Ricardo Queiroz Gurgel – Professor Titular de Pediatria e Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da UFS
Acho que nenhum de nós imaginou que viveríamos uma situação como essa e passaríamos todas as situações incômodas, desgastantes e assustadoras que estamos passando em 2020. Quem imaginou que passaríamos 7 – 8 meses sem poder sair de casa, exceto para atividades mínimas e essenciais? Mas passamos e está melhorando!
Obviamente estou falando da COVID-19, mas as repercussões negativas em nossas vidas são muito maiores, incluindo o recrudescimento de doenças melhor controladas e o descontrole de outras melhor trabalhadas. Isso sem falar nas doenças crônicas que precisam de atenção continuada e no aparecimento de novos casos delas, principalmente o câncer, que precisa atuação rápida para um melhor resultado e possibilidade de cura.
Mas queria falar aqui especialmente das crianças que, se a COVID poupou de casos de maior gravidade, pois o número e proporção de casos graves sempre foi menor que nos adultos e, principalmente que nos idosos, agora estão sendo impedidas de desenvolverem a principal atividade que elas fazem e precisam fazer: voltar a ter aulas presenciais junto aos seus colegas e professores!
Os adultos, e até os vulneráveis idosos, estão podendo desempenhar suas atividades “quase” normalmente, mas não deixam as crianças e adolescentes fazerem o que precisam. Isso não se justifica por diversos motivos que vou enumerar (alguns) aqui. Esses argumentos que estão aqui resultam de evidências com sustentação estatística, avaliadas corretamente e sistematicamente.
Assim é que: 1) mesmo antes dos lockdowns que ocorreram em todos os locais, poucos surtos foram reportados em escolas 2) esses poucos surtos foram mais em escolas secundárias que nas elementares 3) quando esses surtos ocorreram, foram trazidos por adultos 4) a contaminação se dava principalmente de professores/funcionários para crianças que vice versa e muito menos de criança para criança 5) exames sorológicos epidemiológicos populacionais revelam menores positividades em crianças e adolescentes que nos jovens e, principalmente, adultos 6) repetindo, a COVID-19 costuma ser menos grave em crianças que em adultos e idosos 7) a transmissão em casos mais leves parece ser menor que nos casos graves 8) em surtos domiciliares em geral as crianças são as mais poupadas 9) surtos nas escolas são vinculados à carga de doença (número de casos) na sociedade 10) houve liberação de diversas atividades em todos os setores e somente as atividades escolares têm, ainda, as maiores restrições.
Mas porque a preocupação com a manutenção do fechamento das escolas? Principalmente porque as crianças são seres em desenvolvimento, com diversas fazes distintas, consecutivas e que não podem ser recuperadas quando perdidas. Quanto menores, maior o dano com a perda, trazendo déficits futuros imprevisíveis.
Fechar escolas afeta a equidade na educação e amplia as disparidades sociais, pois quem tem menor estrutura domiciliar, sofre mais, afetando o aprendizado. Há perda do suporte psicológico da escola e falta da interação com os pares (peers interaction), compartilhando atividades e amadurecendo as relações. Isso pode levar a distúrbios psicológicos importantes, tanto mais graves quanto menor a criança. Está relatado muito mais violência, agressões e exploração sexual de crianças e jovens junto com o isolamento social.
Há também comprometimento da atenção à saúde, restringindo a vacinação de rotina e dificultando a detecção e atendimento de outras doenças. Há comprometimento da alimentação, pois nas escolas se come melhor, de forma balanceada, que nesta situação de restrições. As escolas públicas neste caso são fundamentais, pois a manutenção da merenda escolar garante o necessário aporte alimentar que está faltando em casa. A restrição das atividades físicas também é prejudicial, pois favorece o acúmulo de peso, levando ao sobrepeso e obesidade precoces.
Precisamos, portanto, voltar as atividades escolares, restaurando à última “categoria” ainda não contemplada, a possibilidade de retomar suas atividades. Precisamos, claro, tomar todas as precauções para que sejam feitas com segurança e mantendo o uso de máscaras (sempre), distanciamento seguro e testagem rápida em casos suspeitos. Isso é fundamental!
Último argumento: somos o país que por mais tempo está fechando as escolas e países europeus que agora estão retornando a tomar medidas de lockdown, não estão fechando escolas. Primeiro restringem atividades menos essenciais, mas estão preservando as escolas. Por quê?
Nossas crianças nas escolas com todo o cuidado necessário, mas que seja logo!
Ricardo Queiroz Gurgel Professor Titular de Pediatria e Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da UFS.