Amâncio Cardoso – Professor dos Cursos de Turismo – IFS
Uma das maiores tragédias da História do Brasil ocorreu na costa marítima sergipana. Refiro-me aos torpedeamentos dos navios Baependi (270 mortos), Araraquara (131 mortos) e Aníbal Benévolo (150 mortos), entre 15 e 16 de agosto de 1942. No total, morreram 551 pessoas. Os afundamentos foram realizados pelo submarino alemão U-507.
As mortes de brasileiros provocaram comoção popular. Com isso, o sentimento de revolta tomou as ruas. Assim, o então presidente Getúlio Vargas foi pressionado a declarar guerra contra os países do Eixo (Alemanha, Itália e Japão). Esses episódios ainda estão marcados tanto no imaginário coletivo dos aracajuanos, quanto em lugares de memória da capital.
Tais lugares, ou topônimos, que remetem àqueles fatídicos dias, são: Praia dos Náufragos; Rodovia dos Náufragos; Cemitério dos Náufragos; e Praça dos Expedicionários. As designações toponímicas assumem particular importância na preservação da memória e identidade cultural, perpetuando nomes, fatos e eventos. Vejamos, então, dados acerca daqueles topônimos aracajuanos do tempo da 2ª Guerra.
A Praia dos Náufragos, localizada no litoral sul de Aracaju, a cerca de 10 Km da praia de Atalaia, foi o local onde pilotos do Aeroclube de Sergipe avistaram os náufragos (vivos e mortos), além dos destroços dos navios.
O nome Praia dos Náufragos ficou na memória por conta dos torpedeamentos náuticos na costa sergipana durante a 2ª Guerra Mundial (1939-1945). Mas alguns sites de turismo têm relacionado, erroneamente, esse topônimo “a um naufrágio que aconteceu em 1907”. Essa falha de conteúdo histórico vem se propagando também através de alguns guias de turismo, os quais reforçam aquela informação equivocada.
Atualmente, a Praia dos Náufragos é uma paisagem agradável. Ela é um dos atrativos balneários mais frequentados de Aracaju, com extensa faixa de areia, mar de águas tépidas, coqueirais, dunas e bares ao longo da orla.
O segundo topônimo relacionado à 2ª Guerra é a Rodovia dos Náufragos ou SE 050. Foi através da antiga estrada que veículos, em diligência, foram até a praia para socorrer os sobreviventes, recolher os cadáveres e procurar alguns objetos dos navios afundados.
À época dos naufrágios, 1942, havia uma estrada de piçarra ladeada por sítios de coqueirais, chácaras com fruteiras (mangueiras, cajueiros, mangabeiras) e casas de taipa, ou palha, de pescadores e lavradores, que dava acesso ao povoado Mosqueiro para quem vinha do então povoado Atalaia.
A velha estrada foi asfaltada em 1980. Ela ainda interliga os bairros balneários Atalaia e Mosqueiro, através da avenida Melício Machado, perpassando os povoados Robalo, Gameleira, Areia Branca e Matapuã. A rodovia se situa numa distância de 1,5 Km da linha de praia, e tem uma extensão de quase 20 Km. Ela começa no cruzamento com a avenida Júlio César Leite, próximo ao aeroporto de Aracaju, até a ponte Joel Silveira, no Mosqueiro.
Hoje, a Rodovia dos Náufragos é margeada por condomínios e loteamentos residenciais, com intensa área comercial e infraestrutura urbana, valorizando o preço do solo e dos imóveis na região. Além disso, a SE 050 possui intenso fluxo de veículos, sobretudo após a inauguração da ponte Joel Silveira, em 2010, que dá acesso ao Estado da Bahia pelo litoral sul de Aracaju.
Quanto ao topônimo “Cemitério dos Náufragos”, também relacionado ao conflito mundial, é uma homenagem aos 551 mortos dos navios afundados, em agosto de 1942, na costa sergipana. Ele se situa num pequeno terreno do povoado Mosqueiro, próximo à Praia e Rodovia dos Náufragos, no extremo sul de Aracaju. Além dos “sepulcros”, o cemitério possui uma cruz, com cerca de 5m de altura, sobre um pedestal quadrilátero de concreto, ao lado de uma antiga âncora de ferro fundido. Nele, há uma placa de inauguração onde se lê: “Aí está o golpe mais traiçoeiro e terrível vibrado contra o coração da nacionalidade”.
O Cemitério dos Náufragos não possui restos mortais dos naufragados por ser um lugar de memória simbólica, construído pelo Ministério da Marinha e Governo do Estado, em 1972. Um ano depois, 1973, o cemitério foi elevado a monumento histórico, através de tombamento estadual.
Por fim, temos o topônimo Praça dos Expedicionários, também relacionado à 2ª Guerra. O lugar presta homenagem aos soldados sergipanos, ou pracinhas, que fizeram parte da Força Expedicionária Brasileira (FEB); grupo militar aéreo-terrestre, criado em 1943, e constituído por homens e mulheres que combateram nos campos da Itália.
A Praça dos Expedicionários localiza-se entre os bairros Getúlio Vargas e Siqueira Campos, no entorno do antigo complexo ferroviário de Aracaju. Ela possui no centro um grande monumento de granito, em forma de obelisco (pilar em formato de tronco piramidal), com cerca de 10 metros de altura; e um outro menor com cerca de 2 metros. Ambos homenageiam os sergipanos que participaram da FEB.
Os quatro topônimos elencados fazem justa homenagem a brasileiros que sofreram as tragédias provocadas pela 2ª Grande Guerra. A praia, a rodovia, o cemitério e a praça são lugares de memória prenhes de significados, de experiências vividas e informações históricas; são topônimos catalisadores de aspectos registrados pela memória, e que fazem parte da história nacional.
Portanto, estes lugares são patrimônios culturais que fortalecem o sentimento de pertencimento ao Brasil e a Sergipe. Estado onde a guerra começou, com os nazistas a ensanguentarem nossos mares.
Para saber mais:
CRUZ, Luiz Antônio Pinto. “A guerra já chegou entre nós”!: o cotidiano de Aracaju durante a guerra submarina (1942 -1945). Salvador: UFBA/ FFCH/ PPGH, 2012. (Dissertação de Mestrado em História).
MAYNARD, Andreza & MAYNARD, Dilton. Dias de Luta: Sergipe durante a 2ª Guerra Mundial. Rio de Janeiro: Multifoco, 2011.
PRADO NETO, Manuel Alves do. A Praça dos Expedicionários: Um Lugar da Memória Aracajuana. Jornal da Cidade. Aracaju, p. 05, 17 mar. 2004.
[1] Professor dos Cursos de Turismo – IFS.