Afonso Nascimento
Professor de Direito da UFS
Este pequeno texto sobre os partidos políticos sergipanos reúne ideias extraídas e trabalhadas de obras de Ibarê Dantas e Terezinha Oliva sobre o assunto, bem como observações nossas anotadas aqui e ali ao longo de nossa vida acadêmica. Para início de conversa, queremos dizer que não pode existir democracia sem partidos políticos, mas que existem partidos sem democracia. Esse é bem o caso da vasta história dos partidos políticos sergipanos. Temos tido muitos partidos políticos na maior parte de nossa história, mas nossa experiência democrática é precária e deficiente e cobre apenas dois períodos, a saber, de 1946 a 1964 e de 1985 até o golpe de 2016.
Desde o século XIX, os sergipanos começaram a conviver com a noção de partidos políticos, os quais podemos classificá-los como partidos escravistas e monarquistas (as duas agremiações vigentes durante o Império) e partidos com e sem democracia, criados, extintos, incorporados e fundidos aos montões com o advento do trabalho livre e com o desenvolvimento da república (termo aqui oposto a monarquia) até hoje em dia. Em 2018, são mais de trinta partidos políticos em Sergipe para uma população de pouco mais de dois milhões e mais de um milhão e meio de eleitores. É muita oferta de partidos! Se eles correspondessem a correntes da opinião pública e de interesses da maioria da população da sociedade civil, até que seria bom. Mas que nada! Esses agrupamentos políticos não fazem a mediação entre a sociedade civil e o Estado em Sergipe. Esse é o seu problema crônico e, por conseguinte, como partidos querem dizer representação política só um pouco próxima da população, isso explica a dissociação e o fracasso entre partidos políticos e democracia em Sergipe.
Os partidos escravistas Conservador e Liberal foram impostos pelo Estado unitário monarquista. As províncias, como Sergipe, não tinham senão que adotá-los. Com emergência do Estado federal, as unidades federadas ganharam o direito de criar os seus próprios partidos, de forma descentralizada. Então ocorreu uma farra de partidos estaduais e Sergipe não ficou fora desse movimento que também revelava muita instabilidade política. Eis aqui a lista a nossa lista de partidos de 1888 até 1930: Partido Republicano, Partido Católico, Partido Nacional, Partido Democrata, Partido Republicano Democrata Sergipense. Partido Republicano Federal (Pebas e Cabaús), Partido Republicano Sergipense, Partido Constitucional Sergipano, Partido Progressista, Partido Republicano de Sergipe, Partido Republicano Conservador, Partido Republicano Conservador Sergipense, Reação Republicana, Partido Republicano de Sergipe, Coligação Sergipana e Aliança Liberal.
Nos quinze anos do regime autoritário de Vargas, novos partidos foram criados (União Republicana de Sergipe, Partido Social Progressista, Liberdade e Civismo, Partido Social Democrata de Sergipe, Aliança Proletária de Sergipe, Partido Republicano de Sergipe, Ação Integralista Brasileira e Aliança Nacional Libertadora), mas essa tentativa de vida partidária não poderia dar certo. Foi aí que Vargas, à maneira de Otto von Bismarck na Alemanha, transformou um Estado fragmentado e ingovernável num Estado Nacional, de cima para baixo, com mão de ferro. Quando foi deposto em 1945, surgiram os primeiros partidos políticos nacionais: Partido Trabalhista Brasileiro, Partido Social Democrata, União Democrática Nacional, Partido de Representação Popular, Partido Socialista Brasileiro, entre outros). Partidos com direção nacional, direção estadual e direção municipal. Tudo muito bem centralizado. Para concluir essa digressão histórica, acrescentaremos que Sergipe teve, como o Brasil, um “sistema” monopartidário (Partido Republicano Conservador de Sergipe – PRCS – na dita República Velha por algum tempo), dois sistemas bipartidários (Império e Ditadura Militar), sendo os demais cinco multipartidários.
Nada tem de surpreendente a afirmação de que as cúpulas partidárias sergipanas sempre estiveram sob o controle de pessoas oriundas das classes proprietárias e de setores médios a elas ligados. Quando ausentes do grupo das elites dirigentes dos partidos, as classes predominantes têm financiado e influenciam mandatos – o que torna sempre tênue a fronteira entre a economia e a política em Sergipe. É inegável que, com o “boom” de partidos políticos desde a década de 90 do século passado, houve uma certa popularização na composição social das cúpulas, bem como nos detentores de cargos eletivos e de cargos por nomeação. Não são poucos os partidos que, atualmente, são controlados por setores médios e populares em processo de mobilidade social. Isso parece resultar de regras eleitorais que incentivam a participação de puxadores de votos como radialistas, sindicalistas, pastores evangélicos, entre outros.
Além dessa natureza classista dos partidos políticos sergipanos historicamente pensados, autores já destacaram a forte presença de grupos familiares acoplados às estruturas partidárias. Estamos pensando nos artigos do jornalista Joel Silveira e notadamente do jurista Bonifácio Fortes. Essa característica familiar dos partidos políticos e da política existe em todo o Brasil, mas pesquisas mostram que isso acontece sobretudo no Nordeste.
Em relação às ideologias dos partidos sergipanos, esse é um assunto para quem se interessa por ficção científica. As exceções estão historicamente nas agremiações de direita (integralistas) e de esquerda (PCB, PTB, PT) e de extrema-esquerda (PSTU, novo PCB, PSOL, etc.). Os partidos vivem da competição eleitoral por votos, por mandatos, por cargos na máquina administrativa estatal e o que mais dela podem extrair. Eles têm sido, grosso modo, partidos catch all, ou seja, partidos que buscam votos não importando de que grupo, segmento e classe social venham. A baixa escolaridade e, desta derivada, a precária formação política apesar de quase dois séculos de vida partidária e a extrema dependência econômica da maioria de nossa população só fazem reforçar esse tipo de agremiação partidária.
Os nossos partidos políticos sergipanos têm sido institucionalmente frágeis, personalizados, com donos e com processos decisórios internos muito pouco ou não democráticos. É impressionante com as direções partidárias são trocadas com tanta facilidade com ou sem intervenção das cúpulas nacionais. O que será que preveem os estatutos desses partidos? Praticamente essas agremiações políticas só funcionam em períodos eleitorais com convenção, com assembleias, com seleção de candidatos, com prazos para desincompatibilização, etc. – como escreveu Bonifácio Fortes sobre os partidos sergipanos na década de 1960. Isso mudou um pouco, até por conta das demandas da Justiça Eleitoral. Em muitas cidades do interior, as sedes dos diretórios são as casas dos presidentes ou de lideranças municipais das legendas.
Embora os filiados sejam uma exigência legal, os partidos pouco precisam deles. Com efeito, não são os filiados que financiam as despesas dos partidos. Mais precisamente, são os contribuintes sergipanos e brasileiros – através do Estado Federal – que pagam as contas dos partidos (burocracia, etc.), os salários dos políticos, dos assessores individuais e nas casas legislativas as renúncias dos programas de TV e de rádio; e que, através dos partidos, distribuem, com critérios imprecisos, as verbas do Fundo Partidário (e a partir de 2018 do Fundo Eleitoral) entre candidatos. Uma beleza! Isso faz com que os partidos sejam instituições estatais e não da sociedade civil sergipana. A essa forma de financiamento soma-se aquela, mais tradicional, oriunda de doações individuais e doações empresariais. Estas últimas agora estão proibidas legalmente. Mas quem ou o que impedirá que o financiamento empresarial seja mantido nesse país continental com mais de cinco mil municípios e com uma cultura de pouca fiscalização e de baixa aplicação da lei?