Maurício Costa Romão
Ph.D. em economia pela Universidade de Illinois (EUA)
A reforma eleitoral de 2017 acarretou grandes transformações no sistema proporcional brasileiro, em particular, pôs fim às coligações, e permitiu que qualquer partido pudesse disputar sobras de votos, mesmo que não haja atingido o quociente eleitoral (QE).
O fim das coligações traz grandes desafios para os partidos, que agora dependem exclusivamente de suas votações para ascenderem ao Legislativo.
De fato, na suposição de que os partidos tenham, em 2020, desempenho eleitoral aproximadamente semelhante ao de 2016, e que o QE de Aracaju gravite no entorno daquele registrado no pleito passado (11.547 votos), 79% dos partidos que disputaram aquela eleição não elegeriam nenhum vereador agora em 2020 (27 dos 34 partidos concorrentes).
Aracaju não é um caso isolado. Por exemplo, considerando todas as capitais do Nordeste, o percentual de partidos com poucas chances de ascensão ao Parlamento é de 68%, e em grandes cidades da Região (Olinda, Campina Grande, etc.) o índice chega a 74%.
Por sua vez, a abertura dada pela reforma de 2017 para que todos os partidos possam disputar sobra de votos, mesmo sem alcançarem o QE, pode, em alguns casos, funcionar como válvula de escape à proibição das coligações, mas se requer certa densidade de votos dos partidos que querem usufruir dessa alternativa.
Com efeito, para conquistar vaga por sobras tais partidos têm que antes de tudo exibir votação nas proximidades do QE. Esta é a condição necessária, porém não suficiente.
A condição suficiente é a de que essa votação esteja entre as maiores médias de voto nas rodadas de cálculo de distribuição das sobras (o partido ou coligação que não alcançou o QE tem sua média de votos dada pelos votos válidos obtidos na eleição).
Por exemplo, na eleição de 2016 na capital sergipana, as coligações PTdoB / PTN / PRP, com 11.229 votos, e a SD / PR / PROS, com 9.588 votos, deixaram de alcançar o QE de 11.229 votos e, portanto, ficaram fora do Legislativo.
Vigorasse à época a norma de 2017, ambas coligações elegeriam um vereador cada, já que satisfariam as duas condições: a necessária (votações próximas ao QE) e a suficiente (votações entre as maiores médias).
Já o PMN, na mesma eleição, com 6.222 votos, votação distante do QE, não contemplaria nenhuma das condições exigidas, deixando de se beneficiar da norma eleitoral recém estatuída.
Ao fim e ao cabo, a democratização das sobras de voto ensejou uma interpretação mais flexível para o QE. Antes de 2017 o QE funcionava como barreira à entrada no Legislativo (só entrava quem o ultrapassasse).
Agora, liberada a disputa de vagas legislativas por sobras de votos para todos os partidos, essa ascensão é permitida a qualquer um deles ainda que não haja atingido o QE (neste caso o quociente passa a ser apenas uma referência).
Na prática, melhor fariam os partidos, principalmente os pequenos e médios, tratarem o QE no contexto de antes, como cláusula de barreira, pois a evidência empírica das eleições proporcionais de 2018 no Brasil mostrou que não é tão freqüente assim a ocorrência de siglas ascenderem ao Parlamento sem que hajam superado o QE.