José Lima Santana
Padre, advogado e professor da UFS
O professor Mário Resende, da Universidade Federal de Sergipe, publicou um artigo sob o título “Reitor negro x medo branco: um debate submerso nas eleições da UFS”. Sinceramente, eu jamais poderia conceber o que o referido mestre levanta, ou seja, uma possível discriminação por parte de alguns segmentos da comunidade acadêmica da UFS, em face do candidato a reitor.De logo, chamo a atenção para o fato de que os (as) postulantes ao cargo de reitor (a), ao menos os (as) que estão, de um ou de outro modo, com as respectivas candidaturas anunciadas, devem todos (as) ser dignos (as) do exercício da gestão da UFS.
O artigo do professor Mário Resende é inquietante. Prendo-me à questão da suscitada discriminação. Ficção, imaginação fértil do mestre, ou pura e nefasta realidade? Bem, eu jamais tinha pensado nisso, nessa possibilidade de que setores da nossa Universidade, na sua brancura, pudessem chegar a tal ponto. Será mesmo que há quem pense assim, ou seja, refutando uma candidatura porque ela está na pele de um negro? Ainda vivemos no país um racismo desaforado, despudorado, que arde como fogo de monturo, queimando por baixo, sem querer dar a cara, a não ser quando se acha no direito de vir à tona, de explodir de uma ou de outra maneira.
É provável que muita gente já deve ter saltado de faca nos dentes contra o artigo do professor Mário, dizendo, entre outras coisas, que ele quis desviar a atenção para a falta de consulta direta à comunidade, como se tem realizado ao longo dos anos, embora, como disse o professor Resende, já teve consulta feita em tempos de greve, com a comunidade acadêmica dispersa. De qualquer forma, o professor Mário Resende foi contundente no que disse. É possível que ele tenha mesmo razão? Há, deveras, essa possibilidade de um “não” a um reitor negro? Seria isso mesmo?
Para mim, isso não tinha mais lugar na comunidade acadêmica. Discriminação desse porte? Uma atitude racista? Não estaria o professor Mário Resende equivocado? Não estaria vendo coisas? Eu gostaria que estivesse. Todavia, infelizmente, eu mesmo sem querer admitir, sou forçado a crer que ele pode ter razão. Eu explico, analogicamente.
Há algum tempo, um professor da nossa Universidade publicou, em um dos jornais da nossa capital, um artigo no qual afirmou que sofreu discriminação racial da parte de outro professor, do mesmo departamento. Isso é vergonhoso, ou seja, o gesto discriminatório que o mestre sofreu.
Quando eu fui presidente da Comissão de Ética da UFS, pude acompanhar situações chocantes, passadas entre professores, ou entre professores e alunos. Não chegou, porém, à citada Comissão nenhum caso de discriminação racial ou étnica.
Certa vez, entretanto, eu mesmo, um negro na cor e na consciência, sofri um ato considerado discriminatório por parte de dois alunos, na UFS. Em julho de 2013, a Campanha Nacional de Escolas da Comunidade – CNEC – completou 70 anos e foi homenageada no plenário da Câmara dos Deputados, em sessão solene. Naquele espaço, foi-me dada a palavra, como ex-aluno, ex-professor e ex-diretor de um Colégio da rede cenecista. Postei uma foto daquele momento, na minha página do Facebook. Um aluno do segundo período de Direito noturno, meu aluno, compartilhou a foto e postou o seguinte comentário, na sua página: “Esse negro nunca me enganou que é kelseniano”. Referia-se a Hans Kelsen, jurista austríaco, tão estudado nos cursos de Direito pelo mundo afora, embora eu tenha sobre ele algumas restrições, sempre apresentadas em sala de aula. Outro aluno, apoiou o comentário do primeiro. Um terceiro aluno advertiu-me. Em princípio, não me dei conta do problema. Porém, outros alunos tornaram a me advertir, para um possível caso de racismo. Limitei-me a fazer um comentário na sala de aula, na presença dos dois, que me pediram desculpas, porém, não mais se matricularam nas duas outras disciplinas que eu ensino, no quarto e no quinto períodos. Estão formados. Que não sejam discriminadores. Ou não continuem sendo.
Por conta do fato acima citado, a coordenação do Centro Acadêmico Sílvio Romero, daquela época, emitiu uma nota de repúdio às manifestações dos dois alunos, lida, inclusive, na minha sala de aula, com os dois presentes.
Bem. Diante dos dois fatos que acabei de expor, do colega que escreveu o artigo, denunciando a discriminação sofrida, e do que me envolveu, hei de considerar que o professor Resende pode ter razão. Se for assim, tal conduta é intolerável e inadmissível. Espero, porém, que a nossa comunidade acadêmica, por nenhum dos seus setores, jamais possa defender, acolher ou respaldar qualquer ideia discriminatória, seja de que espécie for, muito menos por conta da cor de alguém, candidato (a) ou não a reitor (a).
MEMBRO DA ASL, ASLJ, ADL, ASE E IHGSE