Lições da pandemia da covid-19 em oncologia pediátrica

  • Profa. Dra. Rosana Cipolotti: Oncologista Pediátrica, docente permanente do PPGCS,
    professora titular do Departamento de Medicina – UFS, oncologista pediátrica do Centro de
    Oncologia de Sergipe.
  • Dra. Simone Santana Viana: Mestre e Doutora em Ciências da Saúde pelo PPGCS,
    Hematologista Pediátrica do Hospital Universitário-UFS e do Centro de Oncologia de
    Sergipe.
  • Dra. Leyla Manoella Maurício Rodrigues de Lima: Médica, graduada pela UFS,
    residência em Pediatria – Hospital Universitário – UFS, pediatra do Centro de Oncologia de
    Sergipe.

Estamos a seis meses do início da pandemia pela COVID-19 no Brasil e desde meados
de março, impressiona a quantidade de conhecimento produzido, enquanto se buscam
estratégias de prevenção e tratamento. É possível traçar um paralelo, resguardada a diferença da escala do tempo, com a história do diagnóstico e tratamento oncológico, particularmente em Oncologia Pediátrica.


Oncologia Pediátrica é uma área de atuação que caracteristicamente pressupõe a
atividade integrada e interdisciplinar de vários profissionais de saúde, sendo, no caso dos médicos, exercida de forma colaborativa entre pediatras com especialização em Oncologia e/ou Hematologia Oncológica, e patologistas, cirurgiões, neurocirurgiões, ortopedistas, oftalmologistas, radioterapeutas, hematologistas transplantadores, e eventualmente outros, com especialização em Pediatria. A equipe multidisciplinar de Oncologia Pediátrica é responsável por atender crianças e adolescentes até 19 anos, e atualmente começa a incluir adultos jovens até 25 anos e, possivelmente, no futuro, até 30 ou 35 anos (ao menos para algumas doenças), com risco, suspeita ou diagnóstico confirmado de câncer, para ações de prevenção, diagnóstico, tratamento, seguimento e aconselhamento.


Até 1936 o câncer era a nona causa de morte entre crianças e adolescentes nos EUA,
quando o advento da antibioticoterapia e o consequente controle das mortes por doenças infecciosas bacterianas gradativamente conduziram o câncer ao segundo lugar entre as mortes por doença na infância e adolescência. Em 1939 o Memorial Sloan-Kettering Cancer Center criou a primeira enfermaria de Oncologia Pediátrica do mundo.


Tida como doença incurável até o final dos anos 1940, as primeiras perspectivas de
tratamento clínico para crianças e adolescentes com câncer surgiram em 1948, quando o Dr. Sidney Farber identificou a aminopterina, que viria a ser a primeira droga a induzir remissões (temporárias) em crianças com leucemia. Posteriormente foi descrita a ação anticâncer de outras substâncias, como 6-mercaptopurina, L-asparaginase, vincristina, metotraxato, citarabina, glicocorticoides, entre outros.

Em meados dos anos 1960 dois grupos norte-americanos independentes demonstraram os primeiros bons resultados (remissão prolongada), não com o uso de somente uma dessas drogas, mas com uma combinação de várias delas, explorando sua ação anticâncer e, ao mesmo tempo, contornando seus principais efeitos colaterais indesejáveis. Iniciou-se, então, a era dos protocolos terapêuticos interinstitucionais multicêntricos, que conferiram à Oncologia Pediátrica a oportunidade de oferecer, no intervalo de uma geração de pacientes, o maior e
mais rápido progresso terapêutico de que se tem notícia até o momento: partindo-se de praticamente nenhuma chance de sobrevida livre de doença após o diagnóstico, que era a situação das crianças e adolescentes com câncer na metade do século XX, chega-se ao século XXI com possibilidades de cura com excelente qualidade de vida para a maior parte dos pacientes, sendo que, para alguns tipos de câncer essa possibilidade já é superior a 90%.


Nesse ponto, guardadas as devidas proporções de intervalo de tempo e de velocidade
de acometimento, além da óbvia diferença em relação à etiologia, observa-se uma interface entre o tratamento da COVID-19 e do câncer na infância e adolescência: foi preciso experimentar substâncias já existentes, com algum potencial de ação, enquanto se buscam novas opções; é preciso compartilhar informações honestas, inclusive as malsucedidas, para que se refinem as propostas de tratamento existentes e que novos protocolos surjam; é preciso que a pressa e o desejo de ser o responsável pela descoberta não ultrapasse os estreitos limites da segurança dos pacientes.


Havia, no início da pandemia, a expectativa de que a infecção pelo SARS-Cov-2
viesse a ser devastadora para os pacientes pediátricos oncológicos. Por outro lado, as
incertezas em relação a como manter a assistência oncológica e, ao mesmo tempo, garantir a segurança dos pacientes, familiares e equipe, fez com que se discutisse a necessidade de interrupção temporária dos serviços. Ocorre que em Oncologia, e particularmente em Oncologia Pediátrica, o tempo é inimigo dos bons resultados, e a interrupção do tratamento, mesmo por períodos curtos, pode levar à recaída da doença, e o atraso no diagnóstico, à perda da chance de cura.

Assim, a Sociedade Brasileira de Oncologia Pediátrica (SOBOPE) orientou seus
afiliados que mantivessem o tratamento e o acesso ao diagnóstico, com agendamento de horário, uso de máscara e outras medidas de higiene e distanciamento, adiando apenas as consultas presenciais de pacientes fora de tratamento há mais de 12 meses.


O serviço de Oncologia Pediátrica do Centro de Oncologia de Sergipe é o único
serviço da especialidade que atende exclusivamente pelo Sistema Único de Saúde. Possui uma enfermaria com 18 leitos e atende cerca de 80 casos novos por ano. Foram adotadas as diretrizes da SOBOPE e vem sendo realizada a testagem com RT- PCR de todos os pacientes que foram admitidos na enfermaria a partir do dia 1º. de abril de 2020. Até dia 12 de agosto foram feitos 59 testes em 51 pacientes, sendo 32 (54%) positivos. Os pacientes são alocados em quartos individuais de isolamento respiratório até o resultado do teste. A maior parte dos pacientes até o momento manteve-se assintomática e nenhum caso de transmissão dentro da enfermaria foi identificado. Quatro pacientes (7,8%) apresentaram sintomas graves, necessitando internação em Centro de Terapia Intensiva. Desses, dois foram a óbito, sendo um por acometimento pulmonar agudo severo e outro por complicações tromboembólicas tardias.


Todos os anos celebra-se o Setembro Dourado. Durante todo o mês as instituições
dedicadas às crianças e adolescentes com câncer informam sobre sinais e sintomas que permitem o diagnóstico precoce, o que aumenta a chance de cura, além de reduzir complicações relacionadas ao tratamento, para que sejam atendidas com presteza e que não ocorram mortes evitáveis e, principalmente, que o câncer pediátrico continue sendo uma doença curável na maioria dos casos, sendo nossa obrigação garantir essa chance aos pacientes. Neste ano tão atípico, acrescente-se que os pacientes pediátricos com câncer nos ensinaram também estratégias de enfrentamento à COVID-19, com método e respeito às melhores evidências científicas disponíveis.

COLUNA CIÊNCIA E SAÚDE – PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
CIÊNCIAS DA SAÚDE


COORDENADOR: Prof. Dr. Ricardo Queiroz Gurgel

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