Prof. Dr. Marcus Vinicius de Aragão Batista – Biólogo, Professor do Departamento de Biologia da UFS* e Prof. Dr. Márcio Roberto Viana Santos – Biólogo, Professor do Departamento de Fisiologia da UFS**
Com o avanço da tecnologia, a utilização de computadores para a modelagem molecular se tornou ferramenta fundamental no estudo das ciências biológicas e da saúde. Uma das aplicações mais utilizadas é na descoberta de novos fármacos para o tratamento de diversas doenças. Sua importância nas ciências e na indústria farmacêutica deve-se principalmente ao fato dela permitir avanços nesta etapa com rapidez e baixos custos.
As ferramentas computacionais, utilizadas na modelagem molecular, permitem criar e/ou determinar, com alto grau de fidedignidade, a estrutura tridimensional (3D) de qualquer substância, incluindo entre elas os potenciais fármacos. Com isso, podemos prever as principais características dessas moléculas e as maneiras como elas interagem com o nosso corpo. Este processo é denominado de desenho racional de fármacos.
Neste processo, a etapa inicial é a construção da estrutura molecular das substâncias candidatas a fármaco, seguida pela análise de bancos de dados de estruturas químicas de substâncias já conhecidas, para estimar, através de comparação, suas principais características. Numa segunda etapa, são criados modelos 3D dos possíveis alvos para o fármaco. Estes alvos são normalmente proteínas celulares, tais como receptores e enzimas, mas também podem ser material genético, como os Ácidos Ribonucleico (RNA) e Desoxirribonucleico (DNA). Os modelos para estes alvos são, comumente, feitos a partir da comparação com outras proteínas que apresentam estrutura e função similares e já tiveram suas estruturas determinadas experimentalmente por técnicas de cristalografia de raio X ou ressonância magnética nuclear. Finalmente, utilizando a técnica de ancoragem molecular (docking), é possível simular e avaliar a interação entre o fármaco e o seu alvo.
Na prática, por exemplo, esta técnica pode identificar de forma rápida e precisa, entre tantas substâncias possíveis, aquela que é capaz de se ligar a uma proteína específica de um patógeno (agente causador de doenças) e bloquear o seu ciclo de vida, acarretando sua morte.
Além da redução de custos e de tempo no processo de descoberta de novos fármacos, estas técnicas diminuem o uso de animais de laboratório nas etapas de triagem cega (testar várias substâncias em animais, para se descobrir aquela com a atividade almejada). Por conta disto, os institutos de pesquisa, as universidades e, principalmente, a indústria farmacêutica têm investido muitos recursos na modelagem computacional, entretanto, deve-se ressaltar que o estudo computacional não substitui o estudo com animais, mas são complementares.
Para darmos um exemplo da importância das técnicas de modelagem molecular computacional na ciência mundial, podemos citar aqui o caso de sucesso da descoberta dos antirretrovirais para tratar a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) causada pelo vírus HIV. Como bem documentado, ao logo dos seus 40 anos de existência, a AIDS foi responsável pela morte de milhares de pessoas em todo mundo. Com o uso da modelagem computacional, em meados dos anos 90, foi possível, descobrir os antirretrovirais inibidores de proteases, uma importante proteína responsável pela replicação (“reprodução”) do HIV. A partir da aprovação destes novos medicamentos, e o surgimento do “coquetel antiaids”, as mortes associadas à AIDS foram drasticamente reduzidas. Além disso, a modelagem computacional contribuiu, nos anos posteriores, para a descoberta de outros novos antirretrovirais, mais modernos e mais eficientes, como o ritonavir, lopinavir, indinavir, entre outros.
Nesta mesma temática, a Universidade Federal de Sergipe (UFS) tem se destacado no desenvolvimento de importantes pesquisas multidisciplinares envolvendo a Bioinformática, Modelagem Computacional, Farmacotécnica e Farmacologia. Dentre estas, podemos citar os estudos com formulações farmacêuticas contendo limoneno, farnesol e acetato de hecogenina para tratamento de doenças cardiovasculares e dor musculoesquelética, respectivamente, os quais foram recentemente publicados em renomadas revistas científicas internacionais, e os estudos acadêmicos de análise estrutural e prospecção in silico de compostos potencialmente inibitórios para a oncoproteína E6 de papilomavírus humano de alto risco e, por fim, um estudo para identificar grupos farmacofóricos em flavonoides com potencial antimalárico.
Diante disto, podemos concluir que a modelagem computacional é uma ferramenta imprescindível para a redução no tempo e custo da descoberta de novos fármacos e que a continuidade destes estudos pela UFS será de suma importância para a descoberta de tratamentos para doenças crônicas, como as cardiovasculares, oncológicas e infecto-parasitárias, como o HPV e malária.
*Professor dos Programas de Pós-Graduação em Biotecnologia (PROBIO e RENORBIO) e em Biologia Parasitária (PROBP).
** Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde, Bolsista de Produtividade 1C do CNPq.