Antônio Carlos Sobral Sousa
Médico e professor Titular da UFS
Quem mora no litoral pode apreciar, diariamente, o airoso ritual das marés, provocado pelo avançar e recuar das águas do oceano. Este ciclo, de preamar (maré alta) e de baixa-mar (maré baixa), que se repete a cada seis horas, decorre das forças gravitacionais exercidas pelo Sol e pela Lua, sobre a Terra. Conversando com o colega e amigo, José Augusto, surfista nas horas vagas, cada vez mais raras, graças ao seu dedicado trabalho no enfrentamento da pandemia, ele ressaltou, ainda, dois outros fenômenos, observados nos oceanos: as ondas, que constituem deslocamentos causados pelo vento, soprando sobre a superfície das águas e o backwash, que acontece quando as ondas, que batem na praia, retornam em direção ao fundo do mar, se chocando com aquelas que estão quebrando, gerando, por conseguinte, uma espécie de explosão, jogando água para o alto e, normalmente, desequilibrando o infortunado surfista que está na onda. Muitos desavisados já perderam bens e, até, a própria vida, por desrespeitar estas leis da Natureza.
Estamos vivenciando a segunda onda da Covid-19, com características bem diferentes da primeira, provavelmente, porque a cepa brasileira do SARS-Cov-2, também conhecida como “P1”, de maior poder de transmissão e agressividade, é a predominante em nosso País. Tem sido observado que os pacientes acometidos por esta nova variante, exibem evolução mais rápida para formas graves de insuficiência respiratória aguda, necessitando de cuidados intensivos e, muitas vezes, de intubação endotraqueal para assistência ventilatória mecânica. Fica fácil entender que, doentes mais graves, são mais sucessíveis a complicações de diversas grandezas, implicando em maior tempo de permanência nas unidades de terapia intensiva, tornando mais difícil a gestão destes escassos leitos e, sobrecarregando ainda mais, os já exauridos profissionais de saúde, que são partícipes da imperiosa transformação de enfermarias e outras unidades dos hospitais em verdadeiras UTIs.
A Pandemia não segue, rigorosamente, o fenômeno das marés e, ao contrário delas, não fica restrita aos habitantes de cidades costeiras. Portanto, estamos na “preamar” da Covid-19 há algum tempo e, com o aumento de casos registrados nas últimas semanas, a maioria dos hospitais da rede privada estão com “água no pescoço”, no enfrentamento dessa virose, enquanto os da rede pública, já estão com “água no queixo”. Assim, um inesperado “backwash”, como o causado, recentemente, pelo incêndio em uma unidade hospitalar municipal de Aracaju, que presta atendimentos de urgência a usuários do SUS de todo estado, pode ter consequências desastrosas para a população. Se tudo isso não bastasse, especialistas temem pelo iminente afogamento, causado pela aproximação de uma terceira onda, suscitada pela morosa campanha de vacinação, pelo frágil controle de fronteiras que já possibilitou a entrada de viajantes contaminados com a temível “cepa indiana”, e pelo não cumprimento, por muitos, das eficazes normas de segurança.
Finalizo, evocando o provérbio, de Romem Barleta: “Deus perdoa sempre, o homem perdoa às vezes e a natureza, nunca”, para enfatizar que o infausto novo coronavírus merece ser respeitado, tanto por parte das autoridades governamentais, como pela população.
*Membro das Academias Sergipanas de Medicina, de Letras e de Educação