Antônio Carlos Sobral Sousa – Professor Titular da UFS e Membro das Academias Sergipanas de Medicina, de Letras e de Educação
Ao analisarmos a história da Humanidade, constata-se que a mesma é marcada, não apenas pelos grandes impérios, pelos grandes conflitos e pelo magistral avanço material e tecnológico do homem no tempo, mas também, pelas doenças infecciosas que afetaram os mais diversos povos. Muitas dessas mazelas ficaram circunscritas a uma determinada região geográfica, como uma cidade, constituindo uma epidemia. Já a pandemia é caracterizada quando a doença atinge proporções maiores, alcançando um continente ou mesmo, todos os continentes. Essas catástrofes, como a atual pandemia da Covid-19, colocaram sociedades inteiras sob ameaça, ocasionaram momentos de grande tensão em decorrência do colapso causado, tanto dos sistemas de saúde, como da economia de muitos locais e foram, em alguns casos, catalizadoras de grandes transformações.
Na edição de fevereiro do corrente ano da National Geographic Magazine, o diretor do Centro de Educação em Vacinas do Children’s Hospital of Philadelphia, Pensilvânia, EUA, Paul A. Offit, fez considerações interessantes sobre o legado deixado pelo SARS-Cov-2. Segundo o autor, os tempos vividos durante a pandemia da Covid-19, podem ser resumidos em uma frase, do mais popular romancista inglês da era vitoriana, Charles Dickens, em seu best seller “A Tale of Two Cities” (Uma história de duas cidades), lançado em 1859: “Foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos, foi a era da sabedoria, foi a era da tolice”.
Nitidamente, durante a pandemia vivemos duas situações antagônicas. Por um lado, a ciência ajudou a salvar vidas, tendo como grande protagonista, as vacinas. Menos de um ano após a identificação do vírus, já se dispunha de imunizantes específicos contra o SARS-Cov-2, adequadamente testados, graças ao grande número de voluntários, inclusive de médicos e de outros profissionais da saúde. A celeridade na produção de vacinas pode ser creditada tanto ao substancial incentivo financeiro ofertado por países ricos, como os Estados Unidos (EUA), bem como pela somação de forças entre as indústrias farmacêuticas, como a americana Pfizer e a alemã BioNTech, que firmaram acordo para o desenvolvimento e distribuição conjunta de uma vacina baseada em RNA mensageiro (mRNA). Vale registrar, também o intercâmbio firmado entre a Universidade inglesa de Oxford e a farmacêutica anglo-sueca, AstraZeneca, permitindo o desenvolvimento de imunizante em ritmo acelerado e inédito e que foi
projetado nos primeiros meses de 2020, testado no primeiro voluntário em abril do mesmo ano e, em seguida, passou por testes clínicos em grande escala envolvendo milhares de pessoas. Vale ressaltar positivamente, também, o esforço dos gestores de saúde de várias localidades, para distribuir e aplicar os imunizantes em massa, sem nenhum custo para a população. Estima-se que as vacinas contra a Covid-19 tenham salvado pelo menos 3,2 milhões de vidas somente nos EUA. Estas realizações oferecem esperança sobre a rapidez com que poderemos responder à próxima pandemia. Por outro lado, muitas autoridades de saúde pública do Brasil inclinaram-se, inadvertidamente, para o negacionismo ao imunizante, sobretudo por idealismo político, pondo em xeque, ma reputação brasileira em vacinação, iniciada com o sanitarista Oswaldo Cruz em 1900 e consolidada nas campanhas vitoriosas contra a varíola e a poliomielite na década de 1960, e com a criação do Programa Nacional de Imunização (PNI) pelo Ministério da Saúde, em 1973. Nas terras do Tio Sam, algumas medidas institucionais, podem também dificultar o enfrentamento de uma nova pandemia. Cerca de 30 estados aprovaram leis que limitam as autoridades de saúde quanto a impor medidas de proteção, sem a permissão dos legisladores estaduais. “Um dia teremos uma crise global muito grave e uma pandemia muito pior do que a Covid-19, e contaremos com o governo para nos proteger, mas ele terá as mãos nas costas e uma venda nos olhos”, afirmou Lawrence Gostin, diretor docente do Instituto O’Neill de Direito Nacional e Global de Saúde da Universidade de Georgetown, em entrevista ao jornal Washington Post.
Recentemente, o diretor da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom, afirmou: “Quando a próxima pandemia bater à porta, e ela vai bater, devemos estar preparados para responder de maneira decisiva, coletiva e equitativa”. E, segundo o escritor, Imortal da Academia Brasileira de Letras, Roberto Simonsen: “Otimismo é esperar pelo melhor. Confiança é saber lidar com o pior”.