Afonso Nascimento – Professor de Direito da UFS
O objetivo deste texto é tratar, de forma exploratória, da militância estudantil de Mário Jorge Menezes Vieira. Para aquelas pessoas que não o conhecem ou não ouviram falar dele, Mário Jorge foi uma importante liderança estudantil que viveu na segunda metade do século passado. Nasceu em 23 de novembro de 1946 e faleceu em 11 de janeiro de 1973 em Aracaju. Sempre foi um estudante profissional, secundarista e universitário, e foi nessa condição que construiu a sua carreira de militante estudantil. Por que decidi escrever esse texto? Porque pouco encontrei na bibliografia especificamente sobre a sua atuação política.
O pai de Mário Jorge, Claudomir Andrade Vieira, foi um comerciante bem sucedido na venda de automóveis em Aracaju. Primeiramente trabalhou como funcionário da Chrysler/Dodge do Brasil e depois tornou-se sócio-diretor ou gerente da Transvemasa, uma empresa de Euclides Paes Mendonça. O seu pai foi presidente do Cotinguiba, clube no qual se destacou em vários esportes como o remo, tênis de mesa, entre outros. Também foi membro do Lyons Clube de Aracaju. A mãe de Mário Jorge, Yvone de Menezes Vieira, trabalhou como professora de “artes” (prendas do lar) no católico Colégio São José e foi uma católica militante sobretudo na Igreja do bairro São José. Além de seu pai e de sua mãe, ele tinha uma irmã mais nova, que é ex-deputada Ana Lúcia Meneses Vieira. Mário Jorge era sobrinho de irmã de sua mãe, casada com o professor de Direito e procurador da República Osman Hora Fontes. A família de Mário Jorge pertencia à classe média alta ou, dito de outra forma, à elite social de Sergipe.
Mário Jorge foi militante estudantil antes e durante a ditadura militar. O contexto em que atuou foi aquele do fim do experimento democrático (1946-1964) de depois da II Guerra Mundial e o da ditadura militar (1964-1985), portanto, no tempo da Guerra Fria. Entretanto, ele foi mais que um militante estudantil comunista. Com efeito, concomitantemente à política estudantil, dedicou-se primeiramente à poesia politicamente engajada com influência do russo Vladimir Maiakovski, para em seguida interessar-se por outras formas de expressão artística. Não estou interessado aqui no Mário Jorge como grande artista. Já existem alguns trabalhos relativos a esse aspecto de sua curta vida.
Mário Jorge teve passagem pelas seguintes escolas de elite: o Colégio Brasília onde fez o curso ginasial, o Ateneu que foi a sua escola secundária, com um ano no Colégio Arquidiocesano, a Faculdade de Direito da UFS que frequentou e cuja matrícula trancou para estudar Sociologia em São Paulo, a Faculdade de Ciências Sociais da USP e de novo a Faculdade de Direito sergipana. Ele completou seus estudos secundaristas, mas não conseguiu concluir as duas graduações iniciadas, em Direito em Aracaju e em Sociologia em São Paulo. A militância política de Mário Jorge deriva de seu pertencimento às escolas mencionadas em que estudou, e também de sua vinculação ao Grêmio “Clodomir Silva” do Ateneu, ao Centro Acadêmico “Sílvio Romero” da Faculdade de Direito, do seu laço com União dos Estudantes Secundaristas Sergipanos (USES), de sua ligação com a União Nacional de Estudantes (UNE) através do seu Centro de Cultura Popular e, por último mas não menos importante, com o Partido Comunista Brasileiro (PCB).
Existem duas versões sobre a sua militância política de Mário Jorge começada no Ateneu e terminada na sua segunda passagem pela Faculdade de Direito da UFS. Ele entrou para o Ateneu, em 1963, e aprendeu rapidamente as habilidades do que fazem os militantes estudantis. Cedo passou a ser percebido como comunista e “subversivo”. Com efeito, não era à-toa que ele estava incluído no grupo chamado de “os meninos de Wellington Mangueira”, ou seja, Mário Jorge, Jorge Maia e Agamenon Araújo. Wellington Mangueira, cumpriu na década de 1960 o papel de mentor intelectual desse trio de estudantes.
A ex-deputada estadual e militante sindical Ana Lúcia Meneses Vieira disse que a adesão de Mário Jorge ao Partido Comunista Brasileiro(PCB) aconteceu quando ele tinha dezesseis anos, portanto, ao ser admitido no Ateneu. Provavelmente pela mão de Wellington Mangueira – embora este incansável militante humanista diga que foi o contrário. De fato, Wellington Mangueira, amigo de Mário Jorge desde a sua infância, declarou em entrevista transcrita que foi ele, Mário Jorge, quem o indicou para membro dessa organização política funcionando na clandestinidade. Mário Jorge teria sido o seu “padrinho”, acrescentando que o mesmo também teria sido membro do MDB, mas deixou de fornecer informações sobre militância dele no partido da oposição consentida regime militar.
Ilma Fontes traz uma versão completamente diferente daquela que venho de expor acima. Conforme declarou à Comissão Estadual da Verdade de Sergipe, ela e Mário Jorge teriam sido namorados e militantes. Ilma Fontes é por conseguinte alguém que tinha bastante proximidade com Mário Jorge para sustentar a sua versão. De acordo com ela, também em entrevista transcrita, Mário Jorge e ela teriam sido assediados com diversos pedidos de filiação da parte de diversas organizações políticas clandestinas, mas sempre teriam rejeitado tais propostas. Ele teria sido um “libertário”, que militava sem vínculos com outros grupos políticos de esquerda. Os dois faziam militância por conta própria, embora tivessem muitos colegas e amigos comunistas, arrematando que o pertencimento ao Partido Comunista Brasileiro com regras e tarefas, senhas e pontos, não se ajustava ao modo de vida que ele levava. Sua versão equivocada parece fazer sentido quando é observada foto tardia de Mário Jorge que lembra um “hippie”. Mas isso seria, assim me parece, correto em relação à parte de sua vida depois do retorno de São Paulo.
Segundo Ana Lúcia Meneses Vieira, enquanto estudante, Mário Jorge recebia muitos elogios por causa das redações que escrevia. Era alguém que também lia bastante. O talentoso escritor de poemas, de panfletos, de artigos e de jornais estudantis deve ter emergido no período de sua passagem pelo Ateneu. Quanto às influências políticas que Mário Jorge teria conhecido, lembrar que havia professores de progressistas (Ofenísia Freire, etc.) no quadro docente do Ateneu. O mesmo se diga, naturalmente, em relação às leituras recomendadas pelos instrutores do PCB. Quanto à militância política estudantil de Mário Jorge, é preciso destacar que ele, enquanto intelectual, teve um papel importante enquanto responsável pelo setor cultural do Grêmio Cultural “Clodomir Silva” e do Centro Acadêmico “Silvio Romero”. Era ao mesmo tempo um intelectual e ativista, e não apenas um “tarefeiro”, que teve participação em todos os eventos da política estudantil de 1963 a 1968, com a exceção do Congresso da UNE em Ibiúna, em 1968.
A intensa militância estudantil de Mário Jorge no Ateneu ocorreu entre 1963 e 1964, posto que o terceiro ano de secundarista foi cursado no Colégio Arquidiocesano. Em que consistiram as suas atividades políticas enquanto membro do Grêmio Cultural “Clodomir Silva”? No longo ano de 1963, Mário Jorge participou de mobilização de estudantes no sentido de fazer greve geral para destituir a diretora do Ateneu, Maria Augusto Lobão Moreira por razões ideológicas. Apesar de todo o esforço, ele e seu grupo não tiveram sucesso nessa empreitada. De igual modo tomou parte do Comando Geral da Greve que buscava a anulação das eleições do grêmio estudantil para colocar o estudante também ligado ao PCB, Felix Mendes, no lugar de outro estudante já eleito.
Mário Jorge esteve presente ao encontro de estudantes que seria realizado em Lagarto, no qual seu camarada e amigo Wellington Mangueira foi esfaqueado. Nessa ocasião Mário Jorge escreveu telegrama dirigido ao deputado federal Cleto Maia, convidando-o para fazer uma palestra. Esse encontro foi cancelado depois referido incidente. Por incrível que pareça, a remessa de tal telegrama foi entendido como algo relevante pela comunidade de informações.
Mário Jorge participou de grupo de estudantes que explodiram duas bombas no Ateneu, sendo a primeira para derrubar um muro construído pela direção e que bloqueava a vista que se tinha antes do local em se praticava “educação física”. Essa disciplina era antes da nova direção ministrada ao mesmo tempo para adolescentes masculinos e femininos. Ele também foi membro do grupo que explodiu uma bomba-relógio no banheiro feminino. Segundo Ilma Fontes, essas duas ações não tiveram motivação política, não passaram de coisa de irresponsabilidade de adolescentes.
Como estudante secundarista irrequieto, participou de outra greve, não no Ateneu, mas nos colégios Salesiano e Salvador. Isso aconteceu já perto de acontecer o golpe militar de 1964. Durante esse movimento paredista, Mário Jorge teria supostamente ameaçado diretores e estudantes daquelas instituições escolares que não eram a sua escola, além de não respeitar as autoridades escolares e estudantes que estiveram em palácio com o governador de Sergipe.
Por causa dessas atividades e outras atividades, o comandante do 28º. BC determinou à diretora do Ateneu que providenciasse a expulsão de Mário Jorge e dos outros estudantes envolvidos. Coisa que foi feita, mas dela resultou um novo outro problema: não existia outra escola secundária pública para aceitar os jovens expulsos do Ateneu. Aí as redes de relações pessoais entraram em ação, com a mãe de Mário Jorge à frente desse movimento para tentar matriculá-lo no Colégio Arquidiocesano, que então era um seminário. O diretor dessa escola aceitou receber Mário Jorge, mas pediu alguma “cobertura” para evitar problemas futuros com o regime militar. Assim, o mesmo comandante do 28º. BC preparou um documento em que era dito que Mário Jorge tinha ficha limpa em termos políticos e ideológicos, transformando a expulsão em transferência (doc. do SNI). Resolvido esse problema, os colegas de Mário Jorge também ganharam na Justiça o direito de estudar, no mesmo colégio, o terceiro ano da escola secundária dirigida pelo padre Carvalho.
Em 1966, Mário Jorge fez exame de admissão para a Faculdade de Direito. Com ele também aportaram seus colegas de militância estudantil do Ateneu, uma escola que era um viveiro de militantes juvenis de esquerda. Juntamente com Wellington Mangueira e outros, Mário Jorge entrou em uma nova fase de sua militância política estudantil. Enquanto estudante universitário, Mário Jorge participou dos debates sobre a criação da Universidade Federal de Sergipe e sobre a fundação do futuro Diretório Central dos Estudantes (DCE). Ajudava, como editor, a publicar e divulgar o jornal estudantil e do “partidão” “A Verdade”, nas escolas superiores de então.
Em 1968 foi encarcerado no quartel do 28º. BC e passou cerca de um mês como preso político, sendo enquadrado legalmente pelo Código Penal e pela Lei de Segurança Nacional. Nunca foi torturado. Quando saiu da prisão, os seus pais resolveram enviá-lo a São Paulo onde, depois de exame vestibular, começou a estudar Sociologia na Universidade de São Paulo. A decisão de sua família era aquela de um grupo que queria ver o filho longe de seus problemas em Aracaju. São poucas as informações sobre essa passagem sua por São Paulo. A mais importante é que foi lá que ele rompeu com o “partidão”, segundo Ana Lúcia Meneses, percebido como muito moderado, e se aproximou provisoriamente pelas ideias de Carlos Marighela que defendia a luta armada contra o regime militar. Talvez seja indicador desse ruptura o fato de ele ter morado, por algum tempo, com um operário em São Paulo. Além disso fez novas amizades em círculos políticos e artísticos de esquerda e outros mais.
Com menos de dois anos em São Paulo, Mário Jorge decidiu voltar definitivamente para Aracaju. Retornou como um jovem mais próximo do movimento de contracultura norte-americano do que da juventude comunista de Moscou. Não trouxe Carlos Marighela na sua bagagem.De acordo com Wellington Mangueira, ele fez nova matrícula na Faculdade de Direito e disse que queria entrar novamente na política estudantil. Pelo que pude entender dos relatos a que tive acesso, se em Sergipe ele costumava pegar um inocente cigarro de maconha, o novo Mário Jorge se tornara então um grande consumidor de drogas pesadas como cocaína, LSD etc. A sua dependência química fará dele uma pessoa com comportamentos extravagantes. A sua família, os seus colegas e os seus amigos deram a ele todo o apoio possível. Seus pais chegaram a interná-lo por diversas vezes no hospital do médico psiquiatra Hercílio Cruz, situado no Siqueira Campos, mas o tratamento não parecia produzir efeitos positivos. Em uma certa manhã de 1973, dirigindo o fusca de seu pai em direção à praia de Atalaia, onde costumava ficar pelado curtindo o nascer do sol, aconteceu acidente fatal contra um caminhão, que lhe ceifou a vida. Segundo declaração de Ana Lúcia Meneses Vieira, por ocasião do acidente, ele não estava drogado.
Eu não tenho a menor ilusão de achar que fiz um trabalho completo sobre a militância do Mário Jorge como ativista estudantil. Não tratei do processo a que ele teve de responder na Justiça Militar e pela qual foi absolvido em 1972. Não discorri sobre o seu casamento com médica sergipana e seus dois filhos, com sua esposa e com namorada. Para mim, Mário Jorge foi um homem de seu tempo que carregou consigo as contradições do que acontecia no Brasil e nos Estados Unidos e pouco na França. O consumo de bebidas alcoólicas e de drogas ilegais por Mário Jorge certamente causou problemas para a sua vida de estudante, para a sua militância política e para a sua trajetória como artista multifacetado. Ele deixou para as gerações que vieram depois da dele o otimismo e a luta para o mudar o mundo social na turbulência antes do golpe de 1964 e a sua resistência ao regime militar implantado desse então.
Post Scriptum: Na construção desse texto foram utilizados três entrevistas de Ana Lúcia Meneses, Ilma Fontes e Wellington Mangueira encontradas na seguinte monografia: MENESES DE SÁ Alisson et Valmor Gean Barroso Souza. A poesia em tempo de destaque: Mário Jorge. Aracaju, monografia em História/Unit,2007. Tive conversas por telefone com o historiador do movimento estudantil sergipano José Vieira da Cruz, com Gilson dos Reis, com o sociólogo Luciano Oliveira, com Ana Lúcia Meneses e com Wellington Mangueira. Também usei documento coletado no Superior Tribunal Militar, produzido do Serviço Nacional de Informação (ASV_ACE_2953_82), disponível no Arquivo Comissão Estadual da Verdade de Sergipe. Foram consultados os livros de DANTAS, Ibarê. A tutela militar em Sergipe. São Paulo, Tempo Brasileiro e de VIEIRA DA CRUZ, José. Autonomia e Resistência. Aracaju, Editora Criação, 2015.