Paulo Márcio Ramos Cruz
Servidor público estadual
Não cedo à tentação de atacar gratuita ou levianamente o Banco do Estado de Sergipe S.A – Banese, seja por preconceito, desinformação ou simples oportunismo político. Muito pelo contrário, defendo a sua existência e fortalecimento, por reconhecer-lhe a importância estratégica e o relevante papel social que vem sendo desempenhado desde sua fundação até os dias atuais.
Mas é inegável que a ingerência do Governo do Estado, seu maior acionista, não raro desvirtua a função do banco estatal e prejudica sobremaneira a sua clientela, majoritariamente composta de servidores públicos estaduais, ativos e inativos.
A bem da verdade, os servidores públicos estaduais são a galinha dos ovos de ouro do Banese. Seus salários e aposentadorias constituem a principal fonte de receita do banco, absurdamente majorada pelos elevados juros pagos por nove em cada dez correntistas, pendurados que estão em uma ou mais operações de crédito disponibilizadas pelo banco de todos os sergipanos.
Dentre as operações de crédito existentes, todavia, o grande filão é o famigerado empréstimo consignado, mediante o qual o banco empresta ao servidor uma quantia correspondente a até 35% da sua margem consignável, dividida em até 120 parcelas mensais, fixas e sucessivas, descontadas diretamente na folha de pagamento, cuja elaboração e controle, em Sergipe, ficam a cargo da Secretaria de Estado da Administração – SEAD.
Esse desconto em folha reduz a zero o risco da operação para a instituição credora. Como se não bastasse, é imposto ao tomador do empréstimo um contrato de seguro acessório, cujas parcelas são debitadas automaticamente na conta salário do servidor no dia do vencimento.
A depender do valor e prazo contratados, o servidor chega a pagar um montante superior a 300% do valor contraído. Vale dizer: de cada 3 reais pagos ao banco pelo tomador do empréstimo, 2 são destinados ao pagamento de juros, ao passo que apenas 1 é utilizado para a amortização do capital.
Depois de muitos abusos e reclamações em face dos juros pornográficos cobrados por algumas instituições Brasil afora – em muitos casos comprometendo a subsistência e bem-estar de milhões de aposentados do INSS e seus dependentes -, foi criada a assim chamada lei da portabilidade de crédito – a bem da verdade uma Resolução estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) e pelo Banco Central, válida para todos os empréstimos pessoais, realizados por pessoas físicas, entre os quais os empréstimos consignados.
Informa o portal bxblue.com.br, em matéria publicada em 13/02/2020, que “A Resolução de nº 4292 de 20 de dezembro de 2013 dispõe sobre a portabilidade de operações de crédito realizadas com pessoas naturais. Essa resolução altera a resolução nº 3.401, de 6 de setembro de 2006 e dá também outras
providências. A atualização foi realizada com o objetivo de promover e permitir mais segurança e transparência para o consumidor que desejar migrar o seu crédito contratado em determinado banco, para outro.”
E o que faz, na prática, um consumidor querer migrar o seu empréstimo consignado de um banco para outro? Em 100% dos casos, uma menor taxa de juros oferecida pela instituição proponente, que importa, em muitas situações, numa redução de 30% ou mais no valor das parcelas.
Tomemos a título de exemplo a seguinte situação: um determinado cliente (servidor público estadual) deve ao Banese 80 parcelas de R$ 1.200,00 a título de empréstimo consignado, perfazendo um montante de R$ 96.000,00. Esse mesmo cliente procura a Caixa Econômica Federal com o objetivo de fazer a portabilidade do consignado, haja vista a taxa de juros mais atrativa oferecida pelo banco concorrente. A Caixa, então, aprova a portabilidade solicitada, oferecendo as seguintes condições: a) compra da dívida integral junto ao Banese pela própria Caixa (liquidação da dívida original); e b) assinatura de um novo contrato de empréstimo consignado com a Caixa, com 80 parcelas mensais, fixas e sucessivas de R$ 840,00 (redução de 30% no valor da parcela). Nesse caso, o novo montante fica em R$ 67.200,00 – uma redução total de R$ 28.800,00 em relação à dívida original com o Banese.
Mas por que, diante de tamanha vantagem para o consumidor, os servidores públicos estaduais não vêm conseguindo fazer a portabilidade do empréstimo consignado do Banese para outros bancos? Ora, pelo simples fato de que o Governo do Estado, preocupado apenas com os seus cofres, nega-se obstinadamente a firmar convênios com outras instituições financeiras que oferecem empréstimo consignado a servidores públicos, a exemplo da Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, Itaú, Bradesco, Santander, Banco Banrisul, Banco Cetelem, Banco Daycoval, Banco PAN, dentre outros.
O governo federal, os demais governos estaduais e inúmeras prefeituras mantém convênios com quase todas essas instituições financeiras, pois o que deve prevalecer é a liberdade do servidor-consumidor para contratar com quem lhe oferece as melhores condições.
Na contramão da história e totalmente indiferente às agruras dos servidores públicos estaduais, o Governo de Sergipe insiste em espezinhar os princípios que regem as relações de consumo e cria, por via oblíqua, um monopólio a ser explorado pelo Banese em detrimento dos direitos dos consumidores.
Numa palavra: o Banese suga os servidores públicos estaduais para atender aos interesses do Governo de Sergipe. Qualquer semelhança com a derrama vigente ao tempo do Brasil Colônia não é mera coincidência.
Entretanto, salvo melhor juízo, entendo que essa omissão consistente na inexistência de convênio com outras instituições financeiras – fruto da insensibilidade e falta de compromisso do Governo do Estado com seus servidores – pode ser suprida pelo Poder Judiciário no bojo de ações individuais ou coletivas. De outra forma, restará ferido de morte o primado da lei.
Com efeito, é tanto mais necessária quanto mais legítima a propositura de uma Ação Civil Pública por parte do Ministério Público Estadual ou da Defensoria Pública Estadual, com o desiderato de impor ao Estado de Sergipe a obrigação de firmar convênios com outras instituições financeiras a fim de fazer valer os direitos dos servidores, particularmente o de contrair empréstimos consignados em condições mais favoráveis, seja originalmente, seja por meio da portabilidade.
A sobrevivência e fortalecimento do Banese dependem fundamentalmente da sua capacidade de adaptação e resposta às demandas atuais, o que implica modernizar-se e adotar modelos de governança que lhe permitam concorrer de igual para igual com outras instituições que tentam avançar sobre sua clientela. Matar a galinha dos ovos de ouro, por outro lado, como intenta o Governo do Estado, é o caminho mais rápido para a extinção ou a privatização que espreita como um fantasma.