O pânico como estratégia

Luiz Eduardo Oliveira – Doutorando em Saúde e Ambiente

As últimas semanas realçaram, nos seres humanos, os mais diversos sentimentos. Alguns reviveram o amor, a compaixão, o altruísmo, a benevolência, a solidariedade e talvez até a empatia. Outros, ao contrário, aumentaram o distanciamento, a indiferença e a mesquinhez traduzido no já conhecido e até incentivado jargão popular: “farinha pouca, meu pirão primeiro”. Sem querer refletir sobre a temática dos anjos e demônios internos de cada ser humano é preciso saber compreender o motivo da propagação do sentimento do pânico. Somos bombardeados, a todo instante, por anúncios catastróficos e emergenciais que de tanto atemorizar autorizamos aos gestores a gastar sem necessidade de licitação e sem controle dos órgãos fiscalizadores, o nosso dinheiro. Não que isso faça tanta diferença assim, mas escancara a farra perpetrada contra o erário público, o que talvez represente para nosso Estado de Sergipe e nossa cidade de Aracaju falta de condições para pagamento. Aliás, já nos informaram que estávamos na iminência do calote, da insolvência e da impossibilidade do pagamento do funcionalismo público, estadual e municipal. Algumas categorias, somente algumas e de determinado poder, tiveram salários parcelados. Os demais poderes e instituições fiscalizatórias continuaram recebendo normalmente, o que é o justo. Se bem que a ideia de moral, ética e justiça também tem se mostrado confusa e de difícil identificação.

Acontece que o início de 2020 trouxe mais um ingrediente para trazer a falta de paz, de tranquilidade e o pânico e desta vez não somente para uma parcela da sociedade, mas para todos. Claro que para determinada classe de pessoas o pânico foi mais cruel. Não foi para os pobres, mendigos e para aqueles que estão ameaçados diariamente diante do quadro da violência sistêmica e até institucional quando precisam trabalhar para obter o sustento seu e de sua família. Para estes humanos o pânico se tornou indolente. A violência, mais perceptível para os mais pobres e visível a olho nu, aquela provocada por arma de fogo, só no último fim de semana matou muito mais que o COVID-19 em igual período, demostraram os dados oficiais.

Mas o vírus precisa provocar mais pânico na sociedade, pois este pode matar outro tipo de humano, que não aqueles que trabalham pela sobrevivência dia após dia. Se observarmos os dados fornecidos pelo Atlas da Violência – Retrato dos Municípios Brasileiros de 2019 e os da organização Conselho Cidadão para a Segurança Pública e a Justiça Penal do México, poderemos constatar a colocação da nossa cidade e do nosso estado no ranking da violência.

Somente em 2019 Sergipe teve 799 crimes violentos, letais e intencionais, tais como homicídios dolosos, latrocínios e lesões corporais seguidas de morte, informação divulgada pela Secretaria de Segurança Pública (SSP). Não proporcionou sequer uma nota de preocupação e nem reacendeu o debate e tão pouco provocou pânico. Por muito menos o Governo Federal reconheceu estado de calamidade pública em Sergipe devido ao corona vírus. Aí sim, pânico total. Fecha-se tudo, defensores incontroláveis do “Fique em casa” elegeram a causa como bandeira ou mote de luta. Situação diferente em relação aos homicídios e demais violências e outras doenças.

Acontece que, mais uma vez, a população prisional sem Sergipe, já com diagnostico publicado de superpopulação, alto índice de presos provisórios e com registros de várias doenças propagadas dentro e fora dos presídios, começa a causar medo e a depender da utilização dos dados, pânico. Os registros de casos de COVID-19 começam a “pipocar” dentro dos pavilhões e o Ministro da Justiça e da Segurança Pública já relatou, esta semana, casos comprovados da doença no Distrito Federal, Pará e Ceará e classificou como válida uma recomendação do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) para que juízes avaliem a possibilidade de prisão domiciliar a detentos mais vulneráveis, como idosos e portadores de doenças crônicas. Poderemos ter, em breve, uma quantidade incalculável de condenados circulando entre nós. De todos os tipos.

O Departamento Penitenciário Nacional (Depen) suspendeu, nos presídios federais,as visitas sociais. Sergipe seguiu no mesmo caminho adotando o protocolo ao estabelecer que após confirmação de contaminação o detento deverá ser levado para cela de isolamento na enfermaria da unidade prisional, ou local designado, evitando a movimentação e transporte para fora do isolamento, restringindo às necessidades médicas; bem como a suspensão de visita da mesma. Ameaça real de rebelião e enfrentamentos. Como solução, poderá haver uma expedição de alvarás de solturas nunca antes visto.

Esperamos que a reunião entre o secretário da Justiça e Defesa do Consumidor (Sejuc), o presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB (CDH) e o coordenador do Núcleo de Políticas Carcerárias da CDH, realizada também esta semana possa levar em consideração que, como registrado no encontro, as unidades prisionais são um ambiente altamente propício para a transmissão da doença. Novidade?

O clima está tenso nas unidades prisionais sergipanas. Entretanto as causas já foram demonstradas em vários artigos científicos elaborados por pesquisadores sergipanos. Talvez tenha chegado o momento de valorizar a pesquisa e ouvir os que realmente pesquisam.

Precisamos tratar a sociedade de forma integral e compreender de uma vez por todas que, especialmente em Sergipe, precisamos muito mais que leis, decretos, recomendações ou o uso da força pública. A sociedade precisa encontrar no Estado um referencial de lisura, no sentido de honestidade nas ações. Está difícil.

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