Alexandre de Jesus dos Prazeres*
Bacharel em Teologia, Mestre em Ciências da Religião e Doutor em Sociologia
O direito da população escolher através do voto os seus representantes para ocupar funções na estrutura do Estado é algo que faz parte do processo democrático. Todavia isto somente não basta para garantir força e estabilidade a democracia em um país.
Eleições democráticas se constituem apenas no começo. Além destas, é necessário que as instituições para as quais os representantes são eleitos cumpram com o seu propósito, funcionem de acordo com a missão que lhe está destinada pelo aparato jurídico que ordena o Estado.
É no que se refere a este particular que podemos identificar fragilidades na democracia do Brasil. Exemplos nos ajudarão a entender isto melhor. A moderna teoria de Estado o concebeu através de mecanismos constitucionais cujo objetivo é vetar o exercício arbitrário e ilegítimo do poder, desencorajar o abuso e o exercício ilegal do poder. O Estado moderno é um Estado de Direito, leis regulamentam o seu funcionamento. Segundo Norberto Bobbio, os mecanismos mais importantes nesse processo são: 1) o controle do Poder Executivo por parte do Poder Legislativo, um parlamento ao qual compete legislar e oferecer orientação política; 2) o controle, quando necessário, do Poder Legislativo por parte de uma corte jurisdicional a quem se pede a verificação da constitucionalidade das leis; 3) autonomia relativa dos governos locais em todos os seus graus e formas com relação ao governo central; e 4) uma magistratura independente do poder político.
Os mecanismos listados acima exemplificam os objetivos estabelecidos jurídica ou constitucionalmente para importantes instituições do Estado. Todavia para entendermos melhor as fragilidades da democracia brasileira atentemos para alguns exemplos. Comecemos com o Poder Executivo, visível principalmente na figura do Presidente da República. No Brasil, nos últimos tempos, caminhos foram abertos para personalidades populistas e anseios messiânicos por parte da população. Neste cenário, o brasileiro comum se conforma em depositar suas esperanças em líderes políticos autoritários que se apresentam como modelos de virtude e que estão dispostos a utilizar a força para resolver os problemas do país. No legislativo, deputados e senadores que ao invés de atuar para atender anseios da população buscam meios de garantir interesses pessoais, partidários, das bancadas que se formam para pressionar o Executivo e o tornar refém. São ágeis em legislar em causa própria e em atrasar processos legislativos com o intuito de negociar benefícios para si. O exemplo mais claro disto está na atuação já de longa data do Centrão. Essas negociatas também afetam as escolhas de ministros para a Suprema Corte do país e do Procurador Geral, quando nomes são indicados e o Senado não cumpre devidamente o seu papel ao sabatinar os candidatos.
Além disto, ainda no tocante ao populismo se percebe, por parte de alguns brasileiros, uma ansiedade por entregar o destino do país a líderes autoritários e supostamente vituosos. Testemunhamos com maior frequência nos últimos tempos quem deseje intervenção militar nos termos do AI-5, fechamento do Congresso Nacional e do STF, em outros termos, ditadura. Estas foram algumas das reivindicações feitas nos Atos Anti-democráticos pró-Bolsonaro em 2020. Manifestações cujos articuladores e principais beneficiados estão sob investigação por atentarem contra a ordem democrática do país.
Porém a ameaça mais recente a democracia brasileira está em pleno curso e, mais uma vez, protagonizada por Bolsonaro e apoiadores. O esforço por colocar em dúvida o processo eleitoral que tem sido realizado no Brasil nas últimas décadas. Isto tem sido feito por meio de declarações sem provas sobre casos de fraudes relacionadas as urnas eletrônicas, exigência do retorno do voto impresso e da suposição de que se Bolsonaro não for eleito em 2022, as eleições foram fraudadas. Isto tudo é muito complicado, pois revela indícios de um esforço por parte de Bolsonaro por inflamar os ânimos dos seus apoiadores o que pode resultar em reações violentas por parte destes.
Poderíamos continuar expondo outros exemplos, mas vamos concluir com o problema da politização das Forças Armadas realizadas pelo governo Bolsonaro. A ironia é que os seus apoiadores numa paranóia anti-comunista levantam bandeiras da Escola Sem Partido enquanto o governo leva o partido para dentro dos quartéis. As Forças Armadas são instituições de Estado e não de governos, e este tipo de gesto por parte do governo Bolsonaro objetiva produzir confusões acerca da missão constitucional destas instituições.
*Docente permanente do Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião (PPGCR/UFS)