Ilha Mem de Sá: história de um atrativo turístico no rio Vaza-Barris, SE


Amâncio Cardoso – Professor de História dos cursos de Turismo do IFS (Campus Aracaju)

Nos últimos anos, houve uma intensificação de roteiros no estuário e na foz do
rio Vaza Barris, sobretudo após a construção da Orlinha Pôr do Sol, no povoado
Mosqueiro, zona sul de Aracaju, consolidando produtos turísticos, a exemplo da Crôa
do Goré, Ilha dos Namorados e Ilha Mem de Sá.

Nesta última ilha, entre 2006 e 2009, o Instituto Federal de Sergipe (IFS)
mantém atividades de pesquisa e extensão junto aos moradores, em parceria com a
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) e outras entidades.
A ilha Mem de Sá situa-se no município de Itaporanga d’Ajuda, próximo à foz
do rio Vaza-Barris. Esta pequena ilha fluvial é formada por uma população em torno de
75 famílias (cerca de 375 habitantes). Ela está a 23 km da sede do município e a 53 km
de Aracaju. Além disso, tem sido buscada por turistas e visitantes em razão, entre outras
coisas, da diversidade do ecossistema da área, da cultura popular dos pescadores e
marisqueiras ou da hospitalidade de seus habitantes.

Por ser insular, o relativo isolamento geográfico possibilitou que os habitantes
da Mem de Sá mantivessem sua sobrevivência econômica com base na pesca artesanal e
na coleta de mariscos (aratu e caranguejo). Destaca-se a coleta do Aratu, executada
tradicionalmente por mulheres que possuem técnicas e saberes específicos para realizar
a tarefa com êxito. Esse ofício é uma das marcas de identidade da Ilha, sendo uma das
heranças dos Tupinambás, primitivos moradores da região.

Quanto à paisagem no entorno da Ilha, ela é constituída por rio, riachos, ilhotas,
praias fluviais, apicuns e manguezais. Por conta disso, o cotidiano dos insulares da
Mem de Sá gira em torno da pesca e do extrativismo de mariscos. Além do aspecto
natural, a pequena ilha possui tradições, lendas, folclore, religiosidade, gastronomia e
saberes; ou seja, um considerável patrimônio cultural a ser vivenciado.
Historicamente, a região do Vaza-Barris foi uma das primeiras e mais
importantes áreas de ocupação do território de Sergipe no período colonial. Sendo assim, vejamos um brevemente fatos do passado dessa região, que vem ganhando
relativa visibilidade e interesse no âmbito do Turismo local.

O entorno da foz do Vaza Barris, onde se localiza a Ilha Mem de Sá, foi muito
importante para o povoamento colonial de Sergipe d’el Rey, empreendido pela Coroa
portuguesa na segunda metade do século XVI. A região era povoada pelos Tupinambás,
índios do litoral brasileiro, que viviam sobretudo da pesca e coleta de crustáceos como
caranguejos e aratus, dois dos mariscos mais apreciados até hoje na Mem de Sá.
Mas, no final do século XVI, em 1590, após a guerra de conquista do território
sergipano, a região recebeu os primeiros sesmeiros lusos-baianos. Nessa época, o local
foi atacado por tropas comandadas pelo governador da Bahia, Cristóvão de Barros, que
expulsou, dizimou e escravizou milhares índios liderados por Serigy, Surubi, Aperipê e
Pacatuba. Esse ataque garantiu a posse das terras para a Coroa Portuguesa. Essas terras
foram doadas a sesmeiros que vieram ocupar o solo com lavoura e pasto.

Um dos primeiros sesmeiros da região foi Thomé Fernandes, que em 1596
solicitou a El Rey Dom Felipe I de Portugal (Felipe II da Espanha) a doação de uma ilha
chamada Patatiba, defronte de Tinharé, junto ao local onde está a atual cidade de São
Cristóvão, antiga capital de Sergipe, no vale do Vaza-Barris.

Logo depois em 1600, mais dois sesmeiros solicitaram terras próximas à foz do
Vaza-Barris: João Dias e João Martins Bertanha. Eles, além de outros, declararam ter
participado da Guerra de Conquista de Sergipe em 1590, ajudando com armas e
escravos.

A partir de 1602, a região próxima à foz do Vaza-Barris foi utilizada pelos
primeiros colonizadores para criação de gado, a exemplo das terras cedidas a Mathias
Moreira. Décadas depois, em 1665, o capitão Manoel da Rocha Pitta recebeu terras no
Vaza-Barris por importantes serviços prestados na guerra de expulsão dos holandeses,
ocorrida em 1637, cedendo armas, alimentos e escravos.

No século XVII, a participação dos luso-baianos tanto na guerra de conquista
das terras indígenas quanto na expulsão dos holandeses da capitania de Sergipe foram
os motivos mais alegados para justificar a solicitação à Coroa portuguesa da doação de
sesmarias.

Logo após, em 1672, duas ilhotas junto à foz do Vaza Barris são doadas a
Pantaleão de Souza, certamente por ter auxiliado também na luta contra a invasão dos
batavos. Geralmente, os sesmeiros alegavam ao rei que queriam formar nessas terras
roças ou pastos para criação, atividades que ainda vigoram na região. Esses pedidos de
terras à Coroa permaneceram durante o século XVIII, promovendo a ocupação da área
circunvizinha à foz do Vaza-Barris.

No entanto, até o século XIX o topônimo Ilha Mem de Sá não comparece na
bibliografia consultada como acidente geográfico. Em 1897, por exemplo, o professor
Silva Lisboa, no livro “Chorographia do Estado de Sergipe”, identifica sete ilhas
fluviais nas proximidades da foz do Vaza-Barris. São elas: Traipu, Veiga, Grande,
Pequena, Farosa, Jibóia e Paiva. Fica então a pergunta: Mem de Sá não fora registrada
pelo fato de não haver ainda moradores naquele ano do final do século XIX? Ou porque
possuía outro topônimo, somente sendo denominada de Ilha Mem de Sá pelos primeiros
povoadores no início do século XX?

Supomos, então, que seus primeiros habitantes teriam chegado ao local no início
do século XX. A nossa hipótese é explicada da seguinte maneira. Em primeiro lugar,
colhemos junto a moradores da Ilha documentos de pagamento de imposto territorial,
por ocupação de terreno de marinha, junto à Exatoria de Itaporanga, entre os anos de
1937 e 1956. Estes impostos foram pagos por Virgílio José do Nascimento, cujos
descendentes ainda moram na Ilha Mem de Sá. Estes papéis parecem ser os mais
antigos testemunhos da recente ocupação da Ilha que pudemos compulsar.

E em segundo lugar, para reforçar nossa hipótese de povoamento da Mem de Sá,
somente em 1959 ela é registrada como um “acidente geográfico” sem muita
importância, “mas merecedora de registro como possuidora de ótimas terras para a
cultura do coco e da mandioca”. Esta descrição está na Enciclopédia dos Municípios,
publicada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Por isso
defendemos a hipótese de que a Ilha passa a ser povoada na década de 1930, tornando-
se um topônimo notável.

Em terceiro lugar, em entrevista com os moradores da Ilha, todos lembram que
os primeiros povoadores teriam chegado ali na primeira metade do século XX, sem
saber com exatidão o ano. Ou seja, confrontando a bibliografia com a documentação

encontrada, somadas aos relatos de antigos moradores, asseveramos que a ocupação da
Ilha Mem de Sá, por habitantes fixos, é historicamente recente: há menos de um século.
Ouvindo os próprios moradores da Ilha, cujo saber entre os mais antigos está
fundado na oralidade, selecionamos alguns fatos que marcaram suas memórias e
tiveram certo impacto no cotidiano dos ilhéus.

Segundo eles, na primeira metade do século XX foram fabricadas as
embarcações que eram utilizadas pelas primeiras famílias que migraram para fixar
residência em Mem de Sá. Eram barcos de madeira, a remo. Esse tipo de transporte
fluvial já era utilizado pelos índios antes da chegada dos portugueses e essa tradição se
preservou. Hoje em dia, os barcos são movidos à vela (herança lusitana) ou a motor de
popa, sendo um dos principais meios de acesso à ilha, transportando pessoas, móveis,
mercadorias diversas, alimentos e serviços.

Outro marco na vida dos ilhéus de Mem de Sá foi a inauguração, em março de
1987, da Escola Municipal Valdemar Fontes Cardoso. Antigamente a escola funcionava
em casa de taipa, onde atualmente reside a família do senhor Salvador Narciso dos
Santos.

A antiga sede escolar foi construída em 1972, onde lecionava a Professora
Eldete Rodrigues Narciso, filha do proprietário. Mas antes disso, a escola funcionava na
antiga Igreja Católica da Ilha, cujo orago era Santa Luzia.
A presença da escola na Ilha Mem de Sá mudou o cotidiano de quem não tinha
oportunidade de estudar, sendo quase absoluto o índice de analfabetismo no local. Mas
as antigas marisqueiras e donas de casa conseguiram ascender socialmente através da
escolarização.

Isto se refletiu no poder de liderança social e intelectual das mulheres da Mem
de Sá. Um exemplo da ascensão feminina na Ilha é a intensa presença e participação das
mulheres na formação e no cargo de presidência da Associação Comunitária dos
Povoados Ilha Mem de Sá, fundada em 1997. Destaca-se a gestão de Adenise Cardoso,
cujo primeiro mandato se iniciou em 2012, época em que se acentuou o desejo de
parcela dos moradores em implantar na ilha o Turismo de Base Comunitária.
Também foi realizada em 1997 a 1ª Festa do Caranguejo da Ilha Mem de Sá.
Esse evento, que ocorre em dezembro, atrai muitos visitantes para degustar um dos

crustáceos mais apreciados na culinária sergipana. Com o sucesso desse festival, foi
necessário equipar a Ilha com uma melhor infraestrutura para atender aos visitantes.
Foi assim que, em 1999, iniciou-se o abastecimento de energia elétrica. Antes,
quando não existia eletricidade, os pescados eram salgados em gamela de pau e
transportados para a venda nas feiras dos municípios de São Cristóvão e Itaporanga
D’Ajuda, banhados pelo rio Vaza Barris, o que não tornava a ilha um local de
atratividade.

Além disso, em agosto de 2012, mais de uma década depois foi executado o
abastecimento de água encanada na Ilha. Assim, aumentou a possibilidade de
investimentos em atividades no âmbito do Turismo.

Nos últimos quinze anos, os ilhéus da Mem de Sá investiram no turismo para
atrair visitantes que usufruam de seus bens culturais e naturais. Neste sentido, a pequena
ilha tem se tornado um atrativo da histórica e cobiçada região da foz do Vaza-Barris.

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