A censura na UFS: Não houve fogueira de livros

Afonso Nascimento – Professor de Direito da UFS

Os regimes totalitários e ditatoriais tendem a usar, invariavelmente, a censura como recurso de dominação. As universidades são objeto do ataque da censura nesses regimes porque essas academias são instituições nas quais existe grande a circulação de ideias. Para os ditadores, as universidades são celeiros de formação de “agitadores”, “subversivos”, etc. Na UFS, as principais instituições encarregadas da censura eram a Assessoria Especial de Segurança e Informação (AESI) e setor da Polícia Federal.

A censura consiste em impedir a circulação de notícias, opiniões, valores, ideias sobre o estado de exceção e sobre a crítica social. Equivale a um cerceamento da liberdade de expressão. Informações que pareçam ser contra os estados de exceção e a criação de bens culturais têm de passar pelo crivo de censores que proíbem ou não a sua divulgação. Nesse pequeno texto, estou interessado aqui em relatar a censura dentro do campus da UFS durante o regime militar(1968-1985). Por onde começar?

Até o golpe militar de 1964, Bonifácio Fortes Neto era professor de Direito Constitucional na Faculdade de Direito da UFS. Depois de ler o conteúdo do Ato Institucional no. 01 declarou que não tinha mais o que ensinar na disciplina, que quebrara da ordem constitucional. Essa informação chegou ao 28º.BC. Por causa disso, o citado professor foi transferido para a cadeira Direito Administrativo. Sintetizando, nem o professor queria ensinar ficção constitucional, nem aos militares agradava a ideia do professor Bonifácio Fortes Neto ensinando a matéria mais política do currículo de Direito, sabendo que o professor não tinha simpatia pelos golpistas, especialmente depois de tomar conhecimento de sua declaração. Esse professor era juiz do trabalho e escrevera dois artigos em que mostrava, indiretamente, simpatia pelas reformas de base do presidente João Goulart.

O caso de Clara Angélica Porto é interessante. Ela tinha dezenove anos e era estudante da UFS, instituição em que fazia parte do primeiro Diretório Central dos Estudantes UFS (DCE), criado no mesmo ano em 1968. Ela ocupava o cargo de Diretora de Imprensa do DCE. Ao mesmo tempo que frequentava a UFS, ela trabalhava no jornal Gazeta de Sergipe como colunista social. Em 1968, ela foi convocada ao 28o. BC para prestar depoimento. Passou o dia inteiro no topo da “colina”. O militar que a recebeu, o major Bandeira, ao final da conversa, deu-lhe alguns conselhos. Ao tomar conhecimento do caso, o dono do jornal, Orlando Dantas, disse que, a partir de então, ele passaria a fazer a “revisão” de sua coluna na qual, aparentemente, temas diferentes da cobertura da dolce vita dos ricos e famosos eram abordados.

Fazendo um pequeno desvio, de acordo com os ex-jornalistas Paulo Brandão e Luiz Antônio Barreto, que trabalharam na Gazeta de Sergipe, o censor desse jornal era o major Raul, um militar que bebia muito e que, antes de desembarcar no jornal, tomava “todas” nos bares da vizinhança, entrava na redação do jornal e punha seu revólver sobre mesa, como forma de amedrontar aqueles que estivessem no local de trabalho.

O Festival de Artes de São Cristóvão (FASC) é o melhor exemplo da mais longa história da prática da censura dentro da UFS. Foram vinte e três anos. Inspirado em festival similar realizado em Ouro Preto, o FASC foi fundado por João Cardoso Nascimento Júnior em 1972, nos últimos dias de sua administração, mas começando a funcionar em 1973, com o reitor Luiz Bispo. Para sua realização, foi criada uma comissão organizadora (por algum tempo presidida por Albertina Brasil, freira dinâmica considerada esquerdista pela comunidade de informações) que recebia lista com a descrição dos trabalhos. A autocensura era por assim dizer inevitável para aqueles que submetiam suas obras ao FASC. Todos os trabalhos passavam pelo crivo da comissão organizadora, da ASI e de setor da Polícia Federal. Sob o controle da Polícia Federal, os trabalhos eram enviados primeiramente a Brasília e em seguida eram reexaminados pelos censores em Sergipe.

É sabido que jornais universitários têm vida curta. Na Faculdade de Direito da UFS circularam vários periódicos estudantis como, por exemplo, “O Academvs”, “A Verdade”, “O Rekado”, etc. Só posso dizer com certeza que “O Rekado” foi mandado fechar pela Assessoria Especial de Segurança e Informação. O ato de fechamento do jornal significou fazer calar estudantes de Direito que perdiam um meio de exercer a sua liberdade de expressão.

A censura existiu antes da fundação da UFS, em 1968, posto que, quando do golpe militar de 1964, já existiam seis escolas superiores ou faculdades. Mas é a partir da edição do AI-05 que ela passou a ser aplicada com rigor. Mesmo antes de 1978, com a revogação do ato de exceção, o clima universitário já vinha ganhando ares de liberdade com a reabertura do DCE em 1976. Com a fundação do sindicato dos professores universitários e dos servidores em 1979, a marcha vitoriosa pela democracia e pelo fim da censura não podia ser contida pelas forças do atraso.

PS: Para a redação desse texto foram consultados os seguintes autores: Carla Darlem Silva dos Reis, Mayra Cruz Alves, Mislene Vieira dos Santos, entre outros.

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