O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou, na terça-feira (22), ação civil pública, com pedido de liminar à Justiça Federal, para que a União e o Estado de Sergipe implementem, dentro de suas competências, o Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura (MEPCT), previsto na Lei Estadual 8.135/2016 e na Lei Federal 12.847/2013.
A legislação federal instituiu o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, em atendimento ao compromisso internacional assumido pelo Brasil em 2007, com a ratificação do Protocolo Facultativo à Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes. O tratado estabelece, como elemento essencial, um sistema internacional e nacional de visitas preventivas regulares a locais de detenção por parte dos órgãos independentes, acompanhadas de relatórios e recomendações para as autoridades, e de um acompanhamento sistemático da implementação e cumprimento destas recomendações.
O Mecanismo é a principal ferramenta de prevenção e combate à tortura, já que é responsável por planejar e realizar visitas periódicas e regulares a pessoas privadas de liberdade, qualquer que seja a forma ou fundamento de detenção, aprisionamento, contenção ou colocação em estabelecimento público ou privado de controle ou vigilância para verificar as condições a que se encontram submetidas. Sua atuação abrange também a privação de liberdade decorrente de políticas de saúde mental (internação psiquiátrica ou medidas de segurança), sistema de cumprimento de medidas socioeducativas em meio de internação e tratamento de usuários de drogas (com ou sem internação compulsória), entre outros. Conforme destaca o MPF na ação, o Brasil se comprometeu a estabelecer um Mecanismo preventivo de caráter nacional, além de criar estruturas similares nos estados e no Distrito Federal.
Apesar de Sergipe ter criado em 2016, por lei estadual, o Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Estado de Sergipe e seu respectivo Mecanismo, este não foi efetivamente instalado até o momento. Segundo a procuradora Regional dos Direitos do Cidadão, Martha Carvalho Dias de Figueiredo, a prevenção e combate à tortura no Brasil são políticas de Estado e devem ser assumidas como tais pelos gestores públicos. Por isso, é inadmissível que o poder público sergipano siga sem adotar medidas concretas para implementar o Mecanismo Estadual para que possa iniciar as ações sistemáticas tanto na linha da prevenção quanto do combate a práticas de tortura às pessoas privadas de liberdade.
Inspeção
Em inspeção realizada no fim de 2022 em unidades prisionais e socioeducativas de Sergipe pelo Mecanismo Nacional, o órgão considerou dois fatores que se constituem historicamente como pilares da precariedade do sistema carcerário sergipano: a falta de infraestrutura das unidades e a superlotação nos presídios do estado, que mistura, contrariando a legislação, pessoas presas provisoriamente com pessoas sentenciadas.
No relatório da missão, o Mecanismo Nacional aponta situações graves em diversas unidades prisionais sergipanas, que vão desde superlotação, privação de água e banho de sol, falta de itens básicos de higiene e desassistência à saúde a relatos de violência física e psicológica. Por isso, o órgão federal expediu diversas recomendações às autoridades públicas sergipanas. Entre elas, recomendou ao governo de Sergipe que implemente o Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura, com garantia de remuneração adequada aos seus membros, além de vedação de presença de pessoas ligadas a órgãos da segurança pública ou a outros que possam representar conflito de interesses para sua atuação autônoma.
Histórico
Desde 2018, o MPF em Sergipe dedica incontáveis esforços, em termos de reuniões, ofícios, audiência pública, múltiplas interlocuções com autoridades públicas, entidades da sociedade civil e movimentos sociais, especialistas na temática da prevenção e combate à tortura para que a União e o Estado de Sergipe viessem a efetivamente adotar medidas para a implementação de seu MEPCT. As múltiplas diligências empreendidas de forma insistente ao longo dos anos, porém, resultaram infrutíferas, uma vez que, até o momento, o Mecanismo ainda não foi implantado pelo Estado.
Em 2021, o Estado de Sergipe implementou o Comitê de Prevenção e Combate à Tortura, órgão colegiado formado tanto por representantes da sociedade civil quanto do poder público. Cabe a esse órgão coordenar a política pública de prevenção e combate à tortura no estado, assim como conduzir o processo de seleção dos integrantes do Mecanismo Estadual. De acordo com a lei sergipana, o Mecanismo é composto por três membros, que são chamados de “peritos”. Eles são escolhidos dentre candidatos com notório conhecimento, ilibada reputação, atuação e experiência na área. Devido à falta de apoio administrativo do Estado, o mandato dos membros do Comitê pode chegar ao fim, em novembro deste ano, com grande risco de não conseguirem concluir os trabalhos de seleção dos membros do Mecanismo por meio de um edital para apresentação de candidaturas.
Pedidos
Na ação, o MPF requer a concessão de decisão liminar, para que União e Estado de Sergipe implementem o MEPCT antes da finalização do mandato de dois anos da atual composição do Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura. O Mecanismo deverá contar com estrutura, recursos orçamentários e autonomia institucional, bem como com independência funcional de seus membros, nos termos da Lei Estadual 8.135/2016, de modo a viabilizar o seu adequado funcionamento e a realização de visitas periódicas (no mínimo, anuais) a todas as unidades prisionais e a todos os locais de custódia (a exemplo das delegacias, hospital psiquiátrico, cadeias públicas, instituições de internação de adolescentes, comunidades terapêuticas, entre outros) presentes no território sergipano, sob pena de multa de R$ 100 mil a cada réu em caso de descumprimento de eventual decisão judicial.
Fonte: MPF-SE