Amâncio Cardoso – Professor do IFS
Para o prof. dr. Francisco José Alves (UFS), que me apresentou aos dicionários de língua nativa
O Turismo é uma atividade que se utiliza de informações advindas de diversas áreas do saber; é um campo multi e interdisciplinar. Dentre esses saberes utilizados pelo Turismo, mas pouco pesquisados e interpretados, estão a Toponímia e a Etimologia indígenas. A nomenclatura de parcela dos atrativos no Brasil, bem como em Sergipe, além de ser uma herança cultural africana ou lusitana, também possui legado etimológico indígena.
Os profissionais do Turismo, sobretudo os Guias, apresentam o destino interpretando informações sobre origem e significados de nomes de bens culturais, de povoações, e de acidentes geográficos estudados por aquelas ciências auxiliares da Geografia e da Linguística; mas, muitas
vezes, têm-se dificuldade de acesso a certas referências bibliográficas.
Neste sentido, uma obra significativa que indicamos para uso dos profissionais do Turismo é
o “Glossário Etimológico dos Nomes da Língua Tupi na Geografia do Estado de Sergipe”, escrito
por Armindo Guaraná. Publicado na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe
(RIHGSE), em 1916, esse glossário é constituído por diversos nomes de bens culturais e lugares de assente origem indígena; e muitos dos quais, hoje, são importantes atrativos turísticos sergipanos.
Um glossário é um conjunto de vocábulos de uma área do conhecimento com seus significados. E quanto à etimologia, é o estudo da origem e evolução das palavras; nesse caso de termos da língua Tupi presentes na cultura e geografia sergipanas. Em Sergipe, sua toponímia (estudo etimológico e/ou histórico sobre os lugares) é rica em topônimos (nomes de lugares) que
informam sobre símbolos, valores e costumes locais, marcando a identidade cultural do Estado.
Quanto ao autor do Glossário Etimológico, Armindo Guaraná, nasceu em São Cristóvão/SE
em 1848, e bacharelou-se no Recife-PE em 1871. Ele foi promotor de justiça, e depois juiz de
direito. Além disso, Guaraná dedicou-se ao jornalismo e à história local. Em 1912, foi um dos
sócios fundadores do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe (IHGSE). Sua obra mais
conhecida é o “Dicionário Biobibliográfico Sergipano”, de 1925, publicação póstuma, pois Manoel
Armindo Cordeiro Guaraná faleceu em Aracaju, no ano de 1924.
Examinemos agora o útil e pouco conhecido “Glossário Etimológico”, de Armindo Guaraná.
1 Professor de História e Patrimônio Cultural dos cursos de Turismo do IFS.
O autor sancristovense havia publicado, em 1883, o “Vocabulário Geográfico e Indígena de
Sergipe”; trabalho seminal para organizar, em 1886, o “Glossário Etimológico”, que foi ampliado
em 1914, e finalmente publicado em 1916, na Revista do IHGSE.
Para a revisão do seu Glossário Etimológico, Guaraná contou com a significativa ajuda de
duas das maiores autoridades no assunto: Beaurepaire-Rohan (1812-1894) e Teodoro Sampaio
(1855-1937). O primeiro, Henrique Pedro Carlos de Beaurepaire-Rohan, foi um visconde, militar,
político e geógrafo do Império, autor do “Dicionário de Vocábulos Brasileiros”, 1889. E quanto ao
segundo revisor, Teodoro Fernandes Sampaio, foi um dos mais destacados engenheiros civis;
também conhecedor da geografia brasileira, e autor de “O Tupi na Geografia Nacional”, 1901. As
obras dos dois revisores são congêneres do Glossário de Armindo Guaraná.
Este Glossário Etimológico contém 341 (trezentos e quarenta e um) verbetes relacionados a
frutos, peixes, crustáceos, árvores, aves, animais, rios, lagoas, morros, serras, praias, aldeias, sítios engenhos, portos, cidades e povoados sergipanos, cuja origem deriva da língua dos primeiros habitantes da terra de Serigy. O Glossário está organizado em ordem alfabética. Nele, encontramos etimologias com significados que aludem a atrativos turísticos ou bens culturais sergipanos.
Exemplo disso é o étimo “Mangaba”, fruta da árvore símbolo oficial de Sergipe, desde 1992,
através do Decreto Estadual nº 12.723. O nome Mangaba foi decifrado no Glossário como “coisa
pegajosa”. Termo indicativo da propriedade da mangabeira em destilar um suco leitoso e visguento. Essa acepção contraria o que comumente se traduz sobre o fruto, que seria “fruta boa de comer”. Esse último significado, aliás, é muito repassado sobretudo para os turistas.
Contudo, apesar de a Etimologia Indígena ser um saber de interpretação muito controversa, pois os índios não escreviam o que falavam, parece ser mais pertinente, neste caso, associar a
Mangaba a sua principal característica, que é o visgo pegajoso, registrado pelo tupinólogo
sergipano, do que associar a sua propriedade de ser agradável para degustar, uma vez que existem várias frutas em nossa região que também são “boas de comer”. Ademais, é sabido que os índios denominavam as coisas conforme sua propriedade mais característica. Portanto, seria mais plausível Mangaba significar “fruto pegajoso” do que “fruta boa de comer”.
Outra palavra do Glossário que alude a um atrativo turístico de Sergipe é “Abahy”, que se
tornou Abaís por um processo de mudança linguística, do tupi para o português, denominado
tecnicamente de paragoge ou epítese. Abahy é abonado por Armindo Guaraná como significando
“rio [ou lagoa] da gente ou do homem”. Assim, as atuais lagoas próximas à praia do Abaís, onde
turistas gostam de mergulhar, após o banho de mar, significaria “lagoa do homem”, ou seja, própria para o banho de pessoas, correspondendo a um costume que permanece neste atrativo do litoral sul sergipano.
Outro exemplo etimológico do Glossário, que também tem importância para o Turismo de
Sergipe, é a palavra “Aracaju”, capital e destino mais importante do Estado. Esse étimo é um
exemplo das controvérsias existentes na área. Armindo Guaraná, então, abona dois possíveis
significados: no primeiro, Aracaju significa, na língua aborígene, “lugar dos cajueiros”, ou
cajueiral, conforme Karl Friedrich Philipp von Martius (1794-1868), famoso naturalista que viajou
pelos sertões do Brasil, entre 1817 e 1819, pesquisando a fauna, a flora e os costumes das etnias
indígenas nacionais.
E o segundo significado no Glossário para “Aracaju”, é a conhecida expressão “cajueiro dos
papagaios”. As duas acepções são válidas, uma vez que elas correspondem à realidade do território onde foi assentada a nossa capital. Mas a acepção sobre a origem do nome Aracaju que ganhou popularidade, inclusive no âmbito do Turismo, foi a segunda. Talvez por apresentar um cenário mais idílico. Afinal, um cajueiro repleto de aves exóticas e coloridas tem mais apelo para acionar os sentidos dos visitantes.
Um outro importante termo para o Turismo local que está no Glossário é o “Caju”; símbolo
da capital do Estado de Sergipe. Armindo Guaraná assim a decompõe: Acã = fruto; yú = amarelo. Portanto, Caju significaria “fruto amarelo”, cor apropriada do Anacardium, pseudofruto do cajueiro, que é amarelo ou possui tonalidades dessa cor (rosada ou vermelha).
Para finalizar nosso exemplário de nomes de origem tupi contidos no Glossário de Armindo
Guaraná, e de interesse para o Turismo estadual, temos o termo “Sergipe”. Étimo que dá nome tanto ao nosso Estado, quanto ao rio que banha a capital. Sobre ele, Guaraná assim nos informa: “Cyri-gy-pe, no rio dos siris”. De fato, esse crustáceo ainda ocorre nas águas do rio que banha Aracaju e atravessa o Estado no sentido oeste/leste: desde o sertão até o oceano Atlântico.
Além da Mangaba, Abaís, Aracaju, Caju e Sergipe, outros topônimos de procedência
indígena estão registrados no Glossário de Armindo Guaraná. Esta obra é uma pequena jóia da
identidade indígena sergipana, pois é um acervo de nosso patrimônio linguístico ancestral. Ela deve interessar a professores, estudantes, moradores, visitantes e, especialmente, aos profissionais do Turismo, para que a hospitalidade oferecida aos visitantes seja eivada por informações de qualidade sobre bens e atrativos culturais, e para que a experiência do turista obtenha melhor sentido.
Por fim, o Glossário Etimológico dos Nomes da Língua Tupi na Geografia do Estado de
Sergipe, escrito há mais de um século, e quase completamente esquecido, ou pouco utilizado,
merece uma reedição, revisada e anotada, neste ano em que se comemora 200 anos de Emancipação Política de Sergipe. Tal reedição se justifica na medida em que facilitaria o acesso dos sergipanos ao Glossário de Armindo Guaraná. E, além disso, esta obra é uma ferramenta útil e basilar, tanto para o pesquisador quanto para os profissionais do Turismo. No entanto, ela ainda demora na velha Revista, de 1916, do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe.
Para Saber Mais:
– ALVES, Francisco José. Abaís: o que significa? Cinform. Aracaju, 03 a 09 de dezembro de 2001. p.2. (Caderno Municípios).
– BEAUREPAIRE-ROHAN, Henrique de. Dicionário de Vocábulos Brasileiros. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1889.
– GUARANÁ, Armindo. Glossário Etimológico dos Nomes da Língua Tupi na Geografia do Estado de Sergipe.
– RIHGSE. Aracaju, v. 3, fasc. 1-4, p. 297-326, 1916.
– MURTA, Stela Maris; ALBANO, Celina (Orgs.). Interpretar o patrimônio: um exercício do olhar. Belo Horizonte: UFMG; Território Brasilis, 2002.
– SAMPAIO, Teodoro. O Tupi na Geografia Nacional. 5. ed. SP: Editora Nacional; Brasília: INL, 1987.
– VON MARTIUS, K. Glossários de diversas línguas e dialetos que falam os índios no Império do Brasil. Erlangen [Deutschland]: Druck von Junge & Sohn, 1863.