Afonso Nascimento
Professor de Direito da UFS
No fim de 2018, foi arquivado por razões regimentais o projeto de lei chamado “escola sem partido” na Câmara de Deputados, em Brasília. Os autores da antiga proposta ficaram de reapresentá-lo em 2019 com seu conteúdo praticamente intocado. Por que a necessidade de aprovar uma lei desse tipo? Segundo seus defensores, o sistema escolar público brasileiro (aqui incluídas as universidades públicas) se transformou em espaços usados por professores para, com suas ideologias de esquerda, doutrinar estudantes, “fazer a cabeça dos alunos”. Os professores seriam agentes partidários dentro das instituições escolares. Querem, por isso, uma escola sem partidos. Caso essa proposta seja aprovada, em toda sala de aula, um cartaz deverá ser pregado na parede no qual estejam escritos os deveres dos professores, para que os mestres não façam proselitismo ideológico e partidário. Se o fizerem, serão denunciados pelos próprios alunos, que ao mesmo cartaz terão acesso. Essa medida antidemocrática tem um nome: censura do magistério, algo que nos foi familiar durante o regime militar de triste memória.
Nós consideramos que a ideia de “escola sem partido” constitui um triplo atentado. Em primeiro lugar, é um atentado à escola pública no Brasil. A intenção dos que a defendem visa a desqualificar a escola pública e assim ir criando condições para impor uma visão autoritária e (na ausência de palavra mais precisa) fascista do mundo, bem diferente da visão liberal prevalecente nos dias de hoje. O marxismo a que se refere essa gente vive em declínio desde a queda do Muro de Berlim e o fim do comunismo na antiga União Soviética no fim século passado. Se alguém quiser comprovar isso, basta procurar em qualquer loja especializada livros de autores e de conteúdos marxistas. Corre o risco de nada ou quase nada encontrar.
O segundo atentado é contra a razão e o bom senso. Com efeito, para que o sistema público de ensino seja esse suposto lugar de proselitismo e doutrinação esquerdista, o Brasil teria de ter um grande número de professores de esquerda e os produtos dessa educação com “viés ideológico”, os estudantes, deveriam ser igualmente em quantidade expressiva de esquerda. Isso nada tem a ver com a realidade. É um delírio. Em todos os níveis de ensino público, os professores são de direita, liberais, de esquerda e recentemente professores de extrema direita, como essa turma ligada ao “escola sem partido”. Além disso, se os sindicatos de professores às vezes têm uma retórica agressiva é algo esperado de qualquer sindicato que não queira parecer pelego, e se os professores aderem a greves, paralizações etc., estas são, grosso modo, por aumento ou reajuste salarial.
Professores e estudantes são uma minoria de esquerda no espaço escolar público brasileiro. Observe o leitor que vivemos num país sem tradição partidária e cuja cultura política é aquela de acordo com a qual as pessoas votam no(a) candidato(a) e não no partido. Isso vale para as eleições dentro e fora das escolas e das universidades. Se houvesse seriedade da parte dos defensores do “escola sem partido” – e não pretexto para censurar professores-, eles saberiam que os votos dos estudantes são pulverizados, indo em diversas direções – aliás, como os votos da população em geral, daí resultando maiorias de representantes conversadores no país inteiro. O que se tem observado nos últimos tempo no espaço escolar público é o crescimento do número de estudantes de extrema direita. Justamente o contrário.
Por último, o movimento “escola sem partido” é um atentado à Constituição Federal brasileira que garante a liberdade de expressão, a liberdade de opinião, dito de outra forma, é um atentado à nossa frágil democracia. Esses projetinhos do “escola sem partidos” são portanto inconstitucionais e antidemocráticos. O espaço escolar tem de continuar sendo um lugar de pluralismo de ideias, de liberdade para expor, discutir, debater e não um lugar para o pensamento único do “escola sem partido” É num espaço de liberdades que pesquisas são avançadas, que visões críticas se desenvolvem e criam condições para novas descobertas científicas. As ideias do movimento “escola sem partido” vão no sentido do regresso e retiram o Brasil da estrada do progresso científico e tecnológico. Ao contrário do que querem as elites retrógadas e antidemocráticas desse movimento, a construção da nação brasileira passa pelo fortalecimento do sistema escolar público com liberdade e sem mordaça.