Marcador da proteção vacinal

A vacina provoca, em nosso organismo, uma resposta adaptativa, semelhante à que ocorre pelo contato com o vírus, apoiado em dois pilares do sistema imune, o humoral e o celular. No caso da Covid-19, por exemplo, a imunidade humoral é formada por anticorpos que se ligam à proteína Spike, do SARS-CoV-2, neutralizando o agente invasor ou eliminando-o por meio de outros mecanismos efetores. Já a imunidade celular, por sua vez, é composta por dois grupos de células, específicas contra o vírus: as do tipo “B” que também produzem anticorpos e as do tipo “T”, que tanto eliminam, diretamente, células infectadas pelo vírus, como fornecem apoio às demais respostas imunes. Para infecções virais agudas, incluindo as promovidas pelo novo coronavírus, é provável que os anticorpos neutralizantes sejam essenciais para bloquear a aquisição da infecção, enquanto uma combinação das respostas imunes humorais e celulares, provavelmente, controlam a replicação viral após a infecção e previnem a progressão para doença grave, hospitalização e morte.

A identificação de marcadores imunológicos que se correlacionem com a proteção contra uma infecção após a vacinação, chamados de Correlato de Proteção (CoP) constitui importante marco na vacinologia, pois permitem prever o nível de eficácia de um determinado imunizante na prevenção de desfechos clínicos importantes, substituindo, portanto, os ensaios de eficácia, quando estes não são viáveis ou não são éticos. Uma vez estabelecido, com base em estudos randomizados, o CoP pode ser utilizado como desfecho primário de estudos que visam, por exemplo, aprovar uma determinada vacina para uma faixa etária mais jovem da população, quando já está comprovada a sua eficácia em pacientes mais idosos.

Evidências robustas, conforme artigo recém publicado no New England J of Medicine (DOI: 10.1056/NEJMp2211314), têm sinalizado para a utilização tanto da concentração sérica de anticorpos IgG anti-spike, como do título de anticorpos neutralizantes anti-SARS-Cov-2, como CoPs para vacinação contra Covid-19 sintomática. Todavia, devido a maior consistência de correlação entre a titulação média estandardizada de anticorpos neutralizantes e a eficácia das vacinas, este CoP tem sido o mais utilizado nos estudos clínicos. Esta validação é importante porque respalda as decisões dos órgãos regulatórios quanto às recomendações de doses de reforço dos imunizantes contra a nefasta peste, como aconteceu na reunião do Conselho Consultivo do Food and Drugs Administration (FDA) americano, em novembro passado.

Apesar de a população brasileira ter acesso gratuito, tanto às vacinas contra a Covid-19, como aos demais imunizantes recomendados pela Organização da Saúde (OMS), a cobertura vacinal vem despencando, sobretudo em crianças, nos últimos anos, segundo alerta do próprio Ministério da Saúde, refletindo, provavelmente, a política antivacinas defendida por muitos durante a pandemia da Covid-19. A crise econômica, o corte de financiamento na Saúde Pública, e o fato de os pais hoje em dia não temerem doenças que não conhecem, justamente por causa das imunizações, também contribuem para esta preocupante situação.

Vale ressaltar ainda que, apesar dos relatos de reações adversas graves como encefalopatias, toxidermias, hepatopatias, distúrbios confusionais, etc., descritos com o uso indiscriminado de Ivermectina, conforme descrito no periódico PLOS Neglected Tropical Diseases (Doi: 10.1371/journal.pntd.0009354), muitos ainda continuam usando o vermífugo como se fosse vacina. O FDA chegou a emitir uma nota esclarecedora, em 10 de dezembro de 2021, intitulada: “Por que você não deve usar a ivermectina para tratar ou prevenir o Covid-19”! Para humanos, os comprimidos de ivermectina são aprovados em doses muito específicas para tratar alguns vermes parasitas, e existem formulações tópicas para piolhos e para doenças de pele como a rosácea. No entanto, o FDA recebeu vários relatórios de pacientes que precisaram de atenção médica, incluindo hospitalização, após a automedicação com ivermectina destinada ao gado.

Finalizo citando o escritor e filósofo iluminista francês, François-Marie Arouet, mais conhecido pelo pseudônimo Voltaire: “Meus amigos, uma falsa ciência gera ateus, mas a verdadeira ciência leva os homens a se curvar diante da divindade…”

Antônio Carlos Sobral Sousa

Professor Titular da UFS e Membro das Academias Sergipanas de Medicina

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