém-publicado no conceituado periódico JAMA (DOI:10.1001/jama.2023.27685), os autores admitem que a melhor forma de combater a atual infodemia de desinformação sobre vacinas é diluí-la com grandes quantidades de provas científicas verdadeiras e acessíveis. Para tanto, é necessário que todos os envolvidos com o cuidado da saúde façam a sua parte, fornecendo ao público em geral, informações oportunas e precisas, em linguagem simples para ajudar a explicar os benefícios das campanhas de imunização. Ao fazê-lo, podemos ajudar a prevenir doenças infecciosas e reduzir drasticamente os danos causados por agentes patogénicos como a SARS-Cov-2, a gripe e a doença do vírus sincicial respiratório, antes que tenhamos que ser sufocados por outra grande onda de qualquer uma destas doenças potencialmente evitáveis.
Segundo o filósofo grego estoico, Epicteto: “A verdade vence por si mesma, a mentira precisa de cúmplices”.