Chico Ramos, um indivíduo enigmático

Afonso Nascimento
Professor de Direito da UFS

Francisco Augusto Ramos é o sergipano de Propriá que estava na condição de secretário da Ala Jovem do MDB, quando ocorreram prisões de alguns de seus membros, em 20 de fevereiro de 1976, numa operação realizada por militares vindos de Salvador e que ficou conhecida como “Operação Cajueiro”. Era primo do falecido comunista Jackson de Sá Figueiredo. Fez o curso da Associação de Diplomados da Escola Superior(ADESG) quando se transferiu de Aracaju para Palmas, no Tocantins.

Ele tem um longo histórico de militância política, primeiro estudantil e depois partidária. Foi filiado ao MDB a partir de 1974 e depois ao PDT até hoje. Frequentou o Atheneu Sergipense mas não mencionou se teve qualquer militância secundarista. Enquanto estudante da Faculdade de Direito, foi duas vezes candidato ao Centro Acadêmico “Sílvio Romero”, perdendo os dois certames para Waldir Nascimento e em seguida para Leopoldo Souza. Na primeira competição, em 1973, seu companheiro de chapa foi Carlos Alberto Menezes, além de Nílton Vieira Lima, Edson Ulisses, Cláudio Déda Chagas, Clóvis Barbosa etc.

Trabalhou no Banco do Brasil, enquanto era secretário da juventude emedebista. Também escreveu para os jornais sergipanos Gazeta de Sergipe (64-65), Tribuna de Aracaju(1981) e Jornal de Sergipe (1991 a 1992). Segundo ele, esse agrupamento político inicialmente contou com o maior apoio de Humberto Mandarino e não de José Carlos Teixeira, presidente do MDB, que temia que a presença do Partido Comunista Brasileiro (ou Partidão) pudesse atrair repressão política para o MDB. Uma vez acertada a Ala Jovem, José Carlos Teixeira nunca deixou de prestigiar o setor jovem, sempre que procurado. A Ala Jovem do MDB tinha sua sede no edifício da Sociedade de Cultura Artística de Sergipe (SCAS), órgão cultural fundado por José Carlos Teixeira, situado na rua São Cristóvão com a avenida Rio Branco.

As reuniões da Ala Jovem aconteciam às quintas-feiras lá pelas 20 horas e Chico Ramos sempre era o primeiro a chegar e o último a sair, posto que as chaves para entrar no edifício e para abrir a sala de reuniões ficavam com ele. Para ele, a Ala Jovem era composta de jovens idealistas universitários de classe média, “que também atuavam politicamente no movimento estudantil, na área social, na esportiva e no movimento sindical, diretamente ou por intermédio de não filiados ao antigo partido de esquerda até então forçado a se manter na clandestinidade”. A maioria deles frequentava a Faculdade de Direito, destaca Chico Ramos, esquecendo-se dos estudantes de Economia como Antônio José de Góis, o burocrata Josué Passos Subrinho, Raimundo, Camu, etc. e estudantes de outros cursos. Chico Ramos erra quando afirma que os comunistas não participavam das reuniões, esquecendo-se que, sem falar de outros nomes, todos os estudantes de Economia citados até agora mencionados eram comunistas. A sua memória pode tê-lo traído aqui – algo antecipado por ele mesmo.

As pequenas despesas do grupo de jovens políticos eram rateadas entre os seus membros, enquanto gastos com viagens, palestras, entre outros, ficavam por conta da direção do MDB, que os bancava. Enquanto secretário, era Chico Ramos quem redigia as atas, um posto de muito poder. Segundo ele, escrever atas não era problema, o que “pegava” era encontrar gente para assiná-las. Nem todo o conteúdo das reuniões ia para o livro de atas, naturalmente, mas somente os assuntos mais burocráticos. Ninguém era maluco em produzir provas contra si próprio, na sua opinião. Ainda sobre o livro de atas, disse que ele desapareceu depois das prisões, não ficou ele. Como assim?

Em 1976, quando das prisões, Chico Ramos, já era graduado em Direito, fazia o curso de Medicina da UFS e nada diz que se concluiu essa segunda graduação. Provavelmente não. De acordo com ele, o número de membros da Ala Jovem não era grande e isso não tinha importância. A qualidade era mais importante do que a quantidade. E a Ala Jovem tinha grandes quadros como Carlos Alberto Menezes, Walter Calixto, Francisco de Assis Dantas, Nílton Vieira Lima, Elias Pinho, Agamenon de Araújo Souza, etc. É interpretação minha afirmar que Chico Ramos não nutria simpatia por Agamenon de Araújo Souza, o qual, durante o período das prisões – escreveu Chico Ramos – foi se esconder em Aquidabã e, não sendo muito bem recebido por seus familiares, retornou logo a Aracaju para matar a saudade da praia de Atalaia. Fiquei sem entender bem essa parte. O que ele que ele quis dizer?

Passado o período das prisões, aqueles membros da Ala Jovem que não foram detidos continuaram um tanto desnorteados. Chico Ramos, em minha opinião, mostrou uma grande solidariedade para com esses correligionários, prontificando-se a ir ao 28 BC, ir à casa do comandante do quartel do Exército, ir a uma delegacia de polícia para registrar certa ocorrência, mesmo que essas ofertas não tenham sido concretizadas. Uma atenção especial pareceu ser dada a Francisco de Assis Dantas, mas também fez visita a Carlos Alberto Menezes quando este foi libertado. Entretanto, considero que foi um pouco exagerado ao declarar ter ido à ponte ligando Aracaju a Socorro para considerá-la rota de fuga, uma vez que já se sabia que os militares tinham buscado comunistas e aliados dos comunistas na Ala Jovem e só prenderam dois estudantes de Direito, ou seja, Carlos Alberto Menezes e Elias Pinho.

Imediatamente depois das prisões manteve contato com José Carlos Teixeira na Sorveteria Cinelândia, local em que essa liderança política se deliciava com um sorvete e lhe disse que, como deputado federal, faria discurso na segunda-feira seguinte na Câmara de Deputados denunciando os fatos ocorridos. Além da OAB, Chico Ramos também entrou em contato com o reitor Luiz Bispo, indo até a sua casa. Contou-lhe o que tinha acontecido e este, na sua frente, telefonou para Hélio Leão, o assessor de segurança do SNI na UFS. O reitor ouviu o relato de Hélio Leão, relatou com mais detalhes ao visitante inesperado o que tinha se passado e pediu a Chico Ramos que se retirasse para que ele pudesse receber o assessor de segurança e informação que já se dirigia até a sua casa.

Certa vez, Chico Ramos disse ter sido procurado pelo rico fazendeiro, desembargador do Tribunal de Justiça de Sergipe e professor da Faculdade de Direito Belmiro da Silveira Góis que andava tendo problemas com o chefe de segurança e informação da UFS. Hélio Leão queria saber do professor como era possível que Jackson de Sá Figueiredo estivesse ao mesmo tempo na União Soviética e em Sergipe frequentando o seu curso na faculdade e sem nenhuma falta. Ele orientou o magistrado a dizer que não fazia chamada nos cursos que ministrava. Por que um magistrado procuraria um estudante de Direito para obter uma tal orientação?

Chico Ramos nunca foi preso, torturado, ou intimado para prestar depoimento. “Não fugi e me escondi por pouco tempo, não mais do que algumas horas”. Para ele, a Ala Jovem teve dois grupos, isto é, o grupo dos comunistas e depois o grupo de Jackson Barreto, que impôs o nome de seu irmão Genelício Barreto como candidato a vereador, considerando que, dizendo-se ser arrimo de família, e com medo de ter o seu mandato de deputado estadual cassado, poderia deixar sua família em apuros financeiros.

O secretário da Ala Jovem do MDB sergipano afirma que “sempre tive informantes, mas nunca fui um deles”, ou seja, nunca foi dedo-duro de qualquer comunidade de segurança e informação, mas escreveu que tinha informantes em diversas instituições. Escreveu a palavra informantes sem aspas e a repetiu assim várias vezes – com o que cria uma imagem enigmática ou misteriosa para si. Quando a gente soma essa declaração ao fato de ele dizer que tinha a sensação de que estava sendo seguido, pois conhecia bem policiais não fardados pelo modo de trajar, pelo modo de andar, pelo modo de olhar e de falar. Como se deu esse aprendizado? Observando regularidades?

O quase octogenário (15/12/1940) Chico Ramos expõe que tinha informantes na UFS (“Hélio Leão havia se tornado meu informante, depois de uma conversa que tivemos, eu, o Reitor e ele, na Reitoria”), Carlos Gomes Carvalho Leite em Estância que era a segunda pessoa na Subcomissão Geral de Investigação (CGI), o magistrado Luiz Garcez Vieira, o filho do ex-diretor da Escola Industrial de Sergipe Almério Rodrigues,  um delegado de polícia e colaborador do SNI que dividia uma amante com um membro da Ala Jovem, um tenente do Exército que assumiu as prefeituras no lugar de Paschoal Nabuco em Estância e de Francisco Estrela Dantas em Indiaroba; também tinha informantes no Sindicato dos Bancários, no Banco do Brasil na pessoa de Fernando Machado Tiúba; não teve informantes na UNIT de Joubert Uchoa, mas, sim, no Conselho Federal da OAB, no Tribunal de Justiça do Tocantins, no Ministério Público Federal, na Justiça Federal, e até  no Banco do Brasil através de seu presidente. Name droping para mostrar-se importante? Gabolice? Em outro documento escrito por ele e a mim dirigido, ele diz com todas as letras que o delegado de Polícia Cícero Prentice Barbosa Junior e o também delegado e depois promotor Heleno Ávila dos Santos Silva eram ambos do Serviço Nacional de Informações (SNI). Menciona o nome de Osório de Araújo Ramos como alguém com quem também conversava no sítio de Costinha em Estância, mas não menciona a palavra informante.

Antes de concluir esse pequeno texto, devo dizer que a iniciativa de escrevê-lo partiu de mim, aproveitando-me do fato de que “somos amigos de Facebook”. Pensei comigo que a pessoa que era secretária da Ala Jovem naquele tempo de prisões e torturas devia saber muito sobre os militantes, ele próprio um deles, e a instituição da Ala Jovem. A minha ideia era escrever sobre a Ala Jovem e outros temas de vida pública desse funcionário público sergipano aposentado e expatriado no estado de Tocantins. Esse político sem mandatos políticos que reivindica ser descendente da aristocracia rural sergipana, tinha e ainda tem muito o que contar e, aparentemente, possui muitos documentos a que não tive acesso, mas isso implicaria escrever um livro biográfico. Espero ter podido transcrever para o leitor o que ele escreveu para mim, a quem agradeço a confiança em mim depositada.

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