José Lima Santana – Padre, advogado e professor da UFS
Enfim, o último artigo da série, na sequência dos anteriores, publicados no
Jornal da Cidade e no Blog Primeira Mão, nos dois últimos fins de semana. Se o
messianismo político se encontra presente no gosto dos políticos, não se acha menos
efervescente no gosto do povo, na sua inocência ou na sua fácil manipulação. O que
será?
Depois das duas eleições, vencidas no primeiro turno, por Fernando Henrique,
tendo como principal concorrente o petista Luiz Inácio Lula da Silva, político forjado
nas lutas dos trabalhadores do ABC paulista, os tucanos seriam sucessivamente
derrotados por Lula e Dilma, em quatro eleições. O petismo tornou-se uma “religião”
para muitos. Não era meu objetivo nos três artigos sequenciais fazer uma análise do
desempenho dos presidentes, ou dos seus partidos políticos, mas, apenas, mostrar como
os seus jingles de campanhas aludem ao messianismo político, à necessidade de incutir
na cabeça dos eleitores que um ou outro candidato é o tal, é o que vem para resolver os
problemas que afligem os cidadãos. O messianismo consegue inserir na “consciência
coletiva” a necessidade de manter-se a esperança por melhores dias. E essa esperança
repousa no candidato que souber tocar de forma mais incisiva o coração do eleitor. Pelo
que se tem visto, ao longo dos tempos, não importa de onde vem o candidato, se da
“direita”, ou da “esquerda” (mas, o que são, no Brasil, “direita” e “esquerda”, ou em que
acabaram a “direita” e a “esquerda”?). Um cipoal de ideias e de ações por vezes mal
concebidas e engendradas. Todavia, isso não é o foco da sequência.
Em 2002, depois do desapontamento do povo com o fim do segundo mandato de
FHC, a vitória de Lula (PT), perseguida desde 1989, enfim, se confirmou. Lula obteve,
no segundo turno, 52.793.364 votos (61,27%) contra 33.370.739 votos de José Serra do
PSDB (38,73%). Dentre os jingles de Lula, vejam este, apresentado em forma de
samba-enredo, que diz: “Está em festa o meu país / Nossa gente está contente / O Brasil
está feliz / Lula é o nosso presidente // Brilha lá no céu / A estrela da esperança / Logo
após a tempestade / Pra nossa felicidade / Sempre chega a bonança // É Lula aqui / É
Lula ali / É Lula lá / Chegou a hora / Nossa vida vai mudar / Homem do povo / O Brasil
vai governar”. Outro jingle: “Lula lá! / Brilha uma estrela / Bote essa estrela no peito /
Não tenha medo ou pudor”. O povo se empolgou. Se a estrela brilhava no céu, brilharia
também no peito do eleitor. O país em festa, “nossa gente contente”. Brasil feliz. Um
homem do povo ia governar. Tudo isso era muito messiânico.
Apesar do mensalão, os desgastes iniciais sofridos por Lula não impediriam a
sua reeleição. Em 2006, no segundo turno, ele derrotaria Geraldo Alckmin (PSDB),
obtendo 46.662.365 votos (60,83%) contra 39.968.369 votos (39,17%) do tucano. O
jingle daquele ano tinha como mote musical o baião de Luiz Gonzaga “Óia eu aqui de
novo”: Óia eu aqui de novo / Cantando / Eu tenho um sonho novo pra sonhar / Óia eu
aqui de novo / Lutando / A esperança não se cansa de gritar”. Adiante dizia: “O mundo
se ilumina / Nós por ele / Ele por nós”. Mais: “É o primeiro presidente / Que tem a alma
do povo / E tem a cara da gente”. E mais: “São milhões de Lulas / Noite e dia a lutar /
Por um país mais justo / E independente / Onde o presidente é povo / E o povo é
presidente”.
“O mundo se ilumina” com Lula, que tem a alma e a cara do povo. Com ele, a
esperança não se cansa de gritar. Ele é povo. E com ele, o povo é presidente. Um apelo
e tanto! O messianismo político não tirava férias. Continuava ali, batendo ponto.
Terminando o segundo mandato, Lula candidatou Dilma, a sua escudeira na
Casa Civil, depois da derrocada de José Dirceu, que teve o mandato de deputado federal
cassado, por conta do mensalão. Ela era o que alguns chamavam de “poste”, ou seja,
candidato fabricado, sem experiência nas urnas. Ganhou, no segundo turno, com
57.752.483 votos (56,05%) contra 43.711.388, ou seja, 43,95% de José Serra. O jingle:
“Meu Brasil novo / Brasil do povo / Que Lula começou / Vai seguir com a Dilma / Com
a nossa força / E o nosso amor”. Outro jingle dizia: “Meu Brasil / Tá querendo Dilma /
Meu Brasil / Tá querendo continuar / Com a força da massa / O povo te abraça / Agora
é Dilma / É a vez da mulher”. Sim, ainda bem que uma mulher teria lugar no cargo
maior do Executivo. Mas…! Bem, e lá estava o messianismo: o Brasil novo, do povo,
que Lula começou. Tão presente, tão cada vez mais vivo o espectro messiânico nos
jingles.
Quatro anos depois, Dilma outra vez. Derrotou Aécio Neves com 54.501.118
votos (51,64%) contra 51.041.155 (48,36%). Percentualmente, a mais apertada vitória
dos petistas. O país se dividiu. De tal forma, que veio o impeachment, em 31 de agosto
de 2016. Todavia, o assunto são os jingles. Eis: “Dilma / Coração valente / Força
brasileira / Garra dessa gente / Ô Dilma / Coração valente / Nada nos segura / Pra seguir
em frente / Você nunca desviou o olhar / Do sofrimento do povo”. Adiante: “Mulher de
mãos limpas / Mulher de mãos livres / Mulher de mãos firmes”. Noutro jingle: “Lula
reduziu a fome / Dilma, a miséria / E tudo começou a clarear”.
“Coração Valente” é o título de um filme dirigido e estrelado por Mel Gibson,
vencedor do Oscar de melhor filme de 1996, além de vencer em outras categorias e
ganhar outros prêmios, como o Globo de Ouro. A inspiração era messiânica. Com Lula
e Dilma, tudo clareou. Messianismo forte.
Após o golpe, como os petistas chamaram o impeachment de Dilma, Temer, o
vice, assumiu a presidência. Ensaiou candidatar-se, mas foi atropelado por denúncias.
Mixou. Veio 2018. Lula estava na prisão, levado pela operação Lava-Jato, contestada
pelos petistas e aplaudida pelos que lhes são contrários. No segundo turno, Jair Messias
Bolsonaro (PSL) bateu Fernando Haddad (PT) com 57.797.847 votos (55,13%) contra
47.040.906 votos (44,87%). O país continuou dividido. Mais ainda do que em 2014.
Ânimos acirrados, inclusive no seio de diversas famílias. Em 6 de setembro, um mês
antes da eleição no primeiro turno, Bolsonaro sofreu um atentado, uma facada no
abdômen. Contudo, aqui, importam os jingles dos vitoriosos. Eis o de Bolsonaro,
messiânico até no nome, assim que ele voltou do hospital: “Ô, ô, ô, ô, ô / O mito voltou
/ Ô, ô, ô, ô, ô / O mito voltou / Por onde ele passa / Arrasta a massa / Eu vim de graça /
Ninguém me mandou / Levanta a bandeira / Nação brasileira / E avisa que o mito voltou
/ Quiseram calar a democracia / Mas quem é valente / Sempre se levantará / Se Deus é
por nós / Quem será contra nós? / Brasil acima de tudo / E Deus acima de todos”. Nos
últimos tempos, ou em todos os tempos, eis o auge do messianismo político, nas
eleições presidenciais brasileiras: o mito. O mito…! Sem comentários. Nem precisa.
Bem, aqui se encerra a sequência de três artigos, enfocando o messianismo
político nos jingles eleitorais das disputas pela presidência da República. Até mais ver.