Prof. Dr. Ricardo Queiroz Gurgel – Médico Pediatra, Professor Titular de Pediatria
do Departamento de Medicina da UFS em Aracaju e membro permanente dos Programas de Pós-Graduação em Ciências da Saúde
Prof. Dr. Fernando Every Belo Xavier – Médico Gastroenterologista, Presidente da
Sociedade de Gastroenterologia de Sergipe. Professor Adjunto do Departamento de
Medicina da UFS em Lagarto
A doença causada pelo novo coronavírus (COVID-19) é a mais grave crise de
saúde pública global do século atual. Ela decorre da infecção pelo coronavírus da
síndrome respiratória aguda grave 2 (SARS-CoV-2). A Organização Mundial de Saúde
(OMS) declarou a pandemia de COVID-19 em 11 de março de 2020. Em 24 de agosto
de 2020, o número acumulado de casos e óbitos confirmados no mundo ultrapassou
vinte e três milhões e oitocentos mil respectivamente. No Brasil, ocorreram 3.622.861
casos e 115.309 óbitos confirmados, e no estado de Sergipe ocorreram 70.606 casos e
1.793 óbitos confirmados, até esta data.
COVID-19 é uma doença sistêmica. Os sintomas mais comuns são de natureza
predominantemente respiratória, como tosse e falta de ar. Outros sintomas comuns são
febre e fadiga. No entanto, os sintomas gastrointestinais são comuns em adultos,
adolescentes e crianças. As manifestações incluem diarreia, hiporexia (apetite
diminuído), náuseas, vômitos, dor abdominal e sangramento gastrointestinal. Os
sintomas gastrointestinais podem estar presentes associados aos sintomas respiratórios
ou de forma isolada. Outro sintoma descrito é a disfunção do paladar (disgeusia),
podendo ser parcial (hipogeusia) ou total (ageusia). Este sintoma pode ser o único
inicialmente em 3% dos pacientes. Mas a gravidade dos sintomas pode ser crescente e
alguns pacientes podem chegar a desenvolver pancreatite aguda (inflamação do
pâncreas).
O intestino é um potencial local de multiplicação do SARS-CoV-2, o que pode
contribuir para os sintomas locais e sistêmicos da doença. Os sintomas gastrointestinais
podem decorrer da invasão direta das células gastrointestinais pelo vírus, indiretamente
por uma desregulação do sistema imune, além de efeitos colaterais de medicamentos
usados para o tratamento – como a diarreia pelo uso de antivirais e antibióticos.
Diarreia e hiporexia são os sintomas gastrointestinais mais comuns na COVID-19
A presença de diarreia em qualquer paciente, no contexto atual de pandemia, deve
alertar para a possibilidade do diagnóstico de COVID-19. Em crianças, a presença de
transtornos digestivos (diarreia principalmente) podem ser os únicos sintomas relatados,
sem sequer haver queixas respiratórias. Também a via digestiva (fecal-oral) pode ser
uma importante fonte de transmissão do SARS-CoV-2, mais frequentemente em
crianças. Em artigo de revisão nosso, onde investigamos os artigos publicados relatando
a disseminação do vírus pelas fezes, mostrou que disseminação por esta via (fecal viral
shedding) pode ser mais longa que a via respiratória em alguns casos.
O fígado é um órgão que pode ser acometido na COVID-19, independente da
presença de doença hepática preexistente. Observa-se mais frequentemente uma
elevação transitória das enzimas hepáticas (aminotransferases). Lesão hepática grave é
incomum. As anormalidades hepáticas são mais frequentes em pacientes com
apresentação mais grave da doença e podem decorrer da ação direta do vírus nas células
do fígado, da resposta inflamatória sistêmica, isquemia hepática ou pelo uso de
medicamentos usados no tratamento do paciente com COVID-19, como antitérmicos e
antivirais.
A pandemia impactou de forma dramática a realização de diversos
procedimentos em saúde, inclusive os exames de endoscopia digestiva. A endoscopia é
um procedimento gerador de aerossol com potencial risco de transmissão da doença,
portanto, um foco relevante é a segurança do paciente e da equipe de saúde, sendo
necessária para tal uma avaliação criteriosa do motivo da realização do exame. Todas as
medidas para reduzir o risco de infecção para pacientes e profissionais de saúde devem
ser adotadas. Em todo caso, uma conversa entre o paciente e seu médico, ponderando os riscos e benefícios para o paciente deverá guiar a melhor tomada de decisão sobre a realização do exame.
A microbiota intestinal tem funções fisiológicas associadas com nutrição,
digestão, metabolismo, sistema imunológico e defesa do organismo do hospedeiro. As
alterações da função e composição da microbiota intestinal são denominadas de
isbiose.
O SARS-CoV-2 pode induzir disbiose por diversos mecanismos. Alterações negativas
da microbiota intestinal podem afetar a imunidade pulmonar, e a inflamação pulmonar
pode provocar modificações da microbiota intestinal. Eventos estressores podem
também afetar a microbiota intestinal. A pandemia de COVID-19 tem ocasionado
múltiplas situações causadoras de estresse (distanciamento social, medo da infecção,
ausência de vacina, dificuldade financeira, entre muitos outros). Ainda, pacientes fazem
uso de antivirais e antibióticos que podem afetar negativamente a microbiota intestinal.
Importante destacar que até o momento não há vacina para o novo coronavírus e
as recomendações para prevenção e redução da transmissão devem ser seguidas: lavar
as mãos com água e sabão com frequência ou higienizar com álcool em gel 70%, usar
máscaras ao sair de casa e manter um distância mínima de um metro entre as pessoas
em lugares públicos.