Consulta e audiência públicas sobre vacinação?

Alexandre de Jesus dos Prazeres*
Bacharel em Teologia, Mestre em Ciências da Religião e Doutor em Sociologia

O governo federal promoveu uma consulta pública sobre a vacinação de crianças com idade entre 5 e 11 anos. A consulta foi finalizada no domingo dia 02 de janeiro. Agora pretende realizar uma audiência pública sobre o mesmo assunto. Estas medidas ocorreram após a ANVISA autorizar vacinação de crianças da faixa etária mencionada com a vacina da Pfizer.

O governo com este gesto sinaliza para os seus apoiadores como se fosse um defensor de liberdades e que deseja incluir a sociedade na tomada de decisões. Será isto mesmo?

Primeiro, o gesto do governo é um desrespeito ao corpo técnico da ANVISA. Uma forma de reduzir o seu papel em questões sanitárias. O desrespeito foi reforçado pela ameaça do presidente de divulgar os nomes dos profissionais da ANVISA responsáveis pelo parecer técnico que autorizou o uso da vacina da Pfizer em crianças. A atitude do presidente resultou em ameaças aos profissionais através das redes sociais por parte dos apoiadores de Bolsonaro.

Segundo, desta forma, o presidente mais uma vez politizou uma questão importante relacionada à saúde dos brasileiros. E assim fortaleceu um clima de insegurança e desconfiança em relação ao processo de vacinação, algo que já havia realizado antes durante o processo de aquisição das vacinas contra Covid-19. Por sinal, até o momento o presidente não se vacinou, postura também assumida por alguns membros do governo.

Terceiro, a natureza deste desrespeito e politização de uma questão de saúde pública se constitui no esforço por transformar um assunto que deve ser tratado sob um critério técnico e científico numa questão de mera opinião. Traduzindo isto, em termos de filosofia platônica, é o esforço por transformar “episteme” (conhecimento/ciência) em “doxa” (opinião).

Isto mesmo o governo se esforça por rebaixar o conhecimento científico ao mesmo nível das suas paranoias conspiratórias. O que o governo ganha com isso? Continua se recusando a encarar os fatos, a realidade, e a ter que assumir os erros que cometeu durante a gestão da crise gerada pela pandemia. Ilustrando essa situação com o recente filme da Netflix, o governo não deseja “olhar para cima” e deseja convencer a sociedade a fazer o mesmo. Fatos não são suficientes para o presidente da república e para um ministro da Saúde, que embora médico e consciente da gravidade da situação, é subalterno e disposto a apoiar os delírios do presidente para garantir a sua permanência no cargo.

Assim o governo mantém o seu padrão de erros em relação à pandemia. Começou com a recusa em reconhecer a gravidade da pandemia, tratando-a como sem grande importância, uma “gripezinha”. Não apoiando as medidas sanitárias de isolamento, chegando até mesmo a realizar campanha publicitária sob o lema “o Brasil não pode parar”. Depois agiu retardando a compra de vacinas e como incentivador do uso de medicamentos sem eficácia comprovada. Quando a vacinação de adolescente foi autorizada, o ministro da saúde insinuou que ocorreram efeitos colaterais graves, dentre estes a morte de um adolescente, distorcendo informações fornecidas pelos Estados sobre efeitos colaterais brandos e já previstos. Agora o governo faz o mesmo com relação à vacinação de crianças.

*Docente permanente do Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião (PPGCR/UFS)

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