Luiz Eduardo Oliveira
Doutorando em Saúde e Ambiente
A Declaração Universal de Direitos Humanos, publicada há mais de 70 anos, representou um marco importante na luta pela efetivação de nossa identificação enquanto humanos. O processo foi longo e inspirado no texto da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. Não importa, neste momento, retroagirmos aos esforços empreendidos por Ciro, O Grande, em aproximadamente 539 a.C, que após conquistar a Babilônia, libertou os escravos, reconheceu o direito à escolha da religião e promoveu a igualdade racial, sendo o “cilindro de Ciro” considerado um dos primeiros documentos neste processo contínuo na busca pela empatia. Sergipe tem 200 anos e ainda continua nesta busca.
Pouca coisa mudou, dirão alguns, e diante disso precisamos ponderar que efetivar direitos humanos parece não ser prioridade para os humanos de Sergipe, do Brasil e do mundo e sendo assim é necessário o entendimento que os direitos não se restringem à lei, há algo muito mais amplo ou emancipatório e talvez por isso os formadores de opinião analisem atravessado o fato de pensar criticamente os direitos através da cultura e suas implicações na estrutura estatal montada e fabricada para operacionaliza-los. Nada mais interdisciplinar que direitos humanos.
Nesta linha de pensamento, a preocupação com o processo “civilizatório” que poderemos adjetivar de bárbaro, de destruidor de outras culturas, de armamentista, de desenvolvimentista de tecnologias aeroespaciais de conquista, de patrocinador de guerras e guerrilhas, de destruidor do meio ambiente ou de fabricante de novas doenças coincide com o crescimento avassalador da indústria farmacêutica em Aracaju, pode ser a responsável pela confusão em torno dos direitos humanos.
Ao invés de discuti-los ou de tentar entendê-los neste período de pandemia, simplesmente optamos em fechar o comércio, em colocar em casa alguns servidores públicos ou decretar inúmeras proibições e nada da reflexão crítica que a cultura poderia proporcionar.
Em relação à pandemia, o que constatamos neste Estado é o amadorismo na chamada guerra ao inimigo invisível. É um abre e fecha, é um tal de poder agindo em outro. São discursos antagônicos e populistas mas o fato é que os planos, as estratégias e as falas são desprovidas de validação pela parte interessada, a população. Raramente presenciamos debates na mídia, por profissionais e por investigadores na área, de vertentes contrárias ou com enfoques divergentes quando o assunto é pensar sobre a inter-relação entre vários direitos humanos em período de pandemia. Somos informados das decisões através dos decretos e das recomendações, e só. Muito mais eficiente e compreensível seria ouvir a Secretaria da Saúde, os pesquisadores ou a própria vigilância sanitária sobre os argumentos com relação ao isolamento social. Este por sinal muito mal empregado e contrário ao sentido estabelecido na lei que o institui. A sociedade não o está cumprindo e não adiantam os decretos pois este Estado não tem como fiscalizar e não tem como exigir o confinamento da sociedade. Àqueles que defendem os procedimentos resta, infelizmente, a constatação do fracasso do atos e das recomendações pois os índices de mortalidade e de contaminação não baixam. A sociedade continua sendo tratada como débil e tutelada.
Algum movimento ou alguma linha de pensamento deveria nos colocar, enquanto sociedade, como responsáveis por esse quadro alarmante e com reflexos incalculáveis que somente serão apresentados após as eleições de novembro, salvo outro surto ou onda ou ainda ondas e surtos, misturados, não nos “surpreenda”.
Seria a cultura e a educação, através das suas diversificadas formas e possiblidades as responsáveis em colocar no cérebro das pessoas a importância e a responsabilidade sobre os comportamentos mas isto parece causar pânico nos líderes e gestores. Somos educados e conduzidos ao “cumpra-se”. Realmente trazer a sociedade como principal ator neste cenário seria libertador e um essencial momento para o chamado que a nossa constituição faz.
Entretanto a efetivação do direito à cultura, com respeito aos demais direitos, poderia nos socorrer mais intimamente porém mesmo previsto na Declaração Universal dos Direitos Humanos, no artigo 27, ainda não é tratado como inerente à condição humana. Encontra-se registrado na Constituição Federal de 1988, mais especificamente no artigo 215 e, pasmem, também na Constituição do Estado de Sergipe, artigo 225. Já possuímos o famoso arcabouço jurídico.
Seria ela, a cultura, uma peça importantíssima neste período pandêmico e assustador que levaria à sociedade, independentemente do que entendemos sobre níveis sociais, um alerta ou um chamamento à responsabilidade.
Diante da falta de leitos próprios para o tratamento da Covid-19, do “esgotamento” dos profissionais de saúde diante da falta de valorização e da denúncia sobre uso indevido de dinheiro público para construção de um hospital de campanha, seria a “Cultura” a responsável em proporcionar um fio condutor neste período cruel.
Nesta conjuntura, causou perplexidade ver a falta de preparo deste Estado em lidar com os recursos federais, para a cultura em particular, através da liberação de recursos oriundos da lei 14.017/2020, conhecida como lei Aldir Blanc e provocou um arrepiar de cabelos observar a cúpula que administra a cultura do nosso Estado atônita com a iminência do recebimento de verbas. Uma representante cultural alegou que tal liberação de recursos poderia representar um marco, dando a entender que não tínhamos uma pauta cultural pautada em dotações orçamentárias. Temos?
Enfim, uma sensação de desorganização, uma falta de pensamento condutor, carência de planos estratégicos e de ausência de metas em tantos setores só demonstram que a responsabilidade pela propagação do corona vírus, da falência de vários direitos humanos fundamentais não é uma responsabilidade somente do governo federal. Pensar criticamente o papel da cultura, pautada em previsões orçamentárias, poderia trazer à toda sociedade a sensação que em 200 anos de libertação estamos no caminho para a liberdade. Parece que não. Neste percurso é necessário reconhecer e resignificar a importância dos negros e dos índios neste caminhar e só a cultura poderia colocar a sociedade como protagonista deste processo. Poderia.