Amâncio Cardoso – Professor dos Cursos de Turismo do IFS
Francisco José Alves – Professor do Departamento de História da UFS
Não é grande o repertório de estudos sobre engenheiros e arquitetos que atuaram em Sergipe nos séculos XIX e XX. Em meio a essa lastimável escassez, destaca-se uma recente exceção: a dissertação de Carlos Cesar Menezes Maciel Filho sobre a obra de Hermann von Altenesch, intitulada “Altenesch: técnica, estética e modernidade na arquitetura de Aracaju nos anos 1930”. Altenesh ficou conhecido no campo da construção em Aracaju por algumas edificações significativas, dentre elas: o Palácio Serigy, o Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe e o Corpo de Bombeiros de Sergipe.
A dissertação foi defendida no núcleo de pós-graduação da UFBA, em setembro de 2018. O autor é aracajuano, graduado em arquitetura e urbanismo pela UNIT, especialista em arquitetura e iluminação e, com esse trabalho, tornou-se mestre em Arquitetura e Urbanismo. Como pesquisador, Maciel Filho se interessa por projeto, história e teoria da arquitetura. Ele é professor da FANESE, das disciplinas de história da arquitetura e urbanismo, e de projeto de interiores.
Em seu estudo, Maciel Filho investiga a trajetória e a atuação do construtor alemão Hermann Otto Wilhelm Arendt von Altenesch (1901-1940), no que concerne a sua ação e interferência no âmbito da arquitetura residencial, pública e institucional em Aracaju, entre 1933 e 1939. Seu objetivo é compreender as características das intervenções de Altenesch como supostos vetores centrais na renovação e formatação da modernidade arquitetônica de Aracaju, naquela época. Neste sentido, o autor busca responder se Altenesch teria aderido, ou não, em sua arquitetura, às proposições das várias modernidades vigentes.
O estudo divide-se em 5 partes: uma introdução com objeto, objetivo, justificativa, hipótese, teoria, metodologia e revisão da literatura. No primeiro capítulo, o autor apresenta uma trajetória biográfica de Altenesch. No segundo, ele analisa sua arquitetura residencial. Já no terceiro, continua a análise, mas dessa vez de sua arquitetura institucional. E, por fim, uma conclusão, seguida de anexos, apêndices e referências.
No início da dissertação, Maciel Filho revisa a literatura sobre seu objeto, e conclui que há carência de estudos sobre o conjunto da obra, e de uma abordagem integrada dos projetos ou objetos arquitetônicos de Altenesch, e de sua vinculação com a cidade, que tratassem de questões sobre espacialidade, técnica e aporte estético. Essa lacuna o autor se propôs a preencher com dados empíricos, tanto sobre projetos de autoria de Altenesch quanto os atribuídos a ele.
Para responder a essa problemática, o autor se vale de diversas fontes e uma abrangente bibliografia pertinente ao objeto. Neste sentido, arquivos públicos e privados, nacionais e internacionais; bibliotecas digitais e físicas; institutos e sites de pesquisa; hemerotecas e entrevistados foram minuciosamente consultados. Desse modo, examinou-se com argúcia fontes orais, manuscritas e impressas, tais como: fotografias, periódicos (jornais, revistas e almanaques), relatórios, recibos, cadastros, posturas, plantas, projetos e testemunhos orais. Através dessas fontes, Maciel Filho compõe com maestria a contribuição de Altenesch para a reconfiguração arquitetônica de nossa capital.
Para analisar os diversos documentos consultados, o autor utilizou o chamado método indiciário de Carlo Ginzburg. Através dele, busca examinar traços biográficos, “pegadas”, sinais e indícios, tentando vencer a opacidade do passado, para vislumbrar centelhas da atuação de Altenesch como arquiteto e engenheiro em Aracaju.
Para compreender a obra do arquiteto alemão, o autor se vale das categorias de análise propostas por Kenneth Frampton – arquiteto, crítico, historiador e professor inglês nascido em 1930 -, que propõe uma análise comparativa de obras arquitetônicas modernas.
Porém, Maciel Filho adaptou o método do professor anglicano para seu objeto, perfazendo uma análise para cada obra de Altenesch, em vez de pares de tipologias similares e associadas a padrões ideológicos diferençados entre si. Dessa maneira, ele compara as obras observando semelhanças, especificidades e generalidades, que indicassem a presença de “modernidades” técnicas e estéticas, e o trato com a espacialidade, para assim perceber princípios que teriam norteado o que há de universal e de peculiar na obra do citado arquiteto.
A abordagem é guiada pelo conceito de “modernidades”, pois o autor compreende que a obra de Altenesch se configura numa das modernidades possíveis e particulares, expressa nas soluções espaciais, técnicas e estéticas, no contexto de Aracaju dos anos de 1930, que se convencionou denominar de Art Déco.
O autor também se vale do conceito de “mônada” para interpretar seu objeto. Mas este conceito foi criado pelo filósofo Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716), e não por Walter Benjamim (1892-1940), como está na dissertação. Com esse conceito, Maciel Filho busca entender os tensionamentos entre obra individual e seu contexto no âmbito da criação em arquitetura. Assim, o pesquisador inscreve as obras de Altenesch num quadro de pluralidades de experimentações e expressões estéticas, que também se propunham modernas, em um cenário de novidades, em que a linguagem hoje conhecida como “modernista” era apenas uma das diversas possibilidades de “modernidades” do período. Portanto, o autor situa as obras “alteneschianas” como representativas da diversidade do fazer arquitetônico no Brasil, durante a primeira metade do século XX.” (p. 309).
Apesar da pluralidade das propostas arquitetônicas de Altenesch, o autor visualiza elementos ornamentais, soluções espaciais e estruturais recorrentes nas construções do alemão, indiciando um fio condutor no conjunto da sua obra. Tais elementos, no que concerne à ornamentação, são: uso de apliques volumétricos em argamassa (angulosos ou convexos), delimitando faixas horizontais; uso de meias-luas preenchidas nas platibandas e nas muretas; uso de barras cilíndricas de ferro; abaulamento das arestas das paredes, e do encontro entre tetos e paredes; presença de pequenas passagens de ventilação sobre as vergas de portas e no alto da parede entre alguns cômodos.
O autor também considera outro aspecto da obra de Altenesch em Aracaju, ou seja, o uso do concreto armado. Neste ponto, o autor encontra as seguintes recorrências: marquises aerodinâmicas apoiadas por mãos-francesas; vigas com reforço por mísulas; lajes projetadas sobre as fachadas ou com vigas de apoio aparentes de distribuição radial nas fachadas. Para Maciel Filho, alguns desses elementos, além de potencialidade estética, possuem também poder simbólico, porque “parecem informar a quem os contempla a vinculação daqueles edifícios à modernidade.” (p. 310)
Apesar de seu feitio acadêmico, a obra de Maciel Filho sobre a arquitetura de Altenesch em Aracaju pauta-se por uma escrita clara e fluente. A sua leitura destina-se à arquitetos, historiadores, antropólogos, urbanistas, etc, interessados pelos aspectos arquitetônicos de Aracaju.
O trabalho também se destaca pelo cuidado em evitar rotulações apressadas sobre a obra aracajuana de Altenesch. Assim fazendo, ele procura na própria obra do arquiteto as respostas quanto à vinculações estéticas. Por suas qualidades, a dissertação de Carlos Cesar Menezes Maciel Filho merece virar livro, enriquecendo a bibliografia sobre a capital de Inácio Barbosa.