Antônio Carlos Sobral Sousa – Professor Titular da UFS e Membro das Academias Sergipanas de Medicina, de Letras e de Educação
Pari passu ao desenfreado avanço da COVID-19, tem sido relatado em várias partes do mundo e, inclusive, no Brasil, sensível redução dos internamentos por urgências cardiovasculares, notadamente, por Síndromes Coronarianas Agudas (SCA), cujo principal representante é o Infarto Agudo do Miocárdio (IAM). Este último constitui a principal causa de mortalidade do mundo moderno.
Esta constatação inusitada tem chamado a atenção da comunidade científica, uma vez que é comum o aumento da ocorrência de SCA, durante os surtos de gripe. Isso por que o estado inflamatório, causado pela infecção gripal, predispõe a ruptura de eventual placa aterosclerótica coronária (artéria que irriga o coração), provocando a formação de um trombo no local e a consequente obstrução do vaso, levando ao IAM. O mais intrigante é que a COVID-19 se caracteriza pela produção de intensa reação inflamatória, em, aproximadamente, 20% dos infectados.
Este fenômeno, provavelmente, decorre de uma multiplicidade de fatores. O receio de contágio no hospital, talvez tem sido o principal responsável pelo desencorajamento ao acesso da população aos serviços de urgências, particularmente, depois da divulgação de que a doença se disseminava, entre os profissionais de saúde. Este tipo de comportamento pode, também, está sendo influenciado pelas mensagens de “fique em casa”, amplamente divulgadas por diversas associações, órgãos governamentais e meios de comunicação, afastando, não intencionalmente, os pacientes dos necessários atendimentos hospitalares. Outra hipótese postula que a maioria dos recursos de saúde foram realocados para gerenciar a pandemia, podendo induzir atitudes médicas de adiamento de casos não relacionados à virose.
Tem sido especulada, ainda, a existência de um verdadeiro declínio de eventos cardiovasculares, ao nível individual, proporcionado pelo home office, tais como: redução de exposição à poluição atmosférica e do estresse tanto no trânsito como no ambiente de trabalho; adoção de hábitos alimentares mais saudáveis, com menor ingesta de sódio e de frituras, característicos do fast food; maior tempo de sono, dentre outros. Vale ressaltar, todavia, que o confinamento domiciliar pode, também, provocar consequências contrárias, que impactariam, negativamente, na saúde da pessoa, como aumento de peso, redução da prática de exercícios físicos, maior ingesta de álcool e estresse. Porém, os caracteres repentinos e amplos desse fenômeno apontam para um padrão de comportamento baseado na população quando as atitudes têm consequências exponenciais.
Nesse contexto, tem sido projetada uma “onda” de eventos cardiovasculares, cessada a que ora vivenciamos, com a pandemia. Para minimizá-la, as Sociedades de Cardiologia têm emitido alerta de que “não fiquem em casa com queixas cardiovasculares”. Por outro lado, os pacientes devem ter a confiança de que os hospitais podem prestar atendimentos, com segurança, das emergências cardiológicas, evitando, assim, mortes desnecessárias, adicionadas ao pedágio da COVID-19.