Estamos prontos para a próxima pandemia? – Parte 2

Antônio Carlos Sobral Sousa – Professor Titular da UFS e Membro das Academias Sergipanas de Medicina, de Letras e de Educação


A pandemia de Covid-19 promoveu mudanças profundas em todo o mundo. Os lockdowns (isolamentos), as restrições e as políticas de emergência mudaram as nossas dietas, os padrões de atividade física e muitos outros hábitos cotidianos, intimamente ligados ao nosso bem-estar. Estas mudanças geraram uma série de “pandemias”: de obesidade, de distúrbios mentais (notadamente ansiedade e depressão), de doenças cardiovasculares e oncológicas que deixaram de ser prevenidas, dentre outras. Mas, talvez as nossas experiências com o ardiloso “professor” SARS-Cov-2, que até agora ceifou a vida de quase 710 mil brasileiros e cerca de sete milhões de pessoas em todo o mundo – possam preparar-nos para lidar melhor com a próxima pandemia. Segundo o diretor do Centro de Educação em Vacinas do Children’s Hospital of Philadelphia, Pensilvânia, EUA, Paul A. Offit, em artigo publicado na edição de fevereiro da National
Geographic Magazine, devemos prestar atenção a algumas lições:


a) Disponibilizar vacina para todos –, países ricos devem propiciar uma distribuição mais equânime dos imunizantes. No final de 2023, quase um terço dos habitantes do planeta não tinha recebido uma única dose da vacina contra a Covid-19. O grau em que qualquer país corre o risco de contrair doenças graves, é o grau em que todos corremos risco. Ninguém está seguro até que todos estejam seguros;


b) Seguir as orientações científicas –, as recomendações para o tratamento e prevenção da Covid-19 evoluíram à medida que fomos aprendemos sobre a transmissão do vírus e a sua patogenia. Estar vacinado em dia constitui a melhor forma de prevenir a virose, suas formas graves e óbitos, principalmente nas populações mais vulneráveis; conservar o hábito de higienização das mãos com álcool 70% ou água e sabão e o uso de máscara para os que apresentam sintomas gripais, são ações importantes na prevenção contra vários patógenos. Para os com mais de 65 anos de idade ou os imunodeprimidos acometidos pela Covid-19, o antiviral Nirmatrelvir/Ritonavir, deve ser usado até o quinto dia após o início dos sintomas, para reduzir o risco de internações, complicações e mortes pela doença;


c) Campanhas populares podem gerar confiança –, embora o combate à desinformação em nível nacional, ou mesmo regional, seja difícil, em nível local é mais exequível;

d) Separar a política partidária da ciência salvará vidas –, pela primeira vez na história da humanidade, a adesão à vacinação variou de acordo com a linha partidária. No Brasil, verificou-se uma nítida inclinação governamental na direção de um “tratamento precoce”, que nunca teve comprovação científica e um negacionismo declarado aos imunizantes contra o SARS-Cov-2. Já nos EUA, em dezembro de 2022, 37% dos republicanos e apenas 9% dos democratas, não estavam vacinados e, segundo um estudo publicado na revista Preventive Medicine Reports, os estados governados por republicanos apresentaram taxas mais elevadas de mortalidade por Covid-19. Como se necessita de recursos, a saúde pública fica sempre nas mãos da política, que deveria ser de Estado e não partidária, como geralmente acontece;


e) Impedir a propagação da desinformação é crucial –, é como tentar limpar as inundações causadas por um furacão, com um copo. No início da pandemia, membros do governo brasileiro alegaram que a Covid-19 foi produzida pelo homem –, algo que nunca tinha acontecido antes na história do mundo. Se você acredita na afirmação de Carl Sagan de que “alegações extraordinárias exigem provas extraordinárias”, então aquela foi uma afirmação extraordinária apoiada por nenhuma evidência direta –, apenas conspiração e insinuações;


f) Priorizar os mais vulneráveis –, qualquer faixa etária está susceptível à Covid-19, mas nem todos são igualmente sujeitos às suas complicações graves. Os mais idosos sofreram uma taxa de mortalidade mil vezes superior à das crianças; cerca de 40% das mortes pela virose nos EUA, ocorreram em asilos. As crianças de 6 meses a 5 anos de idade, constituem, também, um grupo especialmente vulnerável aos malefícios do SARS-Cov-2. Da mesma forma, estudos mostraram que os imunocomprometidos e as gestantes, tinham maior probabilidade de se beneficiar com os imunizantes. Enquanto esse vírus circular, o foco principal deverá ser a proteção destes quatro grupos;


g) O tratamento pode ser pior que a doença –, no início, a única estratégia para diminuir a disseminação da Covid-19, era limitar o contato entre pessoas e, portanto, escolas e empresas foram fechadas, algumas para sempre. As crianças, que sofreram gravemente, com a falta de educação e de socialização, pagaram o maior preço. Os efeitos destes défices serão, sem dúvida, sentidos no futuro. O nosso interesse em fazer com que as crianças voltassem à escola deveria ter sido tão intenso como o nosso interesse em fazer com que as pessoas voltassem ao trabalho;

h) União nos torna mais fortes –, apenas 11 meses após o isolamento do SARS- CoV-2, duas vacinas foram testadas em grandes ensaios clínicos e consideradas eficazes e seguras. Nos EUA, a Casa Branca estabeleceu parcerias de sucesso com farmácias e hospitais para distribuir e administrar vacinas, bem como para fornecer kits de testes e antivirais.

No Brasil, a capilaridade do Sistema Único de Saúde (SUS) e a reputação brasileira de vacinação, funcionaram apesar das ações negacionistas de muitos. Foi um esforço incrível e um bom presságio para a nossa capacidade de criar e distribuir vacinas contra futuros vírus pandêmicos.

Em 26 de fevereiro de 2020, foi confirmado o primeiro caso de Covid-19, em nosso país. Desde então, centenas de brasileiros perderam a vida devido a essa peste. Utilizando uma tecnologia inovadora, foram criadas vacinas seguras e eficazes em tempo recorde. Enfermeiros e médicos trabalhavam horas extras, mesmo sem equipamentos de proteção individual adequados, em uma luta insana contra um inimigo violento que ia se tornando mais perigoso, à medida que sofria mutações. Simultaneamente, passamos a sofrer, também uma infodemia de desinformações para alimentar a ideologia política de muitos. Mas conseguimos sobreviver à mais uma tragédia nacional.

Fica a esperança que os erros e os acertos que foram cometidos na vigente pandemia, sirvam de aprendizados para o enfrentamento da próxima, que certamente virá, só não se sabe quando! Segundo o célebre filósofo estoico romano, Sêneca: “A vida é muito curta para aqueles que esquecem o passado, negligenciam o presente e temem o futuro”.

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