Antônio Carlos Sobral Sousa
Professor Titular da UFS e Membro das Academias Sergipanas de Medicina
Em novembro de 2019, um tipo de coronavírus oriundo de morcego passou a infectar humanos, na cidade de Wuhan, China. Decorridos dois meses, a cepa original do SARS-Cov-2, denominada Wuhan-1 ou cepa ancestral, foi isolada, sequenciada e disponibilizada para a comunidade científica. Este fato possibilitou a confecção de vacinas e todas elas, inclusive as de mRNA (ácido ribonucleico mensageiro) foram projetadas para prevenir viroses causadas pela referida cepa ancestral. Todavia, o novo coronavírus não parou de evoluir e a cepa ancestral foi rapidamente substituída por uma série de variantes que aterrorizavam a população mediante devastadoras e sucessivas ondas. Em novembro de 2021, uma nova variante chamada Ômicron, surgiu na África do Sul. Dotada de uma alarmante quantidade de mutações (mais de 30), sobretudo na proteína spike (principal alvo dos anticorpos neutralizantes), a referida cepa passou a apresentar maior capacidade de infecção do que as precedentes, devido a sua capacidade de driblar as defesas do organismo, induzidas pelas vacinas. Vale ressaltar, todavia, que a proteção dos imunizantes contra os casos graves da doença continuava preservada.
Devido a possibilidade de usar a tecnologia de mRNA, os laboratórios Pfizer-BioNTech e Moderna criaram as vacinas bivalentes para combater a nova ameaça, contendo mRNA direcionado para a cepa ancestral do SARS-Cov-2 e para a variante Ômicron BA.1, no mesmo produto. As referidas companhias farmacêuticas passaram a produzir, também, vacinas monovalentes BA.1, que não contêm, portanto, elementos da cepa ancestral. No atual cenário da pandemia, com o aparecimento de novas subvariantes da Ômicron (BA.4, BA.5 e BA,2.75) que logo se tornam dominantes, qual a melhor estratégia para doses de reforço da vacinação?
Para responder a esta interessante indagação, foi publicado esta semana no New England Journal of Medicine (DOI: 10.1056/NEJMoa2213082), um artigo que visou a determinar a capacidade de geração de anticorpos neutralizantes, após a quarta dose de reforço da vacina da Pfizer-BioNTech, em indivíduos adultos, previamente imunizados com a vacina original (BNT162b2). Os voluntários foram randomizados em três grupos, para receber o 2º reforço (4ª dose): a) vacina original (BNT162b2); b) monovalente BA.1 e c) bivalente BA.1. Os autores concluíram que a dose de reforço com as vacinas adaptadas BA.1, tanto a monovalente como a bivalente são tão seguras quanto a vacina original, com a vantagem de induzirem significativamente maior produção de anticorpos neutralizantes, contra a cepa ancestral e a Ômicron BA.1. É importante observar, todavia, que não houve superioridade da vacina bivalente sobre a monovalente na produção dos referidos anticorpos e que a resposta neutralizante contra as subvariantes da Ômicron (BA.4, BA.5 e BA,2.75), ocorreu em menor escala de que contra a BA.1.
Portanto, a imunização contra a Covid-19 confere proteção substancial para os sistemas de saúde, social e econômico da comunidade, contra possíveis novas variantes do novo coronavírus e suas aterrorizantes ondas de devastação. Por outro lado, cabe às autoridades de saúde determinar a frequência e a população beneficiária das doses de reforço. Finalizo, citando o influente dramaturgo inglês, William Shakespeare: “A raiva é um veneno que bebemos esperando que os outros morram”.