Clóvis Barbosa
Lourival Batista foi um dos mais longevos políticos de nos-sa história. Baiano de Entre Rios, iniciou os seus estudos em Alagoi-nhas e formou-se como médico em 1943 pela UFBa. Veio para Sergi-pe neste mesmo ano dedicar-se à medicina, estabelecendo-se em São Cristóvão, onde começou a clinicar. Segundo ele, conforme Lou-rival Baptista, Pacificação e Desenvolvimento, obra organizada por Francisco Baptista Neto e Sayonara Viana, 2015, “Nunca tive dúvidas sobre a opção que fiz vindo para São Cristóvão. Podia ter ficado na Bahia, tanto em Salvador como em Alagoinhas, e até em Feira de Santana, pois havia empregos para médicos em todos os lugares. Podia também ter ido para o Rio de Janeiro, como sugeriu Doutor Ed-gard, me garantindo uma colocação e a possibilidade de especializa-ção que ele entendia como uma necessidade no futuro. Mas não! Preferi trabalhar imediatamente, pois vivi muito sozinho nos anos de estudo”. O Doutor Edgard referido é Edgard Rego dos Santos, médi-co, professor e político baiano, que foi Reitor da Universidade da Ba-hia e Ministro de Estado da Educação e Cultura. Aqui chegando, aproximou-se do também médico formado na Bahia, Augusto Franco, que, desistindo de clinicar, foi morar em São Cristóvão, onde passou a dirigir a Fábrica São Gonçalo, indústria têxtil conhecida como “Fá-brica Nova”. Lourival passou a trabalhar num ambulatório do Estado e na fábrica de tecidos. Dai foi um pulo para a carreira política, elegen-do-se deputado estadual em 1947, prefeito de São Cristóvão em 1951, deputado federal em 1959, cargo mantido por dois períodos, governador de Sergipe em 1967 e senador da República por 24 anos, de 1971 a 1995. Fez história, portanto, como político em nosso Estado.
Em 1986 o destino me colocou ao lado de Lourival Baptis-ta durante as eleições daquele ano. À época eu militava no Partido Socialista Brasileiro. Diante de uma coalizão formada pelo PFL, PSB, PL, PCB e PCdoB, a Aliança Democrática, fui designado para cuidar da aparição dos candidatos a Senador da coligação, no caso, Louri-val e Viana de Assis. Era a primeira eleição televisionada após a re-democratização. O candidato teria que se desdobrar para convencer o eleitor através da telinha. Não tive muita dificuldade com Viana, mas Lourival deu trabalho, pois não acreditava naquela forma de angariar votos. Lembro-me de uma frase: – Essas coisas modernas, menino, não me causam apetite. Acredito é no voto olho-por-olho. Consegui, aos poucos, convencê-lo da importância do desempenho do candida-to no programa de televisão. Formou-se entre nós, naquele período de 30 ou 40 dias juntos, uma amizade momentânea, é verdade, mas nessa vida de encontros e desencontros foi marcante para mim, pois aprendi a conhecê-lo um pouco e rir bastante dos causos que conta-va no estúdio de gravação para os presentes. Eleito, só vim revê-lo – ou melhor, através de um amigo dele – nas eleições de 1994. Ele que-ria que eu participasse da sua equipe de assessores na reeleição ao Senado da República. Agradeci o convite e declinei, pois estava vin-culado ao PT e iria trabalhar pelos candidatos da coligação O Povo na Frente, formado pelo PDT, PMN, PP, PT, PSB e PCdoB. Os nos-sos candidatos ao Senado, Antônio Carlos Valadares e José Eduardo Dutra, saíram vitoriosos, tendo derrotado Lourival, José Carlos Teixei-ra e Francisco Gualberto, então no PSTU. O governador eleito foi Al-bano Franco, que ganhou de Jackson Barreto no 2º Turno.
No auge da ditadura militar, em meados de 1966, foi criado o cargo biônico, aquele cujo político era investido na função de Go-vernador ou Senador pela escolha dos donos do poder à época, sem participação do voto popular. Por pertencer ao grupo que deu apoio ao golpe irrompido em 1964, Lourival foi agraciado com dois desses cargos, o de governador, de 1967 a 1970, e o de Senador da Repú-blica, de 1979 a 1987. Aliás, até hoje ninguém explica com certeza o drible que ele deu durante o processo de escolha para governador em 1966. De acordo com o Ato Institucional nº 2, uma lista tríplice se-ria encaminhada pela Assembleia Legislativa ao presidente Castelo Branco, que escolheria um dos nomes para dirigir os destinos do Es-tado. A lista foi elaborada e dela participavam os ex-governadores Leandro Maynard Maciel e Arnaldo Garcez, bem como o empresário Augusto Franco. Lourival passou a perna nos três e foi o escolhido para governar o Estado, sendo o único caso do Brasil em que a lista tríplice não foi respeitada. Interessante que o termo “biônico” foi criado pela oposição, baseado numa série da televisão americana, O Ho-mem de 6 Milhões de Dólares. A narrativa conta a história do coronel e ex-astronauta Steve Austin, que sofre um grave acidente e, após uma reconstituição completa, transforma-se num ciborgue e passa a trabalhar para o governo americano, no Departamento de Inteligência Científica. Os políticos odiavam ser chamados de biônicos. Nos aero-portos, casas noturnas e ambientes públicos diversos, sempre apare-cia um gaiato gritando: – Fulaaaano, senador biônico! Beltraaaano, governador biônico! Enfim, eles fugiam do termo como o diabo foge da cruz. Lourival nunca ligou para isso, ao menos não publicamente.
Por volta do ano de 1983, o presidente João Figueiredo veio a Sergipe participar de várias inaugurações, dentre elas a da Bar-ragem do Piauitinga, em Lagarto. Praça cheia de gente, muitos políti-cos e empresários, desfile escolar, fogos de artifício, enfim, uma ver-dadeira festa. No palanque instalado estavam o governador, os se-nadores, deputados federais e estaduais, empresários e o presidente com sua comitiva. O primeiro a discursar foi o prefeito da cidade, Artur Reis, conhecido como Artur Gavião, que ao saudar algumas autorida-des dirigiu-se a Lourival e disse: – Eminente Lourival Baptista, ilustre Senador Biônico da República. Foi uma reação coletiva de riso entre os dentes por parte dos presentes e admoestação a Artur por parte dos seus assessores. Lourival calado estava, calado ficou. Em outra oportunidade, também naquela cidade, Lourival, então senador, foi visitar Artur Gavião. Após o almoço, os dois se dirigiram para a Rádio Progresso, de propriedade do chefe político do município, onde Louri-val foi entrevistado pelo radialista Ênio Rocha. Perguntas eram feitas e respondidas por Lourival sob o olhar atento de Artur. De repente, Ênio pergunta a Lourival Baptista o que ele achava de ser um sena-dor biônico. No ar, Artur deu um grito e uma bronca no locutor: – Isso é pergunta que se faça?! E encerrou a entrevista. Homem excêntrico, Lourival tinha um excelente senso de humor. Conta-se que certa vez, numa de suas viagens a Aracaju, encontrou-se na Rua Itabaianinha com um eleitor, cuja família sempre votou com ele. Ao vê-lo, foi logo perguntando: – Como está seu pai? – Morreu, Senador! – Morreu? Morreu pra você! Pra mim, ele continua vivo, vivíssimo! Está aqui! apontando para o peito.
Chico Buarque sempre diz que Paris é uma cidade para flanar e esta era a localidade sempre revisitada por Lourival. Adorava caminhar por suas ruas e tinha uma capacidade extraordinária de de-corar os nomes das galerias, pontes, igrejas, hotéis, praças, avenidas, alamedas, magazines, etc. Certa vez, acompanhado do então editor do jornal A Tarde, Edvaldo Boaventura, passou a perambular pelas ruas parisienses. Fazia questão de levar o jornalista baiano para co-nhecer um bisneto do grande autor de A Mulher de Trinta Anos, Hono-ré de Balzac (1799-1850). Depois de uma jornada cansativa, pararam para almoçar num restaurante à beira do rio. Lourival falou que anos antes, naquele mesmo local, tomou um delicioso vinho, Chateau de Baumarchais. Disse-lhe que “não era caro, mas tinha a tradição de um terroir da família Baumarchais, a mesma da esposa do neto de Balzac, que iriam visitar”. Boaventura olhou por várias vezes a carta e não localizou o vinho citado. Era mais uma brincadeira de Lourival, das tantas que fazia com os amigos. Por volta das 5 horas da tarde chegaram ao endereço procurado. – Chegamos, finalmente, seu Bo-aventura, eis a morada do nobre casal. – Mas aqui é a Galerie Char-din, ele mora aí? Perguntou Boaventura. E Lourival começou a cha-mar o suposto mordomo do casal, quase gritando: – Monsieur Leo-nardôo, gluar de Sergipêe!, e repetiu por várias vezes. Na verdade, estava chamando pelo pintor sergipano Leonardo Alencar, alcunhado por ele como a glória de Sergipe, que iria expor na referida galeria e lá estava ultimando os preparativos. Horas depois começava a vernis-sage. O jornalista Boaventura aproveitou para fazer um brinde ao es-critor Honoré de Balzac, enquanto falava ao ouvido de Lourival: – Vo-cê nem se lembrou de chamar o bisneto dele para juntar-se ao cham-pagne.
Clóvis Barbosa escreve aos sábados, quinzenalmente.