Feirinha de Natal

Clara Leite de Rezende*
Desembarcadora aposentada

Em tempos que já se foram, o Natal foi a data mais amplamente comemorada pela nossa sociedade, em família e como festa de rua, por todas as classes sociais.

As expectativas se voltavam desde o presente do imaginário Papai Noel pelas crianças até os festejos, no parque da Catedral, onde se instalava a tradicional Feirinha de Natal, aguardada por toda a cidade. Recordo-me do compasso de espera que se iniciava desde o mês de novembro com a instalação dos brinquedos, e da iluminação que deixava ansiosa toda garotada. Os festejos começavam já no início de dezembro, a partir dos dias em que a Prefeitura de Aracaju os instalava oficialmente. Era uma sensação de alegria quando passava pelo Parque e observava os avanços, na montagem que iam dando formato à tão esperada festa.

No primeiro dia, ao chegar à praça, éramos todos de súbito contagiados com o espírito mágico, que emergia das luzes coloridas, espalhadas por todos os cantos e pelo som das sinfonias natalinas, que ecoavam dos alto-falantes, interpretadas por corais e acompanhadas pelo toque dos sinos, misturando-se com o apito do carrossel, o anunciar dos jogos, numa melodia indescritível , que transmitia uma sensação de felicidade.

A praça tinha apenas um passeio central, abraçando a estátua de Olímpio Campos e que terminava nos degraus da Catedral, majestosa, com suas portas abertas recepcionando a todos que se dirigiram àquela Grande festa do Menino Jesus. Ao longo de suas margens, as famílias colocavam bancos contendo os respectivos nomes, a maioria de ferro, para assistirem à retreta e fazer ponto de encontro. Havia os assentos diferenciados das autoridades: o conjunto de sofá e poltrona do Governador do Estado e do Prefeito da Capital, em estilos semelhantes.

Nas suas laterais durante os festejos se instalavam os bares, sempre muito frequentados. No lado direito da catedral lá estava a peça mais festejada entre os brinquedos, o encantado Carrossel do Tobias, cujo som estridente do seu apito comunicando o término e o início da rodada, ecoava como um anúncio de alegria, traduzida no cavalgar dos cavalinhos alinhados em pares, disputados também pelas meninas e no deslizar dos bancos enfeitados com figuras mitológicas coloridas que nos transmitiam mistério, mais ocupados pelos adultos. Ao seu redor aglomeravam-se muitos pretendentes, e a cada parada disparava a correria para o alcance do desejado cavalinho. Lá estava o carismático boneco da cor de piche, que ficava em pé dentro do carrossel e que todos desejavam tocá-lo. Sempre quis saber a origem desse boneco chamado Tobias, símbolo do carrossel e fascínio da criançada. Refere-se Corinto Mendonça, no seu livro Praça da Matriz, que sua origem pode ter sido a perpetuação do simpático negro Tobias do Carrossel, quando este pertencia ao senhor Juvenal e que se ocupava em rodar a manivela do realejo. Com a mudança de dono, um boneco com a mesma característica passaria a representá-lo e assim ficou famoso na cidade, como um símbolo daquele brinquedo encantado.

A montagem desse carrossel foi magistralmente descrita na crônica “O Carrossel” de Jane de oliveira Netto. Um pouco atrás, surgia exuberante a Roda Gigante, também muito utilizada pelos adultos e que permitia às crianças sentirem a sensação de estar perto do céu. Do lado esquerdo situava-se a Onda: aparelho que fazia um movimento giratório, sequenciado por autos e baixos, sugerindo uma agradável sensação de estar navegando sobre ondas, na alternância do movimento. Nesse lado ainda se encontravam os barcos feitos de madeira e flandres que eram muito apreciados pelos meninos e mais adiante os aviõezinhos, acionados em movimentos de translação, representavam os Estados e eram também muito festejados. Os homens se interessavam pelos jogos de roletas e outros mais que se localizavam na parte de detrás, menos frequentada. Em frente ao passeio, colorindo o espaço, avistava-se o torpedo de gás hélio cuja função era encher rapidamente as bolas de assoprar, atração que exercia a prioridade das crianças menores.

Os carrinhos de sorvetes, algodão doce e de pipocas enfeitados, circulavam por toda a feira, sempre circundados por elas. Até mesmo nas calçadas se encontravam as atrações dessa festa encantada. Nelas se instalavam os tabuleiros de senhoras que vendiam barquinhos de papel de seda colorido, com velas de bandeirinhas, contendo confeitos de castanha, e de homens com tabuleiros de quebra-queixo, doce de consistência dura, de aparência marmorizada, colorido de rosa amarelo e branco, com sabor de baunilha, vendido em pedaços destacados por uma machadinha e envolvidos em papel impermeável. Uma delícia…. Muitas outras guloseimas como os roletes de cana espetados na casca, em forma de buquê, encontrávamos naquela praça, de onde eu não queria sair mais.

Os festejos ocorriam durante toda a semana e se estendiam no mês de dezembro até o dia seis de janeiro, Festa de Reis, que fechava as comemorações natalinas. Nas vésperas do Natal, do Ano Novo e da Festa de Reis, a praça ficava repleta, e os ônibus paravam constantemente cheios das pessoas que vinham dos bairros.

O ponto alto da programação da véspera do Natal era, entretanto, a Missa do Galo celebrada pelo Sr. Bispo – não havia arcebispado à ainda – acompanhado de outros padres e muitos coroinhas, ao som de um coral e para assisti-la convergia a grande maioria das pessoas que se encontrava na praça. Paravam todos os brinquedos, jogos e as atenções eram dirigidas para a comemoração do nascimento do Menino Jesus, na homilia quase sempre muito demorada. Eu sentia muito sono, mas resistia.

O retorno para a casa trazia a expectativa do presente de Papai Noel que coroava as magias daquela noite de Natal. Todos os anos repetiam-se as mesmas alegrias, expectativas e emoções, diferenciadas apenas na proporção da passagem do tempo, responsável pela mudança de preferências dos frequentadores: do carrossel para a retreta, do carrinho de pipoca e algodão doce para os bares e da expectativa do papai Noel para os bailes da cidade.

Lembro-me bem quando me iniciei na retreta com primas e amigas, desfilando de um lado para outro do passeio circundado por espectadores. As moças passeavam, exibindo os seus vestidos da moda, os modelos de lastex, com bolero e saias godês. Os rapazes permaneciam nas margens, fazendo a corte, trocando olhares para rostos enrubescidos, murmurando galanteios que faziam disparar o coração das moçoilas. Consolidado o flerte, seguia-se o aceno indicando um convite, e o broto – como éramos chamadas – aceitava a corte e saia para lugares mais discretos. Outros preferiam passear pela feira à procura de encontrar alguém que lhe encantasse, e fosse correspondido. Consolidada a aceitação, após o período da conquista para uma aproximação, ouvia-se o tradicional “posso lhe acompanhar”? Era assim que começavam os namoros nas feirinhas de Natal. Tudo isso ficou guardado na lembrança como recordação de dias memoráveis, perdidos no tempo.

Os tempos mudaram. E o crescimento desordenado da cidade, a violência, os novos hábitos criados na era da comunicação eletrônica, um modelo de vida globalizada, deixaram para atrás essa maneira simples e preciosa de viver prazerosamente, em todas as idades, e condição social, onde essa festa para todos parecia ter um brilho diferente, nas cores, nas luzes e no som sublime das músicas do Natal.

*Membro da ASL, ASLJ e ARL

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