Afonso Nascimento
Professor de Direito da UFS
O jornalista e pesquisador, Gilfrancisco, escreveu um artigo sobre Márcio Rollemberg Leite com dois títulos diferentes. Uma hora o chama de “jornalista” e em outra de “comunista”. Até onde sabemos, esse autor baiano naturalizado socialmente sergipano é a pessoa que mais pesquisou e mais coletou informação sobre esse membro da mais famosa oligarquia sergipana. Ainda assim, o que nos é dado saber é muito pouco. Por que esse interesse por esse juiz de direito?
Pelo fato de ser, ao mesmo tempo, um genuíno representante da aristocracia rural estadual e ter sido um “comunista”. Não temos informação para qualificá-lo de “ovelha negra”, como acontece nesses casos de alguém pertencer a uma classe social proprietária e defender os interesses da classe chamada de “oprimida” ou “explorada”. Carlos Marx, Frederico Engels, Vladimir Ilitch Ulianov (Lênin), Eduardo Suplicy, etc. Apesar das poucas informações sobre Márcio Rollemberg Leite, gostaríamos de fazer alguns comentários sobre esse artigo.
Para início de conversa, da leitura do artigo ficamos sabendo que Márcio R. Leite nasceu em 1919 e morreu em 1980, e que em 2019 é o ano de seu centenário. Menino de engenho, veio ao mundo na hoje decadente cidade de Riachuelo e os seus pais foram Sílvio César Leite e Lourença Dias Coelho e Melo. Seus irmãos mais conhecidos e poderosos são Francisco Leite Neto, comandante chefe do PSD sergipano e presidente da Comissão de Orçamento do Senado, José Rollemberg Leite, duas vezes governador de Sergipe, Gonçalo Rollemberg Leite, diretor da Faculdade de Direito da UFS por mais de uma década e sua irmã Maria Clara Leite, ex-desembargadora e ex-presidente do Tribunal de Justiça de Sergipe. O atual vice-presidente do mesmo tribunal é o seu filho Alberto Romeu Gouveia Leite.
Márcio R. Leite exerceu três profissões. Foi jornalista – e portanto intelectual -, trabalhando para os seguintes jornais e revistas: “Revista Época”, “Diário de Sergipe”, “Correio de Sergipe e “Jornal do Povo”, sendo esse último um jornal do Partido Comunista Brasileiro (PCB) em Sergipe. Trabalhar num jornal comunista é um indicador entre outros de que era mesmo comunista. Não sabemos dizer se esse seu trabalho jornalístico era remunerado ou não, mas o fez já na condição de bacharel em Direito.
Enquanto estudante secundarista, contribuiu para a imprensa estudantil nos jornais “Boletim no.2”, “O Seminário”, “A Juventude” e a ” Voz do Estudante”. Em 1978, durante o governo de seu irmão José R. Leite, lançou o que parece ser seu único livro, um livro de poesias, com o título “Flagelos e Esperanças”. O leitor do artigo não fica informado se ele estava aposentado, todavia somente que então morava de novo no Rio de Janeiro.
Também ficamos a saber que, enquanto estudante de Direito no Rio de Janeiro, então ainda capital da República, Márcio R. Leite pode ter tido participação na fundação, em 1938, da União Nacional dos Estudantes (UNE), e com certeza que era contrário ao fascismo italiano e ao nazismo alemão e que mostra simpatia pela União Soviética.
Pouca ou quase nenhuma informação existe sobre o seu trabalho como advogado, sua segunda profissão em Sergipe. Para quem trabalhava? Era por acaso um advogado trabalhista? Nesse período ainda vivendo em Sergipe, Márcio R. Leite era um verdadeiro militante ou um simpatizante? Quais as suas atividades como militante comunista? Pelas nossas informações, salvo engano, ele não foi preso em 1952, depois de o PCB ter sido ilegalizado durante o governo autoritário do general Eurico Gaspar Dutra. Sabemos, sim, que ele foi contra a cassação do registro do PCB em 1947.
Por último, Márcio R. Leite foi juiz de direito na cidade pernambucana de Gameleira, em Pernambuco, mas não ficamos sabendo quando assumiu esse emprego. Por que essa escolha profissional tão longe de Sergipe? O artigo nos informa que, por ocasião do golpe militar de 1964, ele foi preso e enquadrado na Lei de Segurança Nacional, juntamente com mais dois juízes. Por quanto tempo ficou preso? Foi condenado ou absolvido pela Justiça Militar? Voltou a exercer a magistratura?
Márcio R, Leite publica dois artigos de 1946 e 1947 em que se posiciona claramente como comunista, ou mais precisamente, como marxista-leninista. E prestista! Sobre o que escreve ele? Tratando do “1o. de Maio e a fome”, Márcio R. Leite diz que “o dia do proletariado mundial é também o dia da gloriosa história da luta contra a inflação, a miséria e a exploração de todo o nosso povo”. Cita o “Cavaleiro da Esperança” e adiante, bem dentro da retórica do Partidão, afirma que as massas das cidades e dos campos conduzidas por legítimos dirigentes não deixarão mais as forças latifundistas e imperiaistas fecharem o nosso caminho para a democracia”.
No artigo de 1947, intitulado “Uma das teclas da reação anticomunista”, ele sustenta que a “ideologia do PCB é o socialismo científico, o marxismo-leninismo”, que é “a expressão mais avançada da ciência moderna” e faz um pequeno histórico de como se chegou a essa ciência.
Diz que “Prestes estuda o período de marcha pacífica do proletariado e do povo do Brasil para a liquidação dos restos feudais e progresso capitalista e parlamentar, como condições essenciais para vitória ulterior do socialismo em nossa pátria”. Esse é um discurso tipicamente caracterizado mais tarde como “marxismo vulgar”. Se tinha mais leituras dos grandes pensadores marxistas, não é desses dois artigos jornalísticos que se pode perceber.
Como o leitor pode concluir, faltam muitas informações sobre a vida pessoal, a vida profissional e a vida de ativista comunista de Márcio R. Leite. É somente com mais dados que se poderá dizer que espaço esse senhor deve ocupar dentro da história jornalística, advocatícia, da magistratura e política de Sergipe.
Nota bene: Esse título foi emprestado de Aliomar Baleeiro, ex-ministro do STF escrevendo sobre a suprema corte brasileira.