Prof. Dr. Fernando Altemeyer Junior
Assistente doutor da PUC-SP
Apesar de seguirem pujantes as Campanhas da Fraternidade anuais da CNBB como bem vivemos na CF 2024 com o tema Amizade Social e da presença efetiva da Igreja na Amazônia e no semiárido brasileiro, ainda falta muito. Há paralisia nas igrejas e muitos submissos ao poder e ao dinheiro. Há muito cerco de Jericó e pouca ou nenhuma igreja missionária. Há muita magia e pouco Evangelho. Há muito clericalismo e pouco Povo de Deus em movimento. Há muito brilho individualista e pouca imersão nos porões da humanidade. Há muita mentira e pouca verdade. As igrejas andam calada e encerradas em seus muros confessionais. O povo pobre segue sem ter profetas à altura do momento histórico. Parecem ovelhas sem pastor.
Alguns poucos cristãos leigos e leigas percebem o alcance da encarnação de Cristo e dão testemunho pleno de luz, enquanto muitos se assustam e se escondem na cristandade anterior, repropondo de modo reacionário um tridentinismo fixista que precisa ser superado mas que parece crescer sobretudo nas redes sociais da ultradireita. Assim escreveu o dominicano Yves-Marie Congar: “Esse tridentinismo é um sistema constituído após o Concilio de Trento sob a influência de papas muito conservadores, como Paulo IV, Pio V, Sixto V e outros. Trata-se de um sistema que englobava absolutamente tudo: a teologia, a ética, o comportamento cristão, a pratica religiosa, a liturgia, a organização, a centralização romana, a intervenção perpetua das congregações romanas na vida da igreja etc. Na realidade, esse sistema não se confunde com o Concilio de Trento nem com o Vaticano I, os quais foram citados com frequência pelo Vaticano II (Yves-Marie Congar, Diálogos de outono, São Paulo: Loyola, 1990, p. 7-8)”. É um modo de fazer a Igreja virar um museu e a fé se tornar obsoleta e rígida. Transforma católicos em múmias.
Assim persiste a tensão nas congregações religiosas, nos seminários e até mesmo em certas figuras do episcopado do Brasil e do mundo entre assumir uma Igreja em saída, como urge Francisco e a inércia em manter a pastoral da conservação, em sacristias herméticas ao clamor dos pobres e padres feiticeiros que só pensam em dinheiro e espelhos narcisistas. São dois modelos de ação que se colocam diante dos olhos: Ou converter-se e obedecer aos sinais dos tempos e ao pedido do papa Francisco para servir ao Espírito Santo ou manter tudo como antes, para manter privilégios e status, pelo conservadorismo estéril que mata o Evangelho e expulsa a juventude das igrejas.
A Palavra de Deus deve inspirar a conversão e compromisso, embora persistam alguns movimentos integristas. Será preciso sempre de novo propor o Evangelho para os nossos dias. Dizia o cientista da religião e eminente intelectual recentemente falecido Prof. Dr. Afonso Maria Ligório Soares: “O Vaticano II deu reinício a uma proposta tão antiga quanto à própria fé cristã: que se anuncie a mensagem evangélica assim como ela sempre foi, ou seja, como boa noticia dada a seu interlocutor. … Quem sabe ainda haja tempo para a Igreja Católica rever o que tem feito e pensado em termos de inculturação, diálogo inter-religioso, hierarquia de verdade e religiosidade popular com vistas ao que realmente importa: dar testemunho nesta terra de que o Reino é do Pai (Afonso M.L. Soares, Teologia em saída – obra póstuma para reaprender a aprender com as religiões e suas vivencias plurais, São Paulo: Paulinas, 2017, p. 42-43)”.
Pretender superar tantos séculos de um modelo piramidal como foi a cristandade colonial, por uma ação cidadã responsável e crítica está difícil. Quem está com os empobrecidos e vulneráveis é perseguido até mesmo pelo clero católico e ostracizado nas dioceses. Há, todavia, tênue esperança, e muitos cristãos podem ser exemplo de outra política onde os valores éticos, a fidelidade ao povo e a transparência podem suscitar vida e uma sociedade civil forte com projeto de nação e justiça social. O exemplo e a fidelidade do Cardeal Arns, clamando por coragem e professando fé na Esperança sempre podem nos alimentar nos tempos de dor e sofrimento que as classes populares estão enfrentando. A teimosia dos pobres se faz resistência e alternativa. O exemplo de vida de dom Luciano Mendes, santo bispo nos alimenta e encoraja. O testemunho dos 36 mártires brasileiros, entre os quais Santo Dias da Silva e MArgarida Alves nos fortalecem e são sementeira de novas igrejas. Padre Julio Renato Lancellotti segue sendo nosso irmão maior. Com Julio aprendemos a ser irmãos e irmãs, de verdade.
Uma constatação crucial é que HOJE são as mulheres as que multiplicam tempo e disponibilidade na construção de um novo tecido social no Brasil. Estão na luta pela terra, na questão da saúde e de gênero, nas reuniões das CEBs e, sobretudo nas associações de moradores e nas favelas, na cultura, nas Universidades, nos hospitais e na peleja da terceira idade. Os negros e as gentes do mundo popular das periferias, as pessoas LGBTQIA+, historicamente excluídas da política, e das decisões centrais de suas igrejas, começam agora a falar, a decidir e a se organizar. Sabem que Jesus os ama profundamente. São eles e elas os novos sujeitos históricos. Trazem a experiência de uma Igreja profética para o movimento social e para o mundo. Outros levam a democracia do movimento cultural, ecológico ou étnico para dentro das comunidades eclesiais. Nesse intercâmbio feliz, muita beleza e novos cristãos estão surgindo. São poucos para tanto trabalho, mas são sacramentos de Deus e sentinelas da justiça na construção do Reino. Gente feita de memórias e de convivência com o mundo dos pobres. São Romero, bispo mártir, seja o nosso companheiro nesse caminhar da Igreja do jeito de Jesus, animada pelo Espírito Santo, o advogado dos pobres, PARACLITO.
Precisamos experimentar a Igreja PASCAL. Cristo está vivo. É preciso decidir pelo caminho da cruz pascal que é vida nova. Caminho de amor pelos últimos. Caminho terapêutico. Entre Pilatos e Jesus, fiquemos com Jesus!
Fernando Altemeyer Junior