O que esta Reforma Tributária tem a ver conosco?

Carlos Trindade*
Economista

Nesta última semana, o governo federal conseguiu uma expressiva vitória na Câmara Federal com a aprovação da PEC da reforma tributária. Se fortaleceram o Ministro Fernando Haddad, o Lira e o próprio Lula como condutores da votação no parlamento federal. Saiu derrotado o Bolsonaro e parte do PL que acompanhou a orientação do ex presidente de rejeitar integralmente a proposta, a qual taxou de reforma tributária comunista e não apresentou nenhuma alternativa ao texto discutido e aprovado na noite de 6 para 7 de julho.

O projeto agora segue para o Senado onde poderá ser aprimorado e emendado até chegar a sua versão final. Importante ressaltar que a atualização do modelo de tributação brasileiro vinha desafiando várias legislaturas e governos no sentido da sua revisão, dai a importância social, politica e econômica deste acontecimento. Alguns economistas colocam este projeto no mesmo patamar estratégico do Plano Real que deu sustentação aos governos tucanos na década de 90.

A base do governo vem ressaltando alguns pontos que são diferenciais em relação ao que hoje é praticado. A taxação de bens de luxo, o imposto zero para a cesta básica, um cashback para a população de baixa renda, a redução do imposto para saúde/medicamentos, educação e transporte publico, fim das isenções fiscais, dentre outros pormenores que impactam na qualidade de vida da população mais empobrecida.

No tocante ao seu impacto na economia, há a expectativa de que, aliado a baixa na taxa de juros, este reforma propicie uma retomada da industrialização e aumento da competitividade nas indústrias de base, setor este que participa com 10% do valor adicionado do PIB nacional e contribui com 30% dos impostos indiretos cobrados no país.

Por outro lado, com a simplificação dos impostos centrados no Imposto de Valor Agregado – IVA(Federal) e no Imposto de Bens e Consumo – IBS(Estadual/Municipal), este último cobrado no destino, espera-se que a população conte com produtos mais baratos e que haja uma diversificação no desenvolvimento regional, hoje concentrado no sul-sudeste do país.

Ha porém, desafios a serem superados nos próximos anos e também governos. O principal é a taxação das grandes fortunas que ficou para uma segunda etapa. Aprovar algo neste sentido vai colocar o Brasil num outro patamar civilizatório no plano global. É impensável um país está situado entre as principais economias mundiais e ser, simultaneamente, um dos países mais desiguais do do mundo.

Um segundo desafio reside na operacionalização do IBS, já que neste o governo estadual controlará a maior parcela da receita municipal decorrente deste imposto gerando impasses orçamentários e políticos semelhantes ao que ocorre atualmente com o ICMS. A Federação dos Auditores e Fiscais de Tributos Municipais – FENAFIM defende que o repasse do IBS estadual aos municípios seja transformado em receita própria municipal preservando e garantindo a autonomia das prefeituras para implantar suas politicas públicas e atender a população de cada cidade. O dinheiro precisa ir direto para o município sem passar pelo filtro do estado. Da mesma forma, o tratamento da categoria fisco deve ser equânime dentre as três instâncias do pacto federativo, já que o serviço será semelhante para todas as esferas governamentais. Esta tutela não pode ser aceita e deve ser retificada no Senado.

Por fim, um terceiro desafio é fazer com que tanto o IVA quanto o IBS tenha como princípio básico o combate as desigualdades sócios raciais e de gênero, as desigualdades regionais e o combate à pobreza. Historicamente, os períodos de maior crescimento econômico no Brasil não foram acompanhados da redução das desigualdades e esta resiliência tem uma causa como pano de fundo: o racismo que divide a população brasileira em cidadãos e cidadãs de primeira, segunda, terceira ou de classe nenhuma.

Além do preconceito e da discriminação que aflige o cotidiano da população negra e pobre, a violência policial que impinge uma pena de morte informal a juventude negra, o desemprego, a baixa qualidade dos serviços de saúde e educação, a falta de moradia e saneamento básico, o encarceramento em massa, o tratamento desigual ao judiciário são entraves a extensão de uma cultura cidadã no país e este debate sobre a reforma tributária pode ajudar a reverter.

Estes desafios estão imbricados numa relação de interdependência que envolve a gestão publica e a classe politica brasileira na sua instância federativa. Reduzir a concentração de renda, fortalecer a gestão municipal e priorizar a reparação econômica da população negra e pobre deve ser prioridade zero na formatação dos regulamentos que irão reger a implementação da nova base tributária do país. Como bem lembra Cida Bento sobre o papel do Estado neste contexto: é “credor na relação tributaria e devedor na reparação”.

Isto ainda não é, como tentou propagar o Bolsonaro, uma reforma tributária comunista. Trata-se apenas de uma necessária e histórica correção nas injustiças sociais seculares perpetradas pelo racismo no Brasil.

*Especialista em Ciência Politica, mestrando em sociologia, presidente do sindicato de auditores e fiscais de tributos de Aracaju (SINAF) e vice presidente para o nordeste da federação dos auditores e fiscais de tributos municipais (FENAFIM)

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