Feira Popular: patrimônio histórico e cultural de Sergipe

Amâncio Cardoso
Professor de História do Instituto Federal de Sergipe

No Brasil, e especificamente em Sergipe, um aspecto evidente da cultura local são as feiras populares. A ocupação geográfica e histórica do território sergipano é outra evidência, pois várias cidades floresceram no entorno de feiras, tais como Itabaiana, Lagarto, Nossa Senhora da Glória, Carira, Propriá, Estância e Maruim. Além disso, a palavra “feira” é topônimo de um dos nossos municípios: Feira Nova, no agreste sergipano. Tudo isso demonstra o grau de inserção cultural dessa instituição no imaginário coletivo.

Na História de Sergipe, várias fontes testemunham a importância das feiras no cotidiano das povoações. Um exemplo é o do antigo vigário de Siriri-SE, Dom Marcos Antônio de Souza (1771-1842). Ele escreveu em suas memórias, de 1808, que na cidade de Propriá ocorria, em todos os domingos, “uma feira de grande concurso”. Assim, desde o princípio do século XIX, a feira da cidade ribeirinha era um dia bem concorrido na região do baixo São Francisco.

Ainda no século XIX, outro exemplo de que as feiras populares se constituíam num ponto culminante na vida dos sergipanos é o testemunho de Adolphine Schramm (1826-1863). Esta alemã, que vivera em Maruim entre 1858 e 1863, descrevera numa carta à sua cunhada na Alemanha, em 1859, a agitação de um dia de feira em Maruim.

Conforme a imigrante, a feira maruinense era um lugar de viva comunicação entre moradores de povoados circunvizinhos “que chegavam a pé, a cavalo ou em carros de boi”. Adolphine também registrou alguns produtos então vendidos na feira de Maruim: “arroz doce com canela, milho, gengibre, frutas, farinha, instrumentos rústicos e, às vezes, bonitas redes”. Esses produtos típicos, mas exóticos para quem não é do Nordeste do Brasil, ainda são comercializados em nossas feiras populares.

Outro exemplo da importância da feira como instituição socioeconômica de um município em Sergipe do século XIX, ocorreu em 1881 na cidade de Japoatã, situada na região do rio São Francisco. Vários de seus moradores enviaram abaixo-assinado ao presidente da província para evitar a extinção da feira local, decretada pela Câmara de Pacatuba, à qual Japoatã estava submetida. Segundo os japoatãenses, a então vila de Japoatã seria prejudicada pelo “vil capricho” dos vereadores de Pacatuba. Eles escreveram que a feira era a “origem da evolução comercial” do povoado, abastecendo sobretudo a “classe pobre”, e que por isto a decisão da Câmara pacatubense seria fruto do “rancor” pelo “aumento do lugar [Japoatã] e feira em questão”. Nota-se neste testemunho que a ausência da feira numa localidade despertava o mais acirrado bairrismo.

No âmbito acadêmico, a feira popular de Sergipe também despertou interesse. Na segunda metade do século XX, em 1975, a feira de Brejo Grande, outro município à margem do São Francisco, foi objeto de pesquisa de um estudo realizado pelo renomado antropólogo e historiador Luiz Mott, como tese de seu doutorado na Unicamp/SP. Ele investigou a estrutura morfológica da feira brejo-grandense, além de sua importância socioeconômica e cultural para a região sanfranciscana, após anos de esforço de pesquisa e estudos.

Para além do campo histórico e acadêmico, as feiras populares de Sergipe também foram representadas pelas artes. Um exemplo é a série de telas pintadas por Adauto Machado, conhecido artista plástico sergipano, expostas na Galeria Álvaro Santos, em Aracaju, no ano de 2002. Na ocasião, Adauto produziu a exposição “Feira dos Municípios”. São representações pictóricas de nossas feiras sob seu olhar experiente, com trinta anos de carreira à época. Ele, em suas obras, pincelara com maestria a estética vibrante da ambiência e do colorido característicos das feiras sergipenses.

Devido a sua importância multissecular, as feiras populares passaram a ser reconhecidas oficialmente como patrimônios culturais, a exemplo da feira de Caruaru, em Pernambuco. Já aqui em Sergipe, no dia 26 de agosto de 2019, a feira da cidade de Itabaiana também foi declarada patrimônio cultural imaterial do Estado, instituído pela lei 8.561/2019. A secular feira itabaianense ocorre às quartas e sábados, e é considerada nossa maior feira popular, onde se comercializa uma gama diversificada de mercadorias, desde alimentos, bebidas, artesanatos, ervas medicinais, vestuário; além de preservar usos, costumes, ofícios e formas de expressão típicos da região.

Com o registro patrimonial da feira do agreste sergipano, o segmento do Turismo Cultural deve ser potencializado em nosso Estado, na medida em que as feiras populares se constituem num dos atrativos mais procurados pelos turistas nacionais e internacionais, conforme o Ministério do Turismo.

Sendo assim, o costume de “fazer feira” deve ser mantido e preservado de forma sustentável, porque além de ser uma prática incorporada à identidade sergipana, a feira é um bem cultural que promove múltiplas relações entre referências vivas de nossa sergipanidade.

Por fim, num mundo em que o capitalismo globalizado e pós-industrial se impõe, produzindo mudanças drásticas nas localidades, as feiras populares se constituem territórios de resistência. E parafraseando o emérito professor da Universidade de São Paulo, Fernando Novais, concordamos que “por debaixo de modernos shopping centers, ainda pulsam sertões”.

Fontes e Referências:
BRASIL/MTUR. Turismo Cultural: orientações básicas. 3. ed. Brasília: Ministério do Turismo, 2010.
SERGIPE. Poder Legislativo de Sergipe. Lei Nº. 8.561, de 26 de agosto de 2019.
SCHRAMM, Adolphine. Cartas de Maruim. Aracaju: UFS/Nuca, 1991.
SOUZA, Marco Antonio de. Memória sobre a Capitania de Sergipe. Aracaju: Secult, 2005. (1ª edição 1878).
O Raio. Aracaju, 12 de março de 1881, n. 212, p. 04.

Disponível em: https://infonet.com.br/noticias/cidade/adauto-machado-expoe-feira-dos-municipios/. Acesso em: 28/01/2021.

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